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Tabatinga é uma síntese de paradoxos nos confins da Amazônia. Elevada à condição de município em 1981, nunca alcançou a independência financeira. A economia, centrada no comércio e na prestação de serviços, sustenta-se graças ao salário do funcionalismo público e dos 900 soldados do 8.° Batalhão de Infantaria de Selva. Os recursos próprios da prefeitura somam 5% da receita anual de R$ 17 milhões. Repasses estaduais e federais fecham a conta, mas fora isso o estado pouco influi na rotina dos 40 mil habitantes, sujeitos a todo tipo de influência dos vizinhos peruanos e colombianos. O exemplo mais visível da ausência do estado está nas ruas.

A cidade tem uma motocicleta para cada dois dos 25 mil moradores da zona urbana (8 mil são índios e os demais vivem na zona rural). Diante da falta de estatísticas, a prefeitura calcula em pouco mais de 10 mil o número de motos. A maioria, algo em torno de 90%, nunca foi emplacada, não recolhe impostos, não tem, portanto, o seguro obrigatório. A razão é tão simples quanto assustadora: não há escritório do Departamento de Trânsito em Tabatinga. As transgressões não param por aí. Apenas militares andam com o capacete, ainda assim por imposição do comando.

Os dois semáforos, ambos na Avenida da Amizade, estão desligados por falta de serventia numa cidade onde não há o menor controle do trânsito. Não haveria meios de punir tantas infrações? "Nem talão de multa nós temos", responde o sub-comandante da Polícia Militar, capitão Antonio Bezerra. Pelo menos outras 14 mil motocicletas colombianas cruzam todos os dias a linha imaginária que separa Tabatinga de sua cidade-gêmea Letícia.

O combustível que move isso tudo, e a parca frota de carro que não chega a 500 veículos, vem por meio de contrabando da Colômbia, trazida de avião de Bogotá ou de barco pelo rio Putumayo, que passa pela região controlada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Motoristas compram a gasolina exposta em garrafas pet sobre mesas na rua sem se dar conta que alimentam a indústria do contrabando, e, assim, atrofiam o comércio formal, como o posto que faliu em menos de seis meses de atividade.

O convívio diário com os negócios ilícitos – entre eles também o tráfico de drogas e a exploração sexual de crianças e adolescentes – parece fazer parte da cultura desse lugar esquecido nos recônditos da floresta amazônica. Estima-se que 90% dos habitantes de Tabatinga nunca saíram da cidade. Têm Letícia como referência e só conhecem o Brasil pelas antenas de tevê. (MK)

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