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Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria dos Direitos Humanos: “País tem que aprender a punir a tortura.” | Wilson Dias/ABr
Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria dos Direitos Humanos: “País tem que aprender a punir a tortura.”| Foto: Wilson Dias/ABr

Guerrilha do Araguaia

Corte da OEA julgará perdão a torturadores

Agência Estado

Rio de Janeiro - A Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada em San José, na Costa Rica, entrará em maio na fase final do julgamento da ação que poderá condenar internacionalmente o Brasil a não mais usar a Lei da Anistia como argumento para isentar de punição acusados de crimes contra a Humanidade cometidos na ditadura de 1964-1985. Caso a sentença se confirme, a decisão será oposta ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que na quinta-feira decidiu pela manutenção da Lei da Anistia.

A ação pede a responsabilização do Estado brasileiro por violações na repressão à Guerrilha do Araguaia. Em até sete meses sairá a sentença do tribunal, que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA). A decisão poderá declarar que o Brasil, ao não punir os delitos, infringe tratados internacionais , além de ordenar que o país resolva a situação.

"O Estado brasileiro teve tempo suficiente e oportunidade formal agora, com o julgamento do STF, de mudar essa situação, mas decidiu permanecer inadequado às obrigações internacionais que assumiu", disse a diretora no Brasil da organização não governamental Centro pela Justiça e Direito Internacional (CJIL), Beatriz Afonso.

A ONG é uma das autoras da petição que originou o processo, com o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM-RJ) e Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo. Oficialmente, os argumentos das partes são desconhecidos em detalhes, porque o processo corre em sigilo. Na audiência, serão ouvidos testemunhas, peritos e vítimas indiretas (familiares) e as partes farão as alegações verbais finais.

A decisão do Supremo Tribunal Federal de manter o texto da Lei da Anistia, que garante o perdão a agentes do Estado que cometeram tortura durante o regime militar, não foi bem recebida por instituições internacionais. A cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) e a ONG Anistia Internacio­­nal, que luta pela defesa dos direitos humanos, atacaram ontem o julgamento do Supremo.

Na quinta-feira, o STF decidiu, por 7 votos a 2, rejeitar uma ação impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pedia uma revisão da lei de 1979.

"Há um consenso entre os órgãos da ONU de que não se deve apoiar ou mesmo proteger leis de anistia. Com a decisão tomada pelo Supremo brasileiro, o país está indo na direção contrária à tendência latino-americana de julgar seus torturadores e o consenso na ONU de lutar contra a impunidade", afirmou o equatoriano Luis Gallegos Chiriboga, integrante do Comitê contra a Tortura da ONU – formado por juristas de reconhecimento internacional de vá­­­rios países. Ele lembrou ainda que não há prescrição para os crimes de tortura. "Sociedades que decidem manter essas leis de anistia estão deixando torturadores imunes à Justiça que tanto se necessita para superar traumas passados", disse.

A Anistia Internacional divulgou nota em que compara o Brasil aos seus vizinhos latino-americanos. "Diferente de Argentina, Bolívia, Chile, Peru e Uruguai, o Brasil não levou à Justiça os acusados de violar os direitos humanos durante a ditadura militar", ressalta.

Sob o título "Corte brasileira preserva lei que protege torturadores", o texto da nota divulgada ontem avalia a iniciativa do STF como "uma afronta à memória de milhares de pessoas mortas, torturadas e estupradas" e ressalta que as vítimas da ditadura militar e seus familiares tiveram "novamente o acesso à reparação, verdade e justiça negado". O chefe de estudos da Anistia Internacional no Brasil, Tim Cahill, afirma na nota que o STF "deu chancela" ao indulto conferido no governo militar "àqueles que cometeram crimes contra a humanidade".

Impunidade

A principal autoridade das Nações Unidas para direitos humanos, a sul-africana Navi Pillay, criticou o comportamento do STF e pediu o fim da impunidade no Brasil. "Essa decisão é muito ruim. Não queremos impunidade e sempre lutaremos contra leis que proíbem investigações e punições", disse a alta comissária da ONU para Direitos Humanos.

No ano passado, durante sua primeira visita ao Brasil, Pillay já havia alertado que o país precisava "lidar com seu passado". Há dois meses, em um encontro com o ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, voltou a falar do assunto em Genebra, dando apoio a iniciativas que levassem a um fortalecimento da ideia de acabar com a Lei da Anistia.

Outro perito do Comitê contra a Tortura da ONU, o senegalês Abdoulaye Gaye, também mostrou sua indignação. "Não há justificativa para manter uma lei de anistia. Se uma Justiça decide mantê-la, isso é um sinal de que não quer lidar com o problema da impunidade", afirmou. Na ONU, cresce a pressão para que leis de anistia sejam abolidas em todo o mundo. Há poucos meses, a entidade recomendou à Espanha que julgasse finalmente os crimes cometidos na Guerra Civil.

Sobre o Brasil, o tema da anistia está na agenda da ONU há uma década. Em 2001, um comitê da ONU sugeriu pela primeira vez ao governo brasileiro que reavaliasse sua lei de anistia. Os peritos já deixaram claro que o Brasil não conseguiria esclarecer seus problemas em relação à tortura e superar a impunidade se não lidasse com seu passado. O Co­­mitê Contra a Tortura da ONU ainda recomendou, em seu último relatório, do início de 2008, que o Brasil lidasse com seu passado e abolisse a lei.

Governo

A decisão do Supremo também recebeu críticas do ministro Paulo Vannuchi, que considerou "lamentável" o julgamento. Para o ministro, "o país tem que aprender a punir a tortura".

Indagado pela reportagem sobre o fato de o país evitar punições –embora condene a prática da tortura –, Vanucchi disse que a decisão do STF poderá influenciar até o presente. "O problema da nossa luta contra a tortura é a tradição de que o crime, no passado, não foi punido. Então, os membros do Judiciário têm enorme dificuldade de punir a tortura até hoje", comentou.

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