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Por falta de opções a quem recorrer, o político passa a ser encarado como uma espécie de assistente social. Se normalmente isso já ocorre, em ano eleitoral as filas nas portas dos gabinetes aumentam, com todo o tipo de pedidos.

Na Câmara de Vereadores, onde o acesso é direto, o rosário de reivindicações não visa apenas à melhoria da infra-estrutura da cidade, mas também a necessidades dos cidadãos. "A cultura política do Brasil acaba levando o brasileiro ao assistencialismo já que os serviços públicos são deficientes em diversas áreas", adverte o presidente da Câmara, João Cláudio Derosso (PSDB).

Segundo o cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná, Renato Perissimotto, a política assistencialista é um mal enraizado no Brasil. "A que instituição os menos favorecidos devem recorrer? Sem resposta a essa pergunta, uma parcela da população acaba vivendo de favores e quando tem oportunidade procura obter vantagens de políticos", argumenta.

Contrário à extinção do salário de vereadores, Perissimotto afirma que se isso acontecesse só beneficiaria os ricos, já que dentro do parlamento municipal existem vereadores que precisam do salário mensal. "Seria um retrocesso político", opina.

O saldo deixado pela crise política provocada pelas denúncias da existência do mensalão pelo governo do presidente Lula, em 2005, vai ser medido no período eleitoral. "A procura por assistência cresceu conforme foi aumentando os valores do mensalão. E deve aumentar ainda mais, já que estamos em ano eleitoral", entende o líder do prefeito, Mário Celso Cunha (PSDB).

Exercendo o primeiro mandato como vereador, Tico Kuzma (PPS) não imaginava que o assédio por favores era tanto. "Já me pediram de tudo. Desde molinetes para dar no Natal até passagens de avião para fazer turismo em Fernando de Noronha."

Veterana na casa legislativa municipal, a vereadora Nely Almeida (PSDB) recebe centenas de pedidos mensalmente. "São solicitações para adquirir cestas básicas, bolsas de estudos, prendas para bingos, para fazer cirurgia plástica e até para adquirir a casa própria", conta.

"São comuns os pedidos absurdos", alerta Luís Ernesto (PSDB). Há algumas semanas o vereador foi abordado quando entrava no gabinete por uma senhora humilde que desejava arrumar um emprego para a filha. "Perguntei as qualificações dela. A mãe não soube responder. Insisti. Ela sabe lidar com computador, atende telefone, tem boa letra, sabe inglês? Recebi um não em todas. No final a mulher olhou pra mim e disparou: já que ela não sabe fazer nada, então o senhor não podia pelo menos arranjar um marido para ela?"

O pedetista Roberto Hinça recebeu um pedido insólito no primeiro ano de mandato. "Uma mulher solicitou uma audiência. Entrou no gabinete e pediu ajuda para fazer uma prótese no seio. Perguntei se ela tinha problema de saúde. Ela respondeu que não e contou que o silicone era para que ela pudesse desfilar no carnaval carioca."

Em 2002, João Cláudio Derosso decidiu atender a um correligionário que tentava uma audiência com o prefeito. com um detalhe, o próprio presidente da Câmara estava ocupando o cargo devido a uma viagem do então prefeito Cassio Taniguchi. O vereador disse que marcaria para o dia seguinte, às 9 h. "Quando entrou no gabinete foi perguntando onde estava o prefeito. Respondi que estava falando com ele. A pessoa respondeu que nunca havia vendido um consórcio para um prefeito. A cantada foi tão boa que não agüentei e comprei", se diverte Derosso.

Desconfiado de uma solicitação de passagem para Goioerê, para ir a um enterro de um sobrinho, o vereador Tito Zeglin (PDT) tentou encontrar o defunto. "Liguei para o hospital onde a criança esteve internada e o nome não conferia. Falaram que o último falecimento de um menono no local teria ocorrido há mais de seis meses."

Os pedidos mais intrigantes para o tucano Celso Torquato são os de passagens nas vésperas de feriado. "Chegam alegando que parentes faleceram no interior do Paraná ou no litoral", conta.

Quando o vereador diz não ter condições de ajudar, geralmente ouve palavras nada gentis. Uma tática para evitar reações rudes é nunca dizer não. A maioria dos políticos passa para a assessoria tentar resolver e procurar doações que possam atender as requisições. Mas muitas vezes fica devendo, já que é impossível atender a todos.

Tico Kuzma recentemente recebeu uma carta de um eleitor pedindo dinheiro para pagamento de um curso de mecânico. "Respondi que iria tentar conseguir uma bolsa de estudos. Semanas depois ele me escreveu falando que os 40 votos da família iriam migrar para outro vereador. Alguns dias depois, o vereador Sérgio Ribeiro (PV) recebeu uma carta do mesmo cidadão pedindo dinheiro para comprar um aparelho de solda."

O marqueteiro José Lauter explica que há muito glamour na política. Na eleição proporcional para vereador, o número de parlamentares que recebem dinheiro para a campanha é pequeno. "Na Assembléia Legislativa já existe um lobby, mas na Câmara Municipal não", explica.

Atualmente, um vereador recebe R$ 5,4 mil mensais líquidos e sem direito a verba de representação – na Assembléia o valor chega a R$ 27 mil mensais.

"Após a eleição vem o choque da realidade. O político eleito precisa pagar os custos de campanha, melhorar o guarda-roupa, pagar a gasolina do carro que o conduz a eventos, manter um escritório na base. Assim o dinheiro voa", explica Lauter.

Para manter-se vereador, André Passos (PT) fez empréstimo pessoal, invadiu o limite do cheque especial e passou boa parte de 2005 pagando dívidas. Agora, em 2006, ele pretende sair a deputado estadual e já está fazendo uma poupança. "É uma roda viva", justifica.

O vereador Valdenir Dias (PMDB) é o que diz gastar mais no exercício da função. Afirma que mensalmente perde R$ 70 mil por estar no Legislativo municipal. "Estou deixando de trabalhar no meu escritório de advocacia para ficar na Câmara", alega.

Dias justifica sua insistência em ser parlamentar, apesar do "prejuízo", por ter um projeto político. "Não posso trair aqueles que votaram em mim, mesmo contrariando os meus interesses financeiros."

Muitas vezes, caridade é confundida com assistencialismo. Apesar de ter sido eleita pelo trabalho social realizado no bairro de Santa Quitéria, Dona Lourdes (PSDB) não abandonou o hábito de ajudar as pessoas. A diferença agora é que ela atende um grupo maior de necessitados. Não é à toa que Dona Lourdes é encarada como uma "grande heroína" no bairro.

Derosso entende que hoje o referencial entre fazer o bem ao cidadão comum precisa ser revisto. "Se um cidadão faz caridade, ele realiza uma boa ação. Se for um político, a ação é interpretada de maneira errada e é encarada como compra de voto", teoriza.

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