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"O Brasil tem várias leis sobre acesso, mas não tem um procedimento para o cidadão fazer requisições, nem punições para servidores públicos que não atenderem esses pedidos." Jorge Hage, ministro da   Controladoria-Geral da União | Marcello Casal Jr./ABr
"O Brasil tem várias leis sobre acesso, mas não tem um procedimento para o cidadão fazer requisições, nem punições para servidores públicos que não atenderem esses pedidos." Jorge Hage, ministro da Controladoria-Geral da União| Foto: Marcello Casal Jr./ABr

Pressão

Planalto "atropela" Collor e quer votação já

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), anunciou ontem em plenário um acordo de lideranças para votar no dia 18 de maio o projeto de lei de acesso à informação, que põe fim ao sigilo eterno de documentos oficiais. Jucá protocolou um requerimento de urgência para que o projeto seja votado diretamente no plenário.

O regime de urgência dispensa a tramitação da matéria na Comissão de Relações Exteriores, na qual o senador Fernando Collor (PTB-AL) é relator. Com isso, o governo atropelou o senador e ex-presidente da República, que desejava retardar a votação da proposta. Ele frustrou os planos da presidente Dilma Rousseff de sancionar a nova lei ontem, Dia Internacional da Liberdade de Imprensa.

O ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, tentou interceder para que o ex-presidente da República permitisse uma votação acelerada, mas Collor não cedeu.

Em discurso no plenário, Collor citou o tema, classificando como "temerária" uma votação. "É absolutamente temerário que tomemos decisões no campo das informações classificadas como próprias de Estado. Seria a inversão do processo de construção democrática", disse. Collor foi presidente do Brasil entre 1990 e 1992, deixando o cargo após sofrer um impeachment.

A lei de acessos à informação que Collor deseja discutir acaba com o sigilo eterno. Com o projeto, os documentos classificados como "ultrassecretos" teriam um sigilo máximo de 50 anos. Atualmente, estes documentos têm prazo de sigilo de 25 anos, mas este prazo pode ser renovado por tempo indeterminado.

Unesco

O representante da Unesco no Brasil, Vincent Defourny, defendeu ontem a aprovação do projeto de lei que trata do acesso a informações públicas, atualmente em tramitação no Congresso. "A lei geral de acesso a informações públicas está em vias de ser aprovado pelo Senado, o que pode contribuir para uma sólida redução das assimetrias informacionais ainda existentes no Brasil", disse Defourny.

Das agências

Como funciona

Veja quais serão as regras da lei de acesso às informações públicas:

- Qualquer cidadão pode fazer solicitações de informações ou documentos públicos.

- Não é preciso dizer o motivo do interesse na informação.

- O órgão que tem o documento solicitado tem prazo de 20 dias para dizer como e onde o cidadão poderá acessar o que pediu.

- Os casos de negativa, por lei, só acontecem se o documento for classificado como sigiloso. A explicação da recusa deve ser feita também em 20 dias. O cidadão pode recorrer da decisão.

- O prazo máximo para que um documento seja mantido sob sigilo é de 25 anos, renováveis uma única vez.

Fonte: Senado

O Senado brasileiro tem a chance de colocar fim a um constrangimento internacional que o Brasil vive há décadas. O país é uma das poucas democracias de peso no mundo a não contar com uma lei que garanta aos cidadãos acesso livre a documentos públicos. Embora a Constituição diga que o poder público tem obrigação de dar publicidade a seus atos, não há regras dizendo quem pode pedir qual informação e de que maneira. Assim, a imprensa, as ONGs e até mesmo parlamentares têm dificuldades em solicitar dados que, em teoria, deveriam estar à disposição de todos. Sem falar no cidadão comum, que praticamente não tem chance de conseguir dados de qualquer gênero.

