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Aprovação e execução do orçamento |
Aprovação e execução do orçamento| Foto:

A crise econômica mundial e a perspectiva de queda da arrecadação obrigaram o governo federal a anunciar, na última terça-feira, um bloqueio preventivo de R$ 37,2 bilhões previstos no Orçamento da União de 2009 – dos quais R$ 22,6 bilhões destinados ao custeio da máquina pública e R$ 14,6 bilhões para investimentos em obras ou compra de equipamentos. A suspensão de obras contempladas no Orçamento, aliás, tem sido uma prática corriqueira na administração federal. No ano passado, a União não gastou R$ 11,5 bilhões do Orçamento previsto para obras – o que representa quase um quarto dos investimentos (24%).

O levantamento da execução orçamentária do governo federal em 2008 foi feito pela organização não-governamental Contas Abertas a pedido da Gazeta do Povo. A ONG, que fiscaliza a aplicação dos recursos públicos federais, tem acesso aos dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), do governo.

Os R$ 11,5 bilhões para obras tinham destino certo de acordo com a lei orçamentária de 2008, mas simplesmente "sumiram". Ou seja: não foram gastos no ano passado nem serão em 2009. Há polêmicas calorosas sobre as razões que levam o governo a não investir tudo o que planeja e aonde, afinal, vão parar esses recursos.

Remanejamentos

O Ministério do Planejamento, por meio da assessoria de imprensa, informa que o Orçamento é tão somente uma previsão de gastos que não necessariamente tem de ser cumprida, pois a lei orçamentária é autorizativa e não impositiva. O cumprimento do Orçamento, segundo o ministério, depende da arrecadação de impostos. No ano passado, o decreto que estimou a receita previa R$ 38,5 bilhões para obras: foram gastos R$ 36,6 bilhões e o restante, R$ 1,9 bilhão, seria remanejado para outros gastos: abertura de crédito para a realização de novas despesas ou abatimento de dívidas (ou seja, parte do valor previsto para obras pode virar dinheiro para pagar dívidas).

Além disso, segundo explica o Planejamento, o governo costuma enviar ao Congresso uma proposta de lei orçamentária com menos gastos previstos do que acaba sendo aprovado por deputados e senadores. O projeto de Orçamento elaborado pela União para 2009, por exemplo, previa gastos de R$ 30,2 bilhões. Mas os congressistas incluíram mais R$ 17,6 bilhões em emendas.

Moeda de troca

O problema é que o presidente Lula poderia vetar as emendas e tornar o Orçamento mais próximo da realidade. Mas não o fez. A Gazeta do Povo questionou o Ministério do Planejamento sobre as razões que levaram o governo a não vetá-las. A resposta foi a de que isso faz parte do processo democrático.

Mas técnicos da Comissão Mista do Orçamento do Congresso Nacional, que pediram para não ser identificados, afirmaram à reportagem que um possível veto às emendas dos deputados e senadores poderia causar problemas políticos no Congresso, com efeitos negativos à base de sustentação. Ou seja, as emendas acabam sendo moeda de troca política do governo.

Parlamentares costumam pressionar o presidente a destinar dinheiro para as emendas propostas por eles para que consigam cumprir o que prometeram aos eleitores. "É o grande problema da gestão pública. Mistura-se administração com política para se conseguir apoio político no futuro", comenta o professor de Orçamento Pedro Leão Bispo, que trabalha na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Otimista exagerado

A Consultoria da Comissão Mista de Orçamento do Congresso explica que há ainda outros motivos técnicos que levam o governo a não gastar uma parcela significativa do Orçamento em obras. De modo geral, na avaliação dos técnicos da comissão, o governo tem estimado a receita de uma maneira muito otimista.

Além disso, quando ocorre a necessidade de se fazer cortes, uma das primeiras áreas afetadas são as obras, pois é mais difícil conter gastos com salários, por exemplo. Só para se ter uma ideia, estavam previstos R$ 146 bilhões para o pagamento do pessoal no ano passado. Foram gastos R$ 144 bilhões, ou seja, 99% da previsão orçamentária.

Nos gastos de custeio, a situação é semelhante: o Orçamento para o pagamento de despesas com água, conta de luz, telefone e compra de materiais de limpeza, por exemplo, era de R$ 489 bilhões em 2008. E foram gastos R$ 478 bilhões (98% do previsto).

"Até 2007, a estimativa positiva não foi um problema porque a arrecadação das receitas estava forte. Com a crise, porém, o governo teve de cortar gastos para conseguir manter o superávit. Para não fechar no vermelho, reduziu o dinheiro que iria para a área de investimentos para ficar guardado no Tesouro", explica um consultor que pediu para não ter o nome divulgado.

Má gestão ou necessidade?

Para alguns especialistas, não cumprir o Orçamento é indício de má gestão. "Se o valor foi previsto na receita, por que não foi usado para aquele fim?", questiona o professor Pedro Leão Bispo, da FGV.

Bispo lembra que o governo pode, no início de um mandato, superestimar uma receita e depois não conseguir cumprir as despesas previstas porque não houve a arrecadação necessária de impostos e taxas, seja por causa de uma crise ou por sonegação dos contribuintes. A questão, porém, segundo ele, é que o governo Lula está há mais de quatro anos no poder e, por isso, deveria ter mais eficiência na gestão do Orçamento.

Para o economista e professor da Universidade de Brasília Roberto Piscitelli, do modo como está, o Orçamento parece mais uma "peça de ficção". "Se o governo não se sente obrigado a realizar o fixado no orçamento, então não há compromisso. Passa-se meses discutindo a peça orçamentária e, depois, fica o dito pelo não dito. É um vício que precisa ser combatido", afirma Piscitelli.

Mas outros especialistas concordam com o remanejamento ou a reserva de uma determinada quantia em dinheiro, pois essa seria a única maneira de o governo poder se defender de uma crise inesperada ou de um gasto não previsto – como as enchentes em Santa Catarina no ano passado, que obrigaram a União a liberar recursos para atender os atingidos.

"O Orçamento não vincula o gasto. Ele tem um conceito de planejamento, de ser um guia", afirma o advogado Fernando Augusto Knoerr, especialista em finanças públicas. "Se tiver de ser seguido à risca, perde a função de Orçamento para virar um dado financeiro a ser cumprido na íntegra."

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