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Obras que podem não sair do papel entram no orçamento

Além dos erros na previsão de receitas, o orçamento municipal costuma ser "maquiado" com uma série de obras que dificilmente sairão do papel, apontam especialistas. Isso acontece porque o município envia vários pedidos para os governos estadual e federal para realizar obras que as prefeituras não têm dinheiro para fazer. As obras passam a constar das leis orçamentárias mesmo sem qualquer previsão de que elas serão acatadas.

Depois de uma audiência pública em que a população pede a duplicação de uma rodovia, por exemplo, a prefeitura informa que irá pedir para o governo estadual fazer a construção. Mesmo sem a aprovação do pedido, ou sem qualquer indicativo de que ele será aceito, a obra já passa a constar do orçamento e, não raro, de propagandas dos prefeitos. A justificativa é que as obras só podem ser feitas se constarem do orçamento, já que a prefeitura deve entrar com contrapartida para os recursos e deve haver previsão para esta verba.

"Estamos acostumados a pedir tudo [o que a cidade precisa] e não a priorizar [as obras que seriam mais importantes]. Deveria ser assim: temos como receber o valor ‘x’, então o que vamos priorizar com o dinheiro? Mas já se pede tudo de uma vez. A maioria dos contadores da minha região diz que a situação é a mesma", diz o contador de uma prefeitura do interior, que preferiu não se identificar.

Desoneração de impostos gerou divergências, dizem prefeitos

A disparidade nas previsões de arrecadação é justificada pelos prefeitos por causa da desoneração de impostos implementada pelo governo federal nos últimos anos. A medida impactou os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – a maior fonte de renda da maioria das cidades pequenas e que compõe a Receita Corrente Líquida (RCL). Com as variações do FPM, as prefeituras teriam ficado sem saber o quanto efetivamente iria entrar nos cofres públicos.

Estagnação

O presidente da Associação dos Municípios do Paraná (AMP), Luiz Lázaro Sorvos, afirma que a estagnação econômica atual não permite aos gestores municipais ampliarem a arrecadação. De acordo com ele, a situação é a mesma desde 2012, último ano analisado no levantamento. "Quando não há um ‘boom’ na economia, não há arrecadação", afirma.

Curitiba fez previsões menores que a realidade; Palmas fez previsões maiores

A cidade de Palmas, na região Centro-Sul do Paraná, previu arrecadação maior do que a real em todos os anos entre 2006 e 2012. Em 2011, a cidade chegou a prever que receberia R$ 105,7 milhões, mas acabou recebendo apenas R$ 55,6 milhões. Sem o dinheiro esperado, a prefeitura teve que interromper programas de pavimentação, desfavelamento, implantação de praças esportivas nos bairros e ensino integral.

Já a prefeitura de Curitiba errou a previsão de RCL em quase R$ 1 bilhão negativo em 2012, último ano da gestão de Luciano Ducci (PSB). Nesse caso, os cofres do município receberam a verba "a mais" como superávit de arrecadação.

Leia a reportagem.

A maioria dos municípios do Paraná vem errando quando o assunto é estimativa de arrecadação. Levantamento inédito do técnico legislativo Francisco Xavier Soares Filho, feito com dados de 2006 a 2012, mostra que 179 municípios, de um total de 361, erraram em mais de 10% a previsão de quanto iriam receber, na comparação com o quanto efetivamente entrou nos cofres públicos. O estudo tomou como base as informações de receita corrente líquida (RCL) enviadas pelas prefeituras ao sistema do Tesouro Nacional. A RCL, principal indicador de receita usado para a elaboração do orçamento, é composta por recursos que o município pode contar todos os anos, sem inclusão de convênios e créditos que uma hora deixará de receber.

INFOGRÁFICO: Veja dados da fiscalização e verbas do orçamento

Se os erros fossem pequenos seria razoável, já que a arrecadação depende de variáveis. Mas as divergências muito acentuadas, segundo especialistas, podem esconder estratégias para que o gestor municipal "manobre" o orçamento de acordo com os próprios interesses. A título de comparação, a diferença entre previsão e execução muito acima da inflação seria suficiente para que o Tribunal de Contas (TC) considerasse um orçamento como "peça de ficção".

O estudo, feito por Soares no mestrado de Ciência, Gestão e Tecnologia da Informação da UFPR, analisou as previsões de receita de 361 dos 399 municípios paranaenses – os demais não informaram os dados corretamente – e comparou com os resultados consolidados. A conclusão é de que a maioria das prefeituras está "descolada" da realidade.

A primeira possibilidade levantada seria uma falha técnica, já que os profissionais que fazem o planejamento orçamentário muitas vezes exercem o cargo por indicação política. Mas Soares, que trabalha em uma Câmara Municipal de Santa Catarina, entende que os números podem esconder jogadas dos prefeitos.

Manobras

Segundo Soares, quando as previsões de receita ficam muito abaixo da arrecadação real, o gestor pode alegar que a cidade recebeu verba extra ou inesperada, e assim justificar para onde o dinheiro "novo" deve ser investido. Essa manobra seria feita com pedidos de suplementação orçamentária às Câmaras Municipais. Os investimentos, portanto, não entram nas leis orçamentárias e não são discutidos com a população em audiências públicas.

Já no caso de o município dizer que irá arrecadar muito mais do que a realidade, as obras e investimentos anunciados pela prefeitura podem acabar nunca saindo do papel. O prefeito pode alegar que o município não arrecadou tanto quanto esperava e com isso eliminar investimentos por causa da "falta de verba".

Análise

Para Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, a manobra para ter flexibilidade no manejo da verba pública é danosa à democracia porque "dribla" a fiscalização do Legislativo. "Quando a prefeitura consegue esconder arrecadação, tem mais facilidade para alegar arrecadação superior e destinar a verba para onde lhe convém politicamente", afirma.

Luciano Reis, presidente da comissão de Gestão Pública da seccional paranaense da Or­­dem dos Advogados do Bra­­sil (OAB), diz que falhas no planejamento prejudicam a fiscalização. "O problema é que os porcentuais de disparidade são grandes. Para estimar a RCL é preciso planejar, conhecer a efetiva capacidade tributária e o seu contribuinte", aponta. "Os erros também podem acontecer pela falta de eficiência na arrecadação e planejamento interno para efetivar a cobrança", fecha.

Como diminuir os erros

Segundo o estudo de Francisco Soares, se as prefeituras optassem por usar o método estatístico Holt-Winters para calcular a RCL – que considera a série de resultados de anos anteriores para prever o quanto o município vai receber – o resultado final seria mais acurado. Com isso, os contadores das prefeituras deixariam de fazer cálculos com base no "achômetro". Caso todos os municípios utilizassem o método, cerca de R$ 3,6 bilhões estariam estimados corretamente nas leis orçamentárias, segundo o estudo.

RCL como parâmetro

As previsões de RCL servem como parâmetro para aplicação de medidas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como estabelecer o limite de gastos com pessoal e o comprometimento fiscal. A RCL também é parâmetro para cálculos da dívida consolidada líquida e operações de crédito do município. Os dados devem ser informados ao sistema do Tesouro Nacional a cada dois meses. No fim do ano, a cidade informa o quanto efetivamente arrecadou.

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