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Lula chega ao 8 º ano do seu governo como o presidente mais popular desde a reabertura democrática do país | Bruno Domingues/Reuters
Lula chega ao 8 º ano do seu governo como o presidente mais popular desde a reabertura democrática do país| Foto: Bruno Domingues/Reuters

De metalúrgico a presidente boa-praça

Luciana Romagnolli

O filme Lula, o filho do Brasil faz um recorte específico da trajetória do presidente: acompanha-o desde o nascimento em uma casa pobre do interior pernambucano até o auge da luta sindicalista, quando seu discurso é aclamado durante a reunião que concentrou milhares de trabalhadores em um estádio do ABC Paulista, e a consequente prisão pelo Dops. Trata-se do período menos questionável de sua biografia.

Nesse intervalo de 35 anos (1945-1980), constrói-se o mito do herói: aquele que venceu um destino trágico determinado pela escassez material, a ignorância paterna, um acidente de trabalho em que perde o dedo mindinho e a viuvez prematura, para encontrar, enfim, um sentido para a própria vida na luta pelo direito dos trabalhadores. Para o diretor Fábio Barreto (internado em estado grave após sofrer um acidente de trânsito dia 19 de dezembro), conforme declarou em novembro ao lançar o filme no Festival de Brasília, essa é a história da "teimosia" de um cidadão brasileiro que por não sucumbir às derrotas alcançou o comando do país.

Os fatos retratados são verídicos e comprovam a impressionante ascensão de um "homem do povo". É importante ter consciência, contudo, das escolhas feitas ao contá-los. Antes de tudo, a opção assumida por uma linguagem melodramática, engendrada para atingir menos a razão do que a emoção, em um desce-e-sobe permanente entre situações de crise e superação: a saga do herói.

Sobretudo, não se deve perder de vista as omissões de um roteiro que nunca desabona o personagem ou revela suas contradições. Exemplo de silêncio: não há qualquer referência à filha Lurian e sua mãe Miriam Cordeiro, caso que provocou polêmica na campanha presidencial de 1989, quando o petista perdeu para Fernando Collor de Mello. Segundo a produção do filme, a ex-namorada de Lula vetou as cenas que faziam menção a ela e à filha.

É mais difícil justificar a escolha de inserir um epílogo à obra, que chega às telas em 1.º de janeiro de um ano de corrida eleitoral com a maior rede de exibição de uma produção brasileira (500 salas, incluídas as mais populares). Do líder sindical dos anos 1980, ainda sem intenções partidárias manifestas, o filme salta para imagens documentais da posse de Lula – como se fosse, ainda, exatamente o mesmo homem. Oculta, nessa transição direta, todas as transformações sofridas ao longo de duas décadas de carreira política, marcadas por eleições perdidas, revisão de princípios e alianças providenciais, sem as quais não teria alcançado o cargo atual.

Filho de uma família de retirantes nordestinos que migrou para o Sul em busca de uma vida melhor, Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu o que pareceria impossível para alguém de sua origem. Tornou-se o presidente mais popular do país desde a abertura militar. Chega ao oitavo ano de mandato com um nível de aprovação girando em torno de 70% e ainda alcançou reconhecimento internacional. Fora do Brasil, Lula coleciona títulos. Na última semana, o britânico Financial Times o incluiu na lista das 50 personalidades que ajudaram a moldar a década, e o francês Le Monde o escolheu como o homem do ano.

A popularidade é tanta que há quem acredite que Lula voltará em 2014 para a Presidência, assim como Getúlio Vargas voltou em 1951, após 15 anos no poder e seis longe do comando do país. E da mesma forma como acontece com Getúlio, Lula já é considerado um mito político. Mas ainda é cedo para dizer que o presidente dividirá o espaço na história já ocupado por Getúlio e Juscelino Kubitschek. Mitos da política brasileira que ocuparam a Presidência e que, vez ou outra, são lembrados por Lula em seus discursos – e com os quais ele gosta de se comparar.

"Ainda existem armadilhas. É preciso saber se a construção desse mito resistirá a uma possível derrota para a oposição e às críticas que virão à sua gestão", avalia o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Villa lembra que o mito Lula foi construído em vida e que ainda corre o risco de ser destruído.

Por enquanto, o certo mesmo é que Lula se tornou um ídolo. Na última pesquisa Datafolha, divulgada em 21 de dezembro, Lula alcançou um índice de aprovação de 72%. O maior já obtido por um presidente desde que o instituto iniciou as pesquisas de popularidade em 1990. "Acho um pouco arriscado dizer que ele é um mito. Mas é claro que Lula tem características muito particulares como presidente e já possui um lugar reservado na história do país", comenta o professor Afonso de Albuquerque, do curso de Estudos da Mídia, da Universidade Federal Fluminense.

A principal dessas características é também o ponto de partida para a popularidade de Lula e para a construção do mito. A origem social do presidente, distinta de todos os que o antecederam. "Há uma questão de identificação com o presidente. Com a forma como ele fala o português e até um jeito um pouco desastrado de se expressar. Suas virtudes e seus defeitos são também das classes mais populares e por isso é tão difícil criticá-lo", diz Albu­­­quer­que.

Sorte

Lula também conta com a sorte para se manter popular. Durante seu governo, foram seis anos de um cenário econômico internacional positivo e a crise que ameaçava quebrar o bom momento do Brasil foi menos tenebrosa do que ameaçava. "As reformas realizadas pelo governo anterior, a manutenção da política econômica e uma conjuntura favorável nos últimos seis anos ajudaram muito", afirma Marco Antonio Villa.

O historiador enxerga no fim do período militar como o momento do início da construção do mito Lula. "Ele aparaceu na estrutura sindical, no fim do período militar, como um elemento que poderia superar aquela velha ordem."

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