Para acabar com esse problema, basta ao Senado aprovar neste mês um projeto de lei que há sete anos caminha pelas gavetas e corredores do Congresso, mas que só no ano passado entrou realmente na pauta do Parlamento. O projeto, que tem apoio do governo federal, regulamenta o acesso às informações públicas – e diz também quais são os casos em que o poder público tem o dever de manter alguns dados em sigilo. Tudo dando certo, a previsão é que o plenário do Senado faça a última votação em 18 de maio. Na Câmara, a proposta foi aprovada em 2010. A presidente Dilma Rousseff pretendia sancionar a lei ontem, Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, mas o relator da proposta na Comissão de Relações Ex­­­teriores, Fernando Collor, estragou os planos (leia mais no box à es­­­­querda).

A ideia de que a ausência de regulamentação causa "constrangimento" ao país é do ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage. Ele usou o termo para explicar aos senadores, numa audiência pública realizada em meados de abril, a importância da aprovação do texto. "O Brasil tem várias leis sobre acesso, mas não tem um procedimento para o cidadão fazer requisições, nem punições para servidores públicos que não atenderem esses pedidos", afirmou.

Especialistas concordam com o ministro: o constrangimento é real. Hoje, mais de 90 países já têm legislação do gênero. Presidente da ONG Transpa­­­rência Brasil, uma das grandes defensoras do projeto, Cláudio Weber Abramo diz que a nova lei regulará dois pontos importantes: o dever do Estado de dar publicidade e o direito de acesso a informação. "Hoje, sem essa lei, os ocupantes de cargos públicos, especialmente nos municípios e nos estados, usam firulas jurídicas para não divulgar informações que deveriam ser públicas", afirma. Com o projeto, a negativa será a exceção: somente documentos classificados como sigilosos podem ser negados ao cidadão, e mesmo assim com uma justificativa plausível. Caso contrário, haverá a possibilidade de recurso. E quem se recusar ainda assim a prestar as informações poderá ser enquadrado na lei de improbidade administrativa.

O historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), explica a importância da lei mostrando os benefícios que a democracia brasileira já teve com normas parecidas, aplicadas em outros países. "Nos Estados Unidos, mesmo informações sigilosas não costumam ficar com restrição por mais de dez anos. Assim, em 1974, quando o golpe de 1964 no Brasil chegou a uma década, a biblioteca Lyndon Johnson divulgou documentos importantes sobre a nossa Históira", lembra. Ironicamente, muitos documentos sobre o golpe que ficaram no Brasil ainda não foram liberados ao público, 37 anos depois.

O fim do sigilo eterno

Um dos pontos em discussão no Senado é o fim do sigilo eterno em informações secretas. Hoje, o período máximo para restrição ao público é de 25 anos. No entanto, um artifício permite que o prazo seja renovado quantas vezes o governo achar necessário. Assim, em teoria, é possível haver dados que nunca venham a público.

O projeto em tramitação no Senado põe fim a isso ao determinar que a renovação do prazo possa ocorrer uma única vez. Assim, nenhum dado ficaria eternamente em sigilo, mesmo se tratando de informação referente a segredos militares ou diplomáticos do Brasil. Embora tenha havido reclamações pontuais de militares, o consenso é que não deverá haver problemas na aprovação da nova regra.

"A Guerra do Paraguai, por exemplo, já acabou há mais de 140 anos. E mesmo assim há documentos que continuam em sigilo. Como se informações de um século e meio atrás pudessem causar problemas na nossa diplomacia com um país vizinho", afirma o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília.

O conflito com o Paraguai, aliás, é o exemplo favorito de quem defende o fim do sigilo eterno no país. "Hoje, quem vai ao Itamaraty pesquisar informações sobre a guerra tem grandes chances de receber um 'não'. Mesmo que consiga ter acesso aos papéis, fica com um funcionário ao lado, como se fosse um soldado, fiscalizando. E muitos documentos ainda não foram sequer divulgados", diz o historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos.

Interatividade

Qual é a sua opinião sobre a pressa do govermo em aprovar a lei que acaba com o sigilo eterno de documentos oficiais no país?

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