• Carregando...
 |
| Foto:

Histórico

Em outras épocas, a interferência do Estado na vida pessoal dos cidadãos era aceita sem contestação. Veja como o tema foi tratado ao longo do tempo:

Grécia clássica

Pensadores atenienses como Platão e Aristóteles entendiam que o papel do governo incluía tornar os cidadãos mais virtuosos. Portanto, poderia haver determinações que fossem defensáveis apenas do ponto de vista ético.

Idade moderna

A partir do fim da Idade Média, pensadores como Maquiavel e Hobbes passaram a defender que o Estado não era "moral". Os limites para o direito de um indivíduo deveriam ser unicamente os direitos de outros.

Perfeccionismo e republicanismo

No século 20, alguns pensadores como Joseph Raz passaram a defender que era possível haver alguma interferência do Estado, orientando os cidadãos a ver algumas condutas como melhores do que as outras. Para o alemão Jürgen Habermas, por exemplo, algum tipo de interferência moral é "inevitável".

Comunitarismo

Na América do Norte atual, filósofos como Michael Sandel dizem que o Estado pode defender alguns valores, desde que sejam típicos da comunidade em que aquela legislação será seguida.

Intromissão

Especialistas fazem a crítica de algumas leis e projetos existentes no país e explicam porque, na opinião deles, há um exagero do papel do Estado em cada situação:

Criminalização da homofobia

Para o professor Roberto Romano, o Estado tem todo o direito de intervir caso um homossexual seja vítima de agressões, crimes contra a honra ou se tiver algum direito desrespeitado. No entanto, restringir contestações de caráter religioso é tido como interferência em liberdades alheias.

Proibição de tabaco ao ar livre

A ingestão a produtos de qualquer gênero (desde que não causem suicídio) é decisão do cidadão. A proibição só pode ocorrer se causar danos a terceiros. Ou seja: se ninguém estiver inalando a fumaça sem querer, não pode ser proibido. Para João Paulo Orsini Martinelli, nem o porte de drogas ilícitas para uso pessoal pode ser criminalizado.

Proibição de álcool ao ar livre

O princípio é o mesmo. A proibição só se justifica por caráter moral (para que os cidadãos se comportem bem, de acordo com uma ideia de virtude), ou para evitar consequências a terceiros. Mas essas consequências possíveis (brigas, etc) já têm pena prevista em lei.

Lei da palmada

"A palmada moderada sempre foi aceita como castigo e não pode ser proibida. Cada família deve adotar o método de educação que julgar mais adequado. Quando as palmadas se tornarem verdadeiras agressões, o sentido é outro. Agredir não é educar e, portanto, a lei penal legitima-se nos casos de castigo violento", diz João Paulo Martinelli.

Comunhão de bens

O artigo do Código Civil que proíbe casamento em comunhão de bens após os 70 anos é criticado por "tutelar" o cidadão, não deixando a ele o poder de decidir o que fazer com sua própria vida.

Não é só pelos supersalários, pelos desvios de conduta e pela depen­­­dên­­cia do Executivo que os legisladores são criticados. Especialistas em Direito e em Ciência Política afirmam que os integrantes do Legislativo brasileiro frequentemente ultrapassam um outro limite, mais sutil, mas que deveria ser respeitado tanto quanto os outros. O limite é o dos direitos indivi­­duais, que, na visão de alguns, estão sendo desrespeitados por algumas leis.

Um exemplo está no Código Civil, afirma o doutor em Direito Penal pela USP João Paulo Orsini Martinelli. Autor de uma tese em que defende que o Estado brasileiro tenta "tutelar" demais os seus cidadãos, Martinelli usa como símbolo a determinação de que pes­­soas com 70 anos ou mais só possam se casar em regime de separação de bens. "A finalidade é proteger a pessoa contra si própria de cair no chamado golpe do baú, impedindo-a de casar em regime de comunhão de bens", diz. No entanto, lembra o pesquisador, isso tira a autonomia do cidadão.

