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Especialistas acham que vídeo é medida exagerada

Para especialistas consultados pela Gazeta do Povo, o "Big Brother" da política avança sobre direitos fundamentais como direito à expressão. "Há um certo exagero, mas alguma fiscalização deve ser feita", avalia o cientista político Sergio Braga, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Por outro lado, ele diz que a divulgação de quem se encontra com gestores públicos é fundamental. "O cidadão, quando entra na repartição pública, precisa se identificar. Então os políticos também deveriam ser monitorados. É um princípio fundamental do open government [governo aberto e transparente]".

Para a pesquisadora Rita de Cássia Biason, que lidera o grupo de pesquisa sobre corrupção da Universidade Estadual Paulista (Unesp), os deputados deveriam primeiro dar o exemplo de transparência. "Seria muito mais útil acabar com o voto secreto no Congresso. Eles precisam antes fazer a lição de casa, e depois olhar para os outros poderes", critica. Segundo ela, o gestor público precisa ter liberdade para atuar, e não pode ser filmado todo o tempo em que estiver no gabinete. "Há outros sistemas para cobrar a ética dos governantes, como códigos de ética e de conduta."

Aprovação

O consultor em gestão governamental Léo da Silva Alves opina que dificilmente uma lei com esse teor seja aprovada. "Minha primeira impressão é de que esse projeto de lei avança no caminho do excesso, do exagero, rompendo com um mínimo de privacidade que as autoridades precisam ter. Não a privacidade para cometer atos ilícitos, mas para bem atender ao interesse público." (RF)

Quer dar uma espiadinha? Pelo projeto de lei apresentado pelo deputado federal Maurício Trindade (PR-BA), qualquer cidadão teria acesso à lista das pessoas que se reuniram com agentes públicos, como secretários municipais, estaduais e ministros. Esses gestores também ganhariam a companhia permanente de uma câmera de vídeo, que gravaria todas as reuniões feitas nos gabinetes. O conteúdo, nesse caso, ficaria restrito aos chefes do Executivo municipal, estadual e federal, para saberem o que seus subordinados estão fazendo.

O Projeto de Lei (PL) 2.147/11, bem no estilo "Big Brother", foi apresentado no fim de agosto na Câmara Federal e ainda não avançou. Antes de ir ao plenário, precisa do parecer favorável de duas comissões: Trabalho, de Ad­­­mi­­­nistração e Serviço Público e Constituição e Justiça. Apesar de o texto não ter avançado, o deputado se diz otimista com a aprovação. "Todo mundo fala em combate à corrupção, em participar de marchas para sensibilizar políticos. Essa lei coloca na prática o combate à corrupção, e será um golpe mortal", declarou Trindade.

O projeto prevê a colocação de câmeras em centenas de gabinetes. Além de ministros e secretários, seriam fiscalizados presidentes, diretores e superintendentes de agências reguladoras; secretários executivos; diretores de departamentos; presidentes e diretores de empresas públicas, autarquias e fundações; e gestores responsáveis por setores de fiscalização e de licitações. No caso do Planalto, por exemplo, das pessoas com algum poder decisório, só a presidente Dilma Rousseff (PT) não seria monitorada por câmeras.

Segundo Trindade, além da transparência, o projeto iria derrubar uma desculpa usada por muitos políticos: "Eu não sabia". "Já que o chefe do Executivo é o responsável, terá conhecimento de tudo o que os gestores fazem. Ele terá acesso direto a tudo o que o gestor fez, com quem conversou", declarou o baiano.

Pelo PL, os vídeos não seriam divulgados ao público em geral. Mas o deputado quer deixar a função pública mais transparente. O projeto também prevê a divulgação do nome e cargo de todas as pessoas que conversarem com os gestores públicos. "Se eu ganhei uma licitação, e vejo que um concorrente fica indo todos os dias falar com o diretor de obras, é porque tem algo errado", diz o deputado.

Obstáculos

Questionado sobre o custo de implantar câmeras de vídeo em tantos gabinetes, o parlamentar disse que é preciso investir para combater a corrupção. "Mesmo que seja caro, o poder público vai economizar com o que é desviado com a corrupção. Se acharem ruim esse tipo de gasto, então não conseguiremos diminuir as irregularidades", declarou. Trindade também diz que o projeto é constitucional. "Com um aviso de ‘sorria, você está sendo filmado’, se resolve a questão", acrescentou.

Flagras serão mais comuns

Situações como a que levou à demissão de Rosângela Battistella do cargo de diretora do De­­­par­­tamento de Trânsito (Diretran) da Urbanização de Curitiba (Urbs) serão cada vez mais comuns. Ela pediu exoneração após vir a público um vídeo, gravado em um celular, no qual ela admite que estacionou seu veículo em uma vaga para idoso. Para especialistas, o cidadão tem o direito de fiscalizar os agentes públicos.

"São duas violações claras: ética e disciplinar. Ainda que ela não estivesse em serviço, é da natureza de sua função cuidar da correta utilização do trânsito. É um comportamento antiético e com reflexo disciplinar pelo cargo que ocupava", explica o consultor Léo da Silva Alves.

Para Alves, que é professor de Direito Disciplinar no Instituto Brasiliense de Direito Público, os agentes públicos serão cada vez mais visados. "As pessoas, em geral, têm um muro cercando sua privacidade. O muro dos agentes públicos é muito mais baixo. Esses agentes públicos são vigiados, não só pelas estruturas institucionais como tribunais de contas e Ministério Público, como pela imprensa, pela sociedade civil organizada, e pela cidadania", relata.

Segundo ele, as pessoas estão mais conscientes de seus direitos. "Todo cidadão é um fiscal do agente público, um fiscal da cidadania. Aquele que trabalha no serviço público deve estar atento." Com as novas tecnologias, esse trabalho de acompanhamento fica mais simples. "Temos equipamentos de última geração, como o celular com câmera, e que está na mão de todos. Celular não é mais luxo, é instrumento da vida para todos, inclusive para o trabalhador mais modesto", acrescenta.

O professor Sergio Braga também diz que, quanto mais a tecnologia for aplicada na política, melhor. "Uma vez que o agente ocupa um cargo público, abdica da privacidade dele na medida em que opera recursos públicos." Ele pondera, entretanto, que o funcionário deve ter a chance de se explicar e se justificar.

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