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| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

Efeitos da polarização

Líderes moderados estão em extinção

O processo brasileiro de redemocratização, nos anos 1980, foi conduzido por uma linhagem de políticos moderados, liderados por nomes como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Ambos acumularam prestígio ao transitar entre partidos de diferentes visões ideológicas, entre governo e oposição. Políticos desse perfil foram perdendo força a partir da polarização entre PT e PSDB e a consolidação do atual modelo de presidencialismo de coalizão.

"Hoje você tem um centro político que virou um grande espaço de fisiologia, que não atua mais politicamente", diz o cientista político Carlos Melo. Professor de Ética e Filosofia, Elvis Cenci avalia que os partidos historicamente de centro, como o PMDB, perderam legitimidade ao preferirem brigar por "nacos de poder", como cargos do segundo escalão, em vez de trabalhar com projetos políticos próprios.

"Vivemos uma carência de lideranças que tenham o respeito de todos os partidos e da sociedade. Hoje, a preponderância é de líderes que são justamente questionados por todos os lados, como José Sarney e Renan Calheiros", afirma Cenci. Tanto ele quanto Melo não enxergam no atual quadro político nacional qualquer nome reconhecido pela moderação, capaz de buscar consensos.

O filósofo e advogado Antonio Celso Mendes vai além e diz que em todo mundo há uma escassez de grandes líderes. "Quando vemos a sociedade, como um todo, tão impressionada com algumas ações do novo papa, é porque estão faltando lideranças leigas", afirma.

  • Dilma durante discurso em comemoração aos 34 anos do PT, no último dia 10. Candidata tem 47% das intenções de votos
  • Meritíssimos em atrito: O presidente do STF, Joaquim Barbosa (foto acima), revoga no dia 11 a decisão de Ricardo Lewandowski sobre análise de pedido do ex-ministro José Dirceu para trabalhar. Ministros dizem que clima no tribunal está
  • Fúria sem-terra: Integrantes do MST reunidos em Brasília para congresso do movimento tentam invadir a sede do STF, no dia 12. No mesmo dia, os sem-terra entram em confronto com a Polícia Militar na frente do Palácio do Planalto. Pelo menos 30 policiais saem feridos
  • Bando de loucos: Cerca de 100 torcedores do Corinthians invadem o centro de treinamentos do clube, no dia 1º, provocando cenas de depredação e intimidando jogadores. Eles protestavam contra os maus resultados do time, que há pouco mais de um ano o time havia sido campeão mundial
  • Mártir do radicalismo: O cinegrafista Santiago Andrade (foto acima) é atingido na cabeça por um rojão disparado por manifestantes, enquanto cobria protesto contra aumento da passagem de ônibus no Rio, dia 6. O ferimento provoca a morte dele quatro dias depois. É o caso mais trágico da radicalização nas ruas e na política que marca este mês de fevereiro

A onda de calor que marcou o início de 2014 no Brasil transbordou para as ruas e para o debate político. Da morte do cinegrafista Santiago Andrade à escalada de tensão entre governo e oposição, o radicalismo dita os acontecimentos de um ano pontuado pela Copa do Mundo e pelas eleições. E, se depender do tom dos principais líderes políticos do país, nada indica que a temperatura vai baixar.

Confira alguns acontecimentos deste mês que revelam a crescente radicalização nas ruas e na política

Advogado, filósofo e membro da Academia Paranaense de Letras, Antonio Celso Mendes fala em uma "crise generalizada de valores". "O Brasil nunca teve uma formação contínua no sentido de definir quais são seus próprios valores – sejam os democráticos, os de equilíbrio social ou de respeito à vida. Tudo isso gerou essa dificuldade de convivência coletiva que vivemos hoje", diz Mendes.

"A morte do cinegrafista não é o começo de um processo, mas o coroamento de uma fase de radicalismo que vem progredindo há alguns anos", avalia o cientista político Carlos Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa Insper, de São Paulo. Para ele, a situação é fruto de um enfraquecimento das lideranças e instituições políticas. "Quando você não tem política, você tem porrada", diz Melo – citando a política com P maíusculo, entendida como a arte da convivência coletiva.

A política, porém, está sendo ela própria fonte de posições extremadas. E, agora, da suspeita de incentivar a violência nas ruas. Partidos de esquerda, PSol e PSTU, são acusados de financiar protestos no Rio de Janeiro, como o que resultou na morte do cinegrafista.

Destempero verbal

No âmbito partidário, o fortalecimento da polarização entre PT e PSDB também colabora para o clima de intolerância. O cientista político da Universidade de Brasília Antonio Flávio Testa diz que essa polarização fragilizou o debate de ideias. E a troca de farpas e o destempero verbal têm sido corriqueiros.Em discurso durante ato pela comemoração dos 34 anos do PT, a presidente Dilma Rousseff usou o termo "cara de pau" para se referir à oposição. Em resposta, o pré-candidato do PSDB à Presidência, senador Aécio Neves (MG), disse que o PT está "à beira de um ataque de nervos" e falou que as colocações de Dilma remetem "aos mais gloriosos tempos dos aloprados".No Paraná, o governador Beto Richa (PSDB) e sua principal adversária na eleição de outubro, a ex-ministra e senadora Gleisi Hoffmann (PT), ampliaram a troca acusações sobre os problemas financeiros do estado. A petista fala em má gestão, enquanto o tucano reclama da demora na liberação de empréstimos que precisam do aval da União. Professor de Ética e Fi­­­losofia Política da Univer­­sidade Estadual de Londrina, Elvis Cenci diz que há uma conjunção de fatores ligados ao calendário eleitoral. "Estamos justamente no momento em que os candidatos sobem o tom e marcam posição para atrair a atenção do eleitor e de possíveis aliados. Após as convenções e o começo da propaganda na tevê, a violência do debate tende a diminuir."

Nem a Justiça

Nem mesmo a Justiça escapou do clima quente. Na maior esfera judiciária do país, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, retomou as antigas rusgas com o ministro Ricardo Lewandowski. Numa das primeiras decisões do ano, Barbosa revogou uma decisão do colega que ordenava à Justiça Federal que analisasse o pedido do ex-ministro José Dirceu, condenado no julgamento do mensalão, para trabalhar fora da cadeia.

Mas o STF também foi vítima do extremismo. Na semana passada, integrantes do MST tentaram invadir a sede do Supremo, forçando a suspensão da sessão de julgamentos. Depois, os ­­­sem-terra ainda entraram em conflito com a polícia na frente do Palácio do Planalto.

Escalada do radicalismo

Você acha que a política tem alguma responsabilidade na radicalização por que passa o país?

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