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Brasília – "A nossa Câmara dos Deputados, em Brasília, é a única no planeta cujos integrantes não se sentam no plenário a debater ou discutir, analisar ou ponderar, expor e replicar. Ao contrário, os poucos deputados presentes parecem estar a passeio ou de passagem rápida, sempre de pé pelo corredor, num tumulto permanente que leva a perguntar: é possível legislar ou pensar sobre os destinos do país num ambiente assim?" A frase do jornalista Flávio Tavares, no livro "O dia em que Getúlio matou Allende", traduz com precisão a sensação que se tem ao andar pelos corredores do Congresso Nacional.

Neste mês de julho, a percepção de que os destinos do país são decididos em conversas ao pé do ouvido nos corredores do poder se intensificou, já que boa parte dos parlamentares não sabe ao certo se deveria ou não estar ali. Para não interromper os trabalhos da CPI dos Correios, a oposição conseguiu obstruir a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), sem a qual a Constituição não permite o recesso parlamentar no mês de julho. Entretanto, muitos parlamentares já se autodispensaram dos trabalhos em julho e desapareceram de Brasília. Tanto que nenhum dos 30 projetos colocados na pauta da Câmara esta semana conseguiu quorum para ser votado.

Com os plenários esvaziados, todas as atenções se voltam para uma pequena sala na ala Nilo Coelho do Senado, onde ocorrem as reuniões da CPI dos Correios. É nesse corredor que a imprensa se concentra à espera de um deputado ou senador para ouvir suas declarações sobre os acontecimentos do dia. As entrevistas ocorrem em três fases: na primeira, sob os holofotes das câmeras de tevê, os microfones gravam as declarações "oficiais", sempre leves e pouco comprometedoras. Na segunda, destinada principalmente aos jornais impressos, os parlamentares já arriscam uma insinuação ou um comentário mais maldoso. Mas é na terceira fase, geralmente individual, é que os parlamentares apostam as fichas, passando informações "em off", sempre buscando orientar as análises políticas.

Essa relação constante com os repórteres mudou a vida do relator da CPI, o deputado paranaense Osmar Serraglio. "Sou deputado há seis anos e é a primeira vez que participo de uma coletiva de imprensa", brincou quando esteve em Curitiba nessa sexta-feira. O perfil discreto e obstinado do deputado da região de Umuarama, combinado à postura diplomática do presidente da comissão, Delcídio Amaral, está sendo fundamental para o avanço das investigações. "Não dá para aplicar a lógica das pessoas normais aos políticos", diz Serraglio. "Dos 15 minutos que têm para fazer perguntas, usam 14 minutos e 30 segundos para falar de si mesmo e apenas 30 segundos para fazer uma pergunta que, em geral, já foi feita por outro membro da comissão". Às vezes, a estratégica frase "para concluir, senhor presidente" garante preciosos segundos a mais.

A transmissão das reuniões pela TV Senado dificulta ainda mais o trabalho da comissão, principalmente nos depoimentos mais "concorridos", como o do publicitário Marcos Valério de Sousa e da ex-secretária Fernanda Karina Sommagio. Cientes de que estão sendo ouvidos fora daquela sala, muitos parlamentares se preocupam mais em fazer uma pergunta de efeito do que realmente em obter uma informação importante do depoente. Não raro, e com as justas exceções, ao invés de prestar atenção nas argüições dos colegas, os integrantes da "bancada do flash", como caracteriza do relator, quando não estão com a palavra, permanecem conversando entre si, falando no celular ou mesmo aproveitam para sair ao corredor para uma declaração à imprensa. É a caricatura perfeita do diálogo entre o surdo e o prolixo, descrito pelo pensador francês Edgar Morin em "O espírito do tempo".

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