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Narciso Pires: “Vivemos a plenitude das leis democráticas, mas não vivemos a democracia plena” | Marco Lima/ Gazeta do Povo
Narciso Pires: “Vivemos a plenitude das leis democráticas, mas não vivemos a democracia plena”| Foto: Marco Lima/ Gazeta do Povo

No PR,dez mortos ou desaparecidos

Composto por representantes de 50 entidades, incluindo sindicatos, partidos políticos, universidades, movimentos sociais e os governos federal e estadual, o Fórum Paranaense pelo Resgate da Verdade, Memória e Justiça pretende auxiliar a Comissão Nacional da Verdade (CNV), colhendo depoimentos, realizando pesquisas históricas e promovendo o debate sobre o tema em todo o estado.

De acordo com o presidente do grupo Tortura Nunca Mais Paraná, Narciso Pires, é possível estimar que entre 25 mil e 30 mil pessoas foram perseguidas pela ditadura militar no estado. Desse grupo, 3 mil foram presas e dez foram assassinadas ou estão desaparecidas. Além disso, Pires lista pelo menos cinco centros atuantes de tortura no estado, três deles em Curitiba, um em Apucarana e um em Foz do Iguaçu.

Um deles, em Curitiba, era clandestino. Não se tratava de um edifício do governo, e sim de um porão qualquer, para onde vítimas da ditadura eram levadas encapuzadas para serem torturadas. Até hoje não se sabe exatamente onde ficava esse edifício. Pires foi uma das vítimas levadas a esse local.

Além da ditadura, a Co­missão da Verdade pode esclarecer também outras violações aos direitos humanos no Paraná, uma vez que ela cobre todo o período de 1946 até 1988. Para o deputado estadual Tadeu Veneri (PT), representante da Assembleia Legislativa no Fórum, eventos anteriores à ditadura, como a Revolta dos Colonos, no sudoeste do estado; e a Guerrilha de Porecatu, no norte, poderão também ser alvo de investigação.

"Um dos papéis mais determinantes da Comissão é oferecer para as novas gerações um debate que elas não tiveram a chance de fazer", afirma o deputado, que destaca o pouco conhecimento que as pessoas têm desses eventos e mesmo da própria ditadura. (CM)

  • Teresa Urban:

A Comissão da Verdade não é uma unanimidade entre quem pede a investigação da atuação dos militares na ditadura. Durante a discussão do projeto na Câ­mara dos Deputados, parlamentares de esquerda como Luiza Erundina (PSB-SP) e a bancada do PSol criticaram o projeto do governo federal por ter poucos representantes, pouco tempo e pouco poder. Por outro lado, outros militantes contrários ao regime militar acreditam que o projeto pode servir para esclarecer esse período da história.

Para o presidente do gru­­po Tortura Nunca Mais Paraná e vítima da repressão, Narciso Pires, trata-se de uma questão urgente. "Precisamos passar a ditadura a limpo. O Brasil é o único país do Cone Sul que ainda não levantou essa questão", afirma. Na avaliação dele, ao manter o passado do país sob um manto de obscuridade, o estado brasileiro legitima a manutenção de práticas antidemocráticas e contrárias aos direitos humanos.

Um exemplo dado por Pires é a existência até hoje de tortura contra criminosos comuns. Como não houve uma punição ou uma admissão, a sociedade, de forma simbólica, legitima essa prática. Logo, ao afirmar a existência da tortura de forma definitiva na história oficial, o país daria um passo importante na consolidação da democracia. "Vivemos a plenitude das leis democráticas, mas não vivemos a democracia plena", diz. Pires cita, também, o sucesso de comissões semelhantes na Argentina, no Chile e na África do Sul.

Atraso

Já a jornalista Teresa Ur­ban, autora do livro 1968: Ditadura Abaixo, vê uma diferença clara entre as medidas tomadas nesses países e a queda da ditadura no Brasil. "As comissões da verdade que foram criadas na derrocada de regimes autoritários tiveram grande participação da sociedade, e aconteceram em um momento que os conflitos estavam muito vivos. O objetivo era reconstruir essas nações", comenta.

Para Teresa, que também foi vítima de tortura durante o regime militar, o processo brasileiro acontece tarde demais e em um formato "clean", com o objetivo limitado ao de contar a história – o que, para ela, trata-se de mera formalidade. Entretanto, em sua visão, a comissão serve para mostrar que a mentalidade autoritária ainda está presente de forma muito forte na sociedade. "Somos tão frágeis enquanto democracia que até uma comissão dessas incomoda os militares."

Feridas abertas

Uma das críticas feitas à Comissão da Verdade é de que ela "abriria feridas" que já teriam sido fechadas com o tempo. Pires e Teresa contestam a afirmação. "Os mortos e desaparecidos continuam mortos e desaparecidos, então essas feridas estão abertas. Elas sempre estiveram abertas", afirma Pires. "Quando o tempo passa, não significa que a ferida está cicatrizada, mas sim que ela foi absorvida. E isso não é nada bom", completa Teresa.

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