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Resgate

“Precisamos passar a ditadura a limpo”

Narciso Pires, do grupo Tortura Nunca Mais Paraná, lembra que o Brasil é o único país do Cone Sul que não esclareceu a atuação dos militares no período

Narciso Pires: “Vivemos a plenitude das leis democráticas, mas não vivemos a democracia plena” | Marco Lima/ Gazeta do Povo
Narciso Pires: “Vivemos a plenitude das leis democráticas, mas não vivemos a democracia plena” (Foto: Marco Lima/ Gazeta do Povo)
Teresa Urban:

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Teresa Urban:

A Comissão da Verdade não é uma unanimidade entre quem pede a investigação da atuação dos militares na ditadura. Durante a discussão do projeto na Câ­mara dos Deputados, parlamentares de esquerda como Luiza Erundina (PSB-SP) e a bancada do PSol criticaram o projeto do governo federal por ter poucos representantes, pouco tempo e pouco poder. Por outro lado, outros militantes contrários ao regime militar acreditam que o projeto pode servir para esclarecer esse período da história.

Para o presidente do gru­­po Tortura Nunca Mais Paraná e vítima da repressão, Narciso Pires, trata-se de uma questão urgente. "Precisamos passar a ditadura a limpo. O Brasil é o único país do Cone Sul que ainda não levantou essa questão", afirma. Na avaliação dele, ao manter o passado do país sob um manto de obscuridade, o estado brasileiro legitima a manutenção de práticas antidemocráticas e contrárias aos direitos humanos.

Um exemplo dado por Pires é a existência até hoje de tortura contra criminosos comuns. Como não houve uma punição ou uma admissão, a sociedade, de forma simbólica, legitima essa prática. Logo, ao afirmar a existência da tortura de forma definitiva na história oficial, o país daria um passo importante na consolidação da democracia. "Vivemos a plenitude das leis democráticas, mas não vivemos a democracia plena", diz. Pires cita, também, o sucesso de comissões semelhantes na Argentina, no Chile e na África do Sul.

Atraso

Já a jornalista Teresa Ur­ban, autora do livro 1968: Ditadura Abaixo, vê uma diferença clara entre as medidas tomadas nesses países e a queda da ditadura no Brasil. "As comissões da verdade que foram criadas na derrocada de regimes autoritários tiveram grande participação da sociedade, e aconteceram em um momento que os conflitos estavam muito vivos. O objetivo era reconstruir essas nações", comenta.

Para Teresa, que também foi vítima de tortura durante o regime militar, o processo brasileiro acontece tarde demais e em um formato "clean", com o objetivo limitado ao de contar a história – o que, para ela, trata-se de mera formalidade. Entretanto, em sua visão, a comissão serve para mostrar que a mentalidade autoritária ainda está presente de forma muito forte na sociedade. "Somos tão frágeis enquanto democracia que até uma comissão dessas incomoda os militares."

Feridas abertas

Uma das críticas feitas à Comissão da Verdade é de que ela "abriria feridas" que já teriam sido fechadas com o tempo. Pires e Teresa contestam a afirmação. "Os mortos e desaparecidos continuam mortos e desaparecidos, então essas feridas estão abertas. Elas sempre estiveram abertas", afirma Pires. "Quando o tempo passa, não significa que a ferida está cicatrizada, mas sim que ela foi absorvida. E isso não é nada bom", completa Teresa.

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