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Para os paranaenses Isidoro Baçon, Theodoro da Silva Junior e Reinaldo Graunke, as imagens recentes de colonos judeus sendo retirados da Faixa de Gaza não são apenas notícias de uma região distante. Elas trazem lembranças dos tempos em que nem existiam colônias israelenses em território palestino. "Era um lugar muito pobre, miserável mesmo, cortava o coração da gente. Cheguei a ter de levar água a algumas comunidades", diz Silva. Eles estiveram no Oriente Médio nas décadas de 50 e 60, como membros da Força de Emergência das Nações Unidas (Unef, em inglês) – os famosos "boinas azuis".

Em 1956, o presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser, nacionalizou o Canal de Suez, construído e explorado por França e Inglaterra, ligação vital entre o Oceano Índico e o Mar Mediterrâneo. Nasser ainda proibiu a passagem de navios israelenses ou que se dirigiam ou vinham de Israel. Os três países afetados intervieram militarmente e, depois de pressão das grandes potências, se retiraram. A Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Unef para fiscalizar a fronteira entre Israel e Egito. Foi quando começou a aventura de Baçon, Silva e Graunke.

O Brasil se juntou a outros nove países. Cada um enviou cerca de 600 homens. Metade do efetivo era trocado a cada seis meses, o que dava aos militares uma média de um ano de permanência no Oriente Médio. No total, o Brasil enviou cerca de 6 mil homens para a região. Baçon, que foi para o Egito em 1958 e voltou no ano seguinte, se ofereceu quando o recrutamento chegou a Curitiba. "Eu me inspirei nos pracinhas, eles são nossos padrinhos", conta. Pouco antes do embarque, as notícias de que norte-americanos haviam saltado de pára-quedas no aeroporto de Beirute (Líbano) assustaram vários voluntários, que desistiram da empreitada. Silva diz que o desejo de aventura também o levou a entrar na Unef. "Mas a gente nunca quis ser herói", ressalta.

O deserto impressionou os boinas azuis. "A ficha só caiu quando desci do trem e vi aquele areião em Rafah. Achei que não ia agüentar", conta Silva. Muitos, de fato, não suportaram e tiveram problemas. "Um sargento jogava tijolos para cima e os parava com a cabeça", recorda Baçon. Nos momentos de depressão, Silva dormia ou praticava o árabe com os locais. "Do contrário eu ia ficar chorando ou olhando no calendário e pensando nos meses que ainda faltavam para voltar", explica.

Os brasileiros ganharam uma faixa da linha de armistício para vigiar. Silva fez mais de 100 patrulhas. Baçon estava na Companhia de Comando e Serviços, que prestava auxílio essencial no abastecimento de água, manutenção de veículos e outras atividades. Graunke esteve no Oriente Médio entre 1964 e 1965, e trabalhou no setor de comunicações. "Cuidava das linhas telefônicas, operava rádio e telefone. O duro era quando roubavam os cabos que ligavam os postos de observação", diz.

Silva diz nunca ter precisado apontar uma arma para ninguém no Egito. "Éramos respeitados pela nossa presença", recorda. Mas o território era de guerra, e Baçon recorda situações em que correu perigo. "Os jatos egípcios entravam no espaço aéreo de Israel e os aviões israelenses logo decolavam. Sobrava muita bala para a gente", lembra. Outro perigo eram as minas. Na retirada da Península do Sinai, os israelenses minavam o território que deixavam para trás – e os brasileiros estavam perto desses locais. Ao lado dos canadenses, procuravam e desativavam os explosivos.

Em um ano, os boinas azuis puderam compreender melhor os motivos do conflito árabe-israelense. "Tem religião, tem política, mas principalmente é uma luta pela terra. A ONU criou o Estado de Israel e os vizinhos não gostaram de perder terreno para os judeus", analisa Silva, que lamenta a sorte de muitos refugiados que viu à época: "Tanta gente boa, com diploma, mas que perdeu tudo na guerra. Acabaram abandonados".

A cada três meses de trabalho, os boinas azuis tinham uma semana de folga. Baçon se lembra de ter visto, em Gaza, o palácio que o herói bíblico Sansão derrubou. Já Silva realizou um sonho. "O Egito sempre me fascinou. Um dos meus livros de História na escola tinha na capa a foto da esfinge. Imagine como eu me senti quando a vi, ao vivo. Isso vale mais que 20 faculdades", conta o veterano, que ainda visitou Jerusalém e assistiu à Missa do Galo em Belém.

O fim da história da Unef, em 1967, teve contornos dramáticos. "O presidente Nasser, sentindo que o Egito já estava forte o suficiente para enfrentar Israel, pediu à ONU que retirasse suas tropas", conta Baçon. Os egípcios bloquearam um porto israelense e mobilizaram seu exército no Sinai, mas Israel atacou primeiro, começando a Guerra dos Seis Dias. Brasileiros e indianos foram pegos no fogo cruzado. Houve luta nas imediações do acampamento brasileiro, e um cabo foi morto. Silva, que já estava no Brasil quando o 20.º contingente se retirou, acredita que a Unef cumpriu sua missão. "Para evitar as grandes guerras, é preciso evitar as pequenas também. Até onde foi possível, mantivemos a paz naquela região", conclui.

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