• Carregando...
Marina: impasse com a cúpula do PV | Fotoarena/Folhapress
Marina: impasse com a cúpula do PV| Foto: Fotoarena/Folhapress

Artigo

Marina Silva, o PV e a chance de ouro

Marina e seus assessores sabem que este é o momento de o PV se modernizar e se adequar. A chance de trans­­formar a cultura e o debate políticos no Brasil se apre­­senta, e Marina quer se fir­­mar como a imagem desse novo tempo.

A saída de Marina Silva do PV parece, à primeira vista, um mero capricho da presidenciável. Algumas notícias que salpicam na internet fazem a atitude de Marina – que já deixou o PT anteriormente fazendo ainda mais barulho – soar como a birra da criança perna-de-pau e dona da bola: cruza os braços, bate o pé, faz beiço e leva a bola embora (no caso, uma possível candidatura viável à presidência, em três anos). Mas existe mais por trás dessa decisão.

Depois de aparecer como grande sensação nas últimas eleições presidenciais, em que ficou em terceiro lugar, Marina ainda conseguiu manter uma neutralidade segura no segundo turno, não se comprometendo nem vinculando sua imagem com os demais partidos e candidatos. Isso pode ter causado perdas políticas para o partido, que poderia ter uma ação muito mais forte na gestão Dilma, mas manteve intacta a aura que circunda Marina. Em resumo: blindou-se a candidata em detrimento de possíveis ganhos do partido. A aura de Marina, entretanto, dificilmente ganharia uma eleição sozinha. A desde já pré-candidata sabe que seu discurso precisa se manter atual e presente e, principalmente, polivalente. O PV precisaria aumentar seu leque de discursos, adentrar de forma mais efetiva em debates diferentes daqueles com os quais o partido já está identificado (o da defesa do meio-ambiente). O partido precisaria, enfim, deixar de ser coadjuvante na arena nacional.

O exemplo para essa mudança vem da Alemanha, onde Marina participou da reunião mundial dos Partidos Verdes. O Partido Verde alemão sofreu, nas últimas décadas, um processo de grande crescimento não apenas nos quadros, mas principalmente na presença e representatividade na política nacional. Com o crescimento do debate sobre políticas verdes e sustentáveis e, nos últimos meses, sobre a utilização da energia atômica, a voz do partido foi ampliada consideravelmente. Mesmo quando o partido não participa das coalizões governamentais, o discurso dos verdes pesa na opinião pública. Isso porque a cultura política e as perspectivas para o futuro mudaram no mundo inteiro, e a coerência discursiva e a defesa de princípios-base (que se adequam aos mais diferentes campos, desde cultura até educação e política externa) fazem dos "Grünen" uma alternativa confiável. Alguns analistas falam mesmo de uma hegemonia verde na política alemã, ainda que as posições-chave nas administrações não sejam ocupadas por verdes.

As mudanças ocorrem também no Brasil, e Marina e seus assessores sabem que este é o momento de o PV se modernizar e se adequar. A chance de transformar a cultura e o debate políticos no Brasil se apresenta, e Marina quer se firmar como a imagem desse novo tempo. Para tanto, ela já mostrou não depender do PV, podendo levar seu peso político e discurso para um outro (novo) partido. Se o jogo está difícil, é mais fácil levar a bola para outro campo.

Vinícius Liebel, historiador e doutor em Ciência Política pela Universidade Livre de Berlim (FU-Berlin)

A ex-senadora Marina Silva anunciou ontem, em evento na capital paulista, a sua saída do PV. A saída de Marina se deve a um impasse entre ela e a cúpula da legenda: embora tenha se tornado a estrela do partido no ano passado, com 20 milhões de votos para a Presidência da República, Marina não conseguiu se impor nas decisões internas, que ficam nas mãos do presidente da Executiva, José Luiz Penna.

Em discurso, a ex-senadora ressaltou que a sua decisão é uma maneira de "manter a coerência" e não se trata de uma "saída pragmática". "Não se trata de uma saída pragmática, com olhos pregados em calendários eleitorais. Ao contrário, é a negação do pragmatismo a qualquer preço", destacou. "As eleições são parte, não são o fim, não são tudo", acrescentou.

A ex-senadora afirmou que seguirá com a sua luta por uma "nova maneira de fazer política" e salientou que não irá ficar na "cadeira cativa" de candidata a presidente em 2014. "Não vou ficar na cadeira cativa de candidata em 2014, mas podem ter certeza que eu quero que esse processo pela nova maneira de fazer política esteja tão forte e vigoroso que tenha um candidato à altura." E que, se houver um candidato com este perfil, terá o seu apoio. "Eu não sou boa para pedir voto para mim, mas sou boa para pedir voto para os outros", disse, arrancando risos dos presentes.

Segundo Marina, o debate político hoje não pode estar restrito à sucessão presidencial. "Chegou a hora de acreditar, chegou a hora de ser ou fazer", afirmou. "Eu acredito no voto consciente, no voto informado. É preciso reagir e chamar as pessoas para falar sobre o nosso futuro."

Reação

A Executiva Nacional do PV divulgou ontem nota à imprensa na qual reconhece que a sigla passa pela sua primeira "grande crise de crescimento" e lamenta o que chama de "falsa polêmica artificialmente inflada" sobre a falta de democracia interna no partido. "Nós consideramos que estamos passando por nossa primeira grande crise de crescimento", ressaltou. "O PV e suas lutas, entretanto, são maiores do que qualquer pessoa. Nós temos certeza de que ultrapassaremos os problemas atuais e sairemos fortalecidos desse processo", acrescentou.

Uma das críticas feitas pelos aliados de Marina Silva é a ausência de eleições diretas para a escolha da direção da agremiação. "A transformação dos partidos políticos, como toda construção social, necessita ser conduzida de maneira democrática e responsável. Os processos nesse sentido devem ter como base a tolerância, a persistência, a paciência e a humildade", destaca a Executiva Nacional do PV.

Na nota, a direção da sigla lembra que, para receber a ex-senadora, "sem quaisquer freios", teve de promover mudanças em algumas posições partidárias. "Com generosidade e respeito às diferenças, para receber Marina Silva sem quaisquer freios, estabelecemos a cláusula de consciência, que permite que filiados explicitem suas posições pessoais em relação a itens do programa partidário em face de convicções religiosas", disse. "Reconhecendo desde o início a relevância política de Marina, foi alterado, também, o número de membros da Executiva do partido, de maneira a abrir espaço a vozes diretamente ligadas à futura candidata."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]