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“Por que se manda tanto dinheiro para entidades que não têm nem mesmo um site, que ninguém conhece? Por que não escolher entidades que têm 20, 30 anos, e que são reconhecidas?” | Divulgação
“Por que se manda tanto dinheiro para entidades que não têm nem mesmo um site, que ninguém conhece? Por que não escolher entidades que têm 20, 30 anos, e que são reconhecidas?”| Foto: Divulgação

A onda de escândalos envolvendo organizações não governamentais (ONGs) e o governo federal voltou a levantar suspeitas sobre a ação das entidades não lucrativas. No caso recente mais célebre, ONGs foram contratadas pelo Ministério do Turismo para fazer serviços que não eram sua especialidade. No caso do Amapá, 36 pessoas foram detidas por suspeita de irregularidades durante a Operação Voucher, da Polícia Federal.

Em entrevista à Gazeta do Povo, a diretora-executiva da Abong, Vera Masagão, afirma que o problema não está nas ONGs sérias, que teriam dificuldade para acessar recursos públicos. O problema está na possibilidade de gestores públicos re­­passarem verbas para instituições desconhecidas, que muitas vezes são meras fachadas. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

A legislação das ONGs é permissiva demais?

A flexibilidade não está na legislação das ONGs, mas no esquema que os gestores têm de passar dinheiro de forma não transparente. Existem controles. Quan­­do se faz a coisa por meio de editais públicos, com entidades reconhecidas, não acontecem falcatruas. O problema são as organizações de fachada. Não é um problema das ONGs: é um problema de regulação do Estado.

O controle ainda é frágil?

Existem vários controles. Não são os melhores, tanto que continuam existindo casos de corrupção. Às vezes temos controles burocráticos que até dificultam os projetos. Mas os bons controles a gente não tem. Deveríamos ter critérios para esclarecer como são escolhidas as organizações. A Abong defende que a escolha seja feita por meio de editais. E os repasses também não poderiam ser feitos por convênios. É preciso ter um novo meio. O convênio foi criado para transferência de verbas entre governos.

Como isso poderia ser resolvido?

A gente precisa de uma visão mais clara para diferenciar o que é esse campo não governamental, não lucrativo. Essa definição engloba de tudo: universidades, hospitais, uma pequena associação de trabalhadores rurais, um grupo de economia solidária... Tudo isso tem a mesma figura jurídica, o que é um absurdo. Cada uma dessas organizações precisaria ter um tratamento especial. Outra coisa que precisa mudar é a visão que a sociedade brasileira tem do setor: o que se imagina sempre é uma entidade filantrópica, que presta algum serviço. Mas as organizações de que o Brasil mais precisa não são de atendimento direto. Até porque a gente acha que isso o Estado tem que fazer. Mas precisamos dessas entidades que fazem estudos, participam de conselhos, entidades que fazem o controle social das políticas públicas. Foi em função do trabalho de organizações desse tipo que surgiu a Lei da Ficha Limpa, por exemplo.

A senhora defende o uso de editais, para contratação de longo prazo, ao invés de licitações para casos pontuais. Por quê?

Nem sempre é possível fazer editais. Às vezes por algum motivo, para contratar um serviço de emergência, pode ser feita uma licitação. Mas no caso de uma aposta do poder público de fortalecer a sociedade civil para fazer controle das políticas públicas, para desenvolver projetos inovadores, aí sim você tem uma parceria que deveria ser feita principalmente por meio de editais. É a forma mais transparente. Pelo menos no governo federal a gente avançou bastante: está tudo publicado no Portal da Transpa­rência. As denúncias saem porque está tudo publicado. O controle posterior, portanto, existe. O que precisaria era punir essas pessoas. Por que se manda tanto dinheiro para entidades que não têm nem mesmo um site, que ninguém conhece? Por que não escolher entidades que têm 20, 30 anos, e que são reconhecidas?

A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, disse que o governo deveria contratar apenas ONGs que existam há mais de cinco anos. A senhora concorda?

Eu pessoalmente concordo com essa posição. Mas é preciso fazer uma diferenciação. Se você vai dar R$ 10 mil para uma política que apoia grupos de jovens na periferia, o controle pode ser mínimo. Basta acompanhar os resultados do que os meninos conseguiram fazer. Mas para dar R$ 20 milhões, como aconteceu em alguns casos, precisa ser alguém que tenha muita experiência, muita história, um orçamento grande, que tenha uma clara capacidade de gerir esse recurso. Tem que ser uma organização condizente com esse tamanho de financiamento. Esses são critérios de bom senso, mas que não são utilizados.

Como evitar que ONGs que não são especializadas na área de interesse do contrato ganhem a licitação?

Isso também ocorre e seria facilmente corrigível. Porque existem organizações sérias, de experiência comprovada, que poderiam receber essas verbas. A gente quer saber por que o dinheiro não vai para elas e vai para outras. Esse não é um problema das ONGs sérias, que estão à míngua. Aliás, as ONGs sérias às vezes nem conseguem angariar recursos devido a essa onda de criminalização.

Por que diminuiu o financiamento internacional das ONGs brasileiras?

Esse é um problema estrutural. Entidades sérias que contavam com cooperação internacional há décadas estão perdendo esse apoio. Os grupos que faziam esse financiamento estão saindo, estão mudando o seu perfil. Até porque o Brasil se projetou tanto internacionalmente que existe uma expectativa de que o Brasil é que passe a contribuir com outros países. O que a Abong pode fazer para ajudar a resolver esses problemas?

Do ponto de vista de nossas associadas, é ampliar a transparência e a capacidade de comunicar o que elas fazem para a sociedade. E do ponto de vista de relação com o Estado, é conseguir uma legislação mais favorável. E não é só a legislação, são políticas também. O Estado democrático tem de reconhecer que ele precisa de uma sociedade organizada, atuante e crítica.

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