
Os cartórios do Paraná estão no olho do furacão. Ao anunciar, na semana passada, que 5,5 mil das 14,9 mil serventias extrajudiciais do Brasil têm problemas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) confirmou que a pior situação é a paranaense. A gravidade não está na quantidade de irregularidades, mas no modus operandi aplicado, que permitiu a perpetuação de famílias no comando de cartórios rentáveis e diversas permutas ilegais.
Mas como foi que o Paraná chegou nesse ponto? A resposta é: por meio da atuação conjunta do Tribunal de Justiça, da Assembleia Legislativa e do Executivo, que nos últimos 20 anos criaram várias leis estaduais com vícios constitucionais. A morosidade do Judiciário também ajuda a explicar a "novela" dos cartórios no Paraná: há duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) contra leis estaduais aguardando julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2004.
Serviço público
A atividade de cartório extrajudicial que envolve certidões, reconhecimento de firmas, autenticação de documentos e registros de imóveis, entre outros é uma delegação de serviço público, a qual deve ser provida por meio de concurso. Essa regra já era mencionada em 1982, com a Emenda Constitucional n.º 22. Mas foi a Constituição de 1988 que determinou a exigência da prova para o provimento ou remoção. A permuta (quando dois titulares trocam um com o outro uma serventia) nunca esteve prevista em lei federal.
Aqui pode
Apesar de a Carta Magna só prever a possibilidade de ingresso ou remoção por meio de concurso público, leis paranaenses permitiam a permuta desde 1980. Em 1998, dez anos após a promulgação da Constituição, a Lei nº 12.358/98 manteve essa possibilidade ela foi alvo de uma Adin proposta pelo Conselho Federal da OAB anos depois, a qual acabou prejudicada após a revogação da norma questionada.
Em 2003, o novo Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado ainda permitia a permuta. O anteprojeto de lei, enviado pelo TJ e aprovado pela Assembleia, previa outra inconstitucionalidade: a possibilidade de um agente que estivesse em uma delegação diferente daquela para qual prestou concurso permanecer no posto, desde que comprovasse a baixa rentabilidade da serventia original e tivesse dois anos de exercício.
Na época, deputados estaduais como Tadeu Veneri (PT) e José Maria Ferreira (PMDB) questionaram o texto. O então governador, Roberto Requião (PMDB), vetou o polêmico artigo 299. Mas essa atitude de nada adiantou: em março de 2004, o Legislativo derrubou o veto do peemedebista. A Casa era comandada por Hermas Brandão, que tinha ligação com a atividade notarial.
A reação contra a Assembleia foi forte. Em junho de 2004, a Procuradoria-Geral da República ingressou com uma Adin (nº 3.248) no STF contra a lei. No mês seguinte, foi a vez da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) apresentar a Adin nº 3.253. As duas tinham pedido de liminar, para sustar imediatamente a lei, mas nem isso foi julgado. Atualmente, as duas ações estão nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski.
Por isso, para embasar a decisão de declarar a vacância de cerca de 350 serventias paranaenses, o CNJ cita outras Adins envolvendo leis de outros estados que já foram julgadas e aceitas pelo Supremo (417, 363 e 4.140).
"Essa demora do Poder Judiciário é muito prejudicial. O STF recebeu uma carga extraordinária de processos nos últimos anos, mas isso deveria ser enfrentado mais rapidamente", observa o presidente da OAB Paraná, José Lucio Glomb. Independentemente da morosidade judicial, Glomb diz que o CNJ agiu certo ao declarar a vacância dos cartórios. "As várias leis estaduais têm vícios de ilegalidades. A Constituição é a ordem maior de todas as leis, e ela exigia concurso desde 1988", ressaltou.