Entre as leis e projetos que podem ferir os direitos individuais, segundo especialistas, estão alguns temas polêmicos, que não são consenso: a criminalização da homofobia, a Lei da Palmada, a proibição de porte de drogas para uso pessoal e até mesmo o auxílio à prostituição. A ingerência ocorre mesmo em casos mais simples. É o caso do projeto de lei apresentado recentemente em Curitiba pelo ve­­­reador Felipe Braga Côrtes (PSDB), que quer proibir o consumo de bebidas alcoólicas ao ar livre.

"Existem diversas leis que são, na verdade, o Estado metendo o bedelho onde não deve", afirma o professor de Ciência Política e de Ética na Unicamp Roberto Romano. "Esse projeto sobre a bebida, por exemplo. O Estado não tem nada que interferir na maneira como a pessoa se comporta. É ela que está ingerindo a bebida. E se ela provocar algum problema, jogando uma garrafa em alguém, aí sim existe uma lei para proibir esse tipo de comportamento", afirma.

Liberal

A discussão sobre os limites do poder do Estado é antiga. Na Grécia clássica, Platão e Aristóteles defendiam que o governo deveria ensinar as pessoas a serem "bons ci­­­da­­­dãos". Ou seja: o Estado tinha o direito de dizer a alguém quais eram os melhores valores a serem seguidos. Com o início da Era Moderna, porém, essa ideia passou a causar arrepios no Ocidente.

"A lei deve estabelecer quais são os limites do comportamento de um indivíduo pensando em dois critérios", ensina o jurista Ives Gandra Martins. "De um lado, há os direitos inalienáveis, aqueles de que a pessoa não pode decidir abrir mão. Portanto, ninguém pode decidir tirar a própria vida, por exemplo. O outro caso ocorre quando o direito de uma pessoa precisa ser limitado para garantir o direito dos outros", diz.

Assim, não sobra espaço para que o poder público diga como as pessoas devem se comportar. "Toda lei deve impor restrições negativas. Precisa dizer o que é proibido fazer. E nunca dizer aquilo que deve ser o modelo de comportamento", afirma Romano. Para ele, isso deixa claro porque o Estado moderno não pode fazer diferença entre uma união civil heterossexual e uma homossexual. Se preferisse aceitar apenas o primeiro caso, estaria dizendo que há um comportamento sexual melhor do que outro.

Mas por que, afinal de contas, o Estado precisa respeitar esses limites? Martinelli afirma que há pelo menos quatro razões. A primeira é de origem social. "Quem elabora as leis são as pessoas que estão no poder, e não se pode permitir que estas digam como a sociedade deve se comportar", afirma.

Outro argumento diz respeito à diversidade: se você limita a sociedade a um comportamento, está matando a possibilidade de os cidadãos viverem de maneiras diferentes. A terceira razão é referente à democracia. "A intromissão na vida privada abre as portas para o autoritarismo e a concentração do poder; basta lembrar que, no Brasil, na ditadura, o simples fato de alguém pensar diferente do governo era motivo para aplicar a lei penal", diz. Por último, a mera intromissão por meio das proibições já se mostrou ineficaz na resolução de conflitos sociais. Ou seja: além de tudo, essas leis resolvem muito poucos problemas, ensina Martinelli.

Proibição do biquíni faz meio século

A mais célebre lei editada no Brasil e que tinha conteúdo meramente moral completa 50 anos em 2011. Em 1961, durante seu mandato relâmpago de sete meses, que terminou com uma inesperada renúncia, Jânio Quadros determinou a proibição de biquínis nas praias do Rio de Janeiro. Os biquínis eram uma invenção recente – a roupa feminina de praia típica ainda era o maiô, considerado menos provocante.

Outras leis que causaram polêmica pelo claro excesso de intromissão do Estado na vida dos cidadãos incluem um exemplo paranaense. Élcio Berti, que foi prefeito de Bocaiúva do Sul, na região metropolitana de Curitiba, por dois mandatos (1997-2004) baixou um decreto proibindo que homossexuais morassem no município.

Outra lei polêmica surgiu do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que baixou uma portaria proibindo gritos nas feiras livres do município. Mais tarde, o prefeito afirmou que se tratava de um erro de redação e que os gritos estavam liberados.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]