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 | Jonathan Campos / Gazeta do Povo
| Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo

O sociólogo espanhol Daniel Tarragó acredita que, na política, uma decisão tomada em conjunto é mais eficiente e duradoura do que escolhas unilaterais. Tanto acredita nisso que estuda a democracia deliberativa e a participação cidadã e ajuda a implantar ferramentas para fomentá-las. Tarragó esteve em Curitiba para treinar gestores da prefeitura para que eles criem novas estratégias de participação com as características locais.

A democracia deliberativa exige que as escolhas do governo sejam feitas a partir de decisões tomadas em conjunto. Quais são as ferramentas usadas para que isso se efetive?

Quanto mais atores discutirem um problema, mais teremos probabilidade de resolvê-lo. Entender e impregnar a política disso é a democracia deliberativa e a participação cidadã. É preciso que cidadãos e gestores entendam que não podemos estar desconectados da política e que fazer política é bom. A gente vem falando de técnicas concretas de reuniões e fóruns, onde fazemos com que as pessoas deliberem sobre um tema. Para tudo que os cidadãos falam, é preciso dar uma resposta. Nunca vi um cidadão aborrecido porque alguém lhe diz que sua proposta não pode ser inteiramente levada em conta. Vejo cidadãos aborrecidos quando nunca mais sabem o que foi feito com sua sugestão. Nessa proposta, a gestão precisa responder, explicar o que é politicamente aceitável e o que não é; o que é tecnicamente viável e o que não é. E, sobretudo, o porquê disso.

O que a administração pública precisa fazer para que a participação seja efetiva. Quais são as ferramentas? A internet está entre elas?

Há muitas técnicas de deliberação. E também muitas formas de dinamizar os fóruns e debates para que possamos democratizar a fala. Desse modo, não vai falar apenas aquele que tem melhor lábia, que monopoliza o debate ou aqueles que têm mais tradição participativa. Devemos equilibrar o uso da palavra. Há as novas tecnologias e redes sociais. Eu não mitificaria essas ferramentas. Quando falamos sobre democracia deliberativa estamos falando, acima de tudo, sobre colocar em contato diferentes perspectivas. Nem sempre as novas tecnologias permitem isso.

Em Curitiba, algumas audiências públicas foram criticadas porque não havia tempo ou espaço para que todos falassem. A administração diz que há o risco de os assuntos serem discutidos sem fim. Como equilibrar essa equação?

Devemos entender que a política, em sua origem, deve decepcionar. Porque ela vai gerir uma situação social que está cercada de interesses divergentes; e a política deve se colocar acima desses interesses particulares e tomar decisões pelo bem da comunidade. Nunca uma decisão política pode satisfazer a todos os interesses. Por isso, quando falamos de participação cidadã, não falamos de dialogar até o infinito. Estamos falando de dialogar para tomar as decisões mais inteligentes possíveis.

Ainda sobre internet, alguns órgãos optam pelo humor ou por uma tentativa de humanizar a comunicação. É um bom caminho para a participação?

Toda intenção de aproximar a política do cidadão, sem que se banalize a política ou as instituições, me parece uma boa estratégia. Mas o primeiro passo para gerar confiança e participação é a transparência. Para isso as novas tecnologias são fantásticas.

A participação efetiva ainda é muito abstrata. O sr. pode dar um exemplo do que pode ser feito?

Há muitas técnicas. Imagine que há uma convocatória para falar sobre algum assunto. Urbanismo, digamos. E cem pessoas comparecem. Um jeito de efetivar a deliberação é distribuir essas pessoas em grupos de 30 e depois em outros grupos de cinco pessoas. Cada pequeno grupo deve entrar em consenso sobre os principais problemas e as principais propostas respectivas ao tema que está tratando. Cada grupo de cinco explica no grupo de 30 quais são suas conclusões e assim por diante. Porque o grupo de cinco pessoas chegará a um acordo. São pessoas diferentes que vão deliberar e juntas chegar a uma conclusão sobre o assunto. Nesse exercício, temos que juntar pessoas com perfis diferentes para que deliberem e cheguem a um acordo a respeito do que são as melhores opções urbanísticas para o bairro ou para a região, por exemplo. Não é uma fórmula mágica, mas um exercício.

Nessa tentativa, não se corre o risco de essas experiências serem esvaziadas? Muitas vezes as pessoas preferem ficar em casa fazendo as suas coisas a participar da vida pública.

Uma das coisas que mais se diz é que as pessoas não têm inquietudes suficientes para participar, que são sempre os mesmos ou que é pouca gente que participa. Quando falamos de participação cidadã, dizemos que se é uma minoria que participa não significa que é menos importante. Nesse tipo de modelo, não se trata de que participe muita gente, mas que exista alguma representação de discursos de toda a sociedade. Se participarem mil pessoas e todas pensam igual, não me serve de nada. Prefiro que participem 50, mas que pensem coisas distintas e sejam representativas das diferentes maneiras de ver as coisas na sociedade.

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