• Carregando...

Nem o tempo frio que está fazendo em São Paulo consegue esconder o orgulho dos expositores da 6a Expo Tattoo Metalhead: a pele tatuada. A exposição, que acontece neste fim de semana no Espaço das Américas, reúne cerca de 60 estandes em que tatuadores e body piercers expõem seu trabalho. Quem desejar, pode fazer tatuagem ou colocar um piercing no próprio local.

Essa comodidade para os amantes da tatuagem e do piercing pode ficar abalada se o Projeto de Lei (PL) 7703/2006, aprovado por unanimidade pelo Senado no final do ano passado, for aprovado em todas as instâncias necessárias.

A chamada Lei do Ato Médico determina, entre outras coisas, que somente médicos poderão fazer procedimentos invasivos na pele, usando produtos químicos ou atingindo o tecido subcutâneo.

O PL está em tramitação na Câmara dos Deputados. Se for aprovado na Casa sem alterações, seguirá diretamente para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não há previsão de quando o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), colocará o PL em votação.

O texto do PL, cuja relatora é a senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), não cita explicitamente que tatuadores, body piercers e também os acupunturistas serão obrigados a fazer o curso de Medicina para exercer suas atividades.

No entanto, os profissionais têm medo de que sejam obrigados a transformar-se em médicos para continuar trabalhando, caso não queiram entrar para a clandestinidade. "O texto do Projeto de Lei não é claro quanto a isso", queixa-se o presidente do Sindicato das Empresas de Tatuagem e Body Piercing do Estado de São Paulo (Setap-SP), Antonio Carlos Ferrari. O Setap-SP estima que 300 mil profissionais podem ficar sem emprego, caso o PL seja aprovado.

O G1 conversou com alguns profissionais da área que expunham seu trabalho na Expo Tattoo deste ano sobre o polêmico Projeto de Lei. Para os tatuadores consultados, o PL não deve dar em nada. Mas, se for aprovado, pode causar um grande problema.

"A coisa é brava"

"Se você pegar a lei, todo processo incisivo na pele terá de ser feito por médico. A coisa é brava, não é simples, não. Diante dessa lei, você pode ser acusado de exercício ilegal da medicina. O que vai acontecer? Ninguém vai deixar de tatuar, a procura por tatuagem vai continuar, e os tatuadores vão começar a trabalhar de porta fechada. Ninguém vai fiscalizar mais ninguém. Só tem uma solução para isso: a regulamentação da profissão de tatuador", acredita João Carlos Pescatore, conhecido no meio como Johnny.

Para Johnny, o que pode acontecer, caso a lei seja aprovada, é uma nova "marginalização da profissão". "Marginalizado eu era no começo da profissão, entende? Se acontecer isso de novo, eu prefiro ir embora do país, muitos de nós tem condição para isso", afirmou.

O tatuador Eduardo Guimarães, o Zero, de 34 anos, acredita que o PL não vai sair do papel. "Médico vai entender o que de tatuagem? Ele sabe os cuidados que envolvem a técnica, mas não sabe tatuar. Não tem muito sentido [essa lei]. Acho que o que vai acabar acontecendo é que os tatuadores vão ter de manter um médico no estúdio. A gente vai ter que arcar com o pagamento do médico."

Johnny concorda com Zero. Para o tatuador, "a intenção dessa lei não é fazer com que os médicos virem tatuadores, mas fazer o médico assinar uma permissão para o tatuador atuar. Vou ter que pagar para os médicos me autorizarem a tatuar", afirmou. Saúde pública

"Acho que esse Projeto de Lei é a maior besteira que já ouvi na vida", opinou César Nemitz, o organizador da Expo Tattoo. "Ninguém entende muito de lei no Brasil. No fim, quem acaba decidindo tudo é o juiz, de acordo com sua interpretação. É meio ridículo achar que o médico estuda 15 anos e depois vai parar para fazer tattoo", acredita César.

"Você pode fazer uma pesquisa entre os médicos e perguntar quais deles querem ser tatuadores. Vai ser uma porcentagem mínima", finalizou.

O G1 conversou ainda com o consultor legislativo do Senado Sebastião Moreira Júnior, que participou da elaboração do PL 7703/2006. Ele concorda com as reivindicações dos profissionais, sobretudo com os tatuadores e body piercers.

Segundo ele, o texto do Projeto de Lei "passa ao largo" da atividade dos acupunturistas, mas, se aprovado, pode afetar, sim, os tatuadores e body piercers. "Há um inciso de um dos artigos que trata da invasão da epiderme e da derme com o uso de produtos químicos ou abrasivos, que só poderá ser feita por médicos. Esse trecho abre brecha para que algum advogado entenda que isso implica obrigar tatuadores e body piercers a se formarem em Medicina", explica Sebastião. Em discussão

O PL 7703/2006 foi originalmente apresentado em 2002 pelo então senador Geraldo Althoff (PFL-SC), sob o número 25/2002. O documento serviu de base para a criação de outro projeto similiar no Senado, no mesmo ano, pelo também então senador Benício Sampaio (PPB-PI). A senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) é a relatora desta última versão do PL que trata do assunto.

O segundo semestre do ano passado, lembra o consultor legislativo Sebastião Júnior, foi marcado por diversos encontros entre parlamentares, os profissionais das áreas que poderiam ser afetadas pelo PL e os próprios consultores que participaram da elaboração do texto. "Todas as categorias citadas no PL tinham representantes nos encontros. Os tatuadores e body piercers não participaram. Durante os encontros, cada um defendeu a sua área", garante.

O 6º Parágrafo do 4º Artigo do PL diz que "o disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação". O parágrafo seguinte diz que "o disposto neste artigo será aplicado de forma que sejam resguardadas as competências próprias das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia". Isso significa que os profissionais das áreas citadas poderão continuar atuando como o fazem atualmente.

O PL 7703/2006 pode ser modificado na Câmara dos Deputados. Está aí a chance de tatuadores, body piercers e acupunturistas reverterem o que julgam estar errado no atual texto. "Eles podem até fazer um projeto novo, modificá-lo todo", explica o consultor legislativo. Caso isso ocorra, o PL terá de voltar para o Senado, para nova apreciação. Feito isso, caberá ao presidente Lula decidir se sanciona ou não a lei, que passará a vigorar 60 dias após o aval do presidente.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]