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Vânia Vieira, diretora de prevenção da corrupção da CGU. | Evelson de Freitas/Agência Estado
Vânia Vieira, diretora de prevenção da corrupção da CGU.| Foto: Evelson de Freitas/Agência Estado

Entenda a lei

A Lei de Acesso a Informações Públicas prevê que o cidadão tem direito a pedir qualquer dado não sigiloso a órgãos públicos brasileiros. Veja como funcionará:

Quando passa a vigorar?

A lei foi sancionada em novembro pela presidente Dilma Rousseff. Há um prazo de 180 dias para os órgãos públicos se adaptarem. A partir de maio, os pedidos dos cidadãos já têm de ser respondidos.

Quem pode pedir dados?

Qualquer cidadão pode fazer solicitações. E não é preciso explicar o motivo do pedido.

Quem é obrigado a dar informações?

Todas as esferas da administração pública (federal, estadual e municipal) e todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Qual é o prazo para fornecer os dados solicitados?

Os órgãos têm 30 dias para disponibilizar qualquer informação não sigilosa.

E se for negado?

O cidadão poderá recorrer administrativamente. No caso do governo federal, o recurso será à Controladoria-Geral da União. Nos outros casos, depende de regulamentação local.

Quais são as informações sigilosas?

A lei define que há poucos motivos para uma informação ser sigilosa. Por exemplo, se houver risco para a segurança do país. No máximo, o sigilo pode durar 50 anos.

O despreparo dos funcionários públicos é visto pela Corregedoria-Geral da União (CGU) como um dos principais entraves para que a Lei de Acesso a Informações passe a funcionar plenamente no país. Sancionada pela presidente Dilma Rousseff no mês passado, a lei passa a vigorar em maio e permite que qualquer cidadão peça quaisquer dados a órgãos públicos brasileiros.Pesquisa feita pela CGU com o funcionalismo, porém, mostra que os servidores, principais encarregados de prestar o serviço, ainda estão longe de entender o espírito da lei. Quando questionados sobre a ideia geral da legislação, dizem concordar. Mas se confrontados com simulações de possíveis pedidos de informações, passam a mostrar discordâncias.

A lei determina, por exemplo, que o cidadão não precisa em nenhum momento justificar o seu pedido de dados. Os servidores que responderam ao questionário, em teoria, concordaram. Mas quando a pergunta era aprofundada, diziam que era necessário perguntar a razão pela qual a pessoa queria aquelas informações. "Na prática, os servidores revelam que (...) estão habituados a indagar os motivos dos solicitantes, visto que estes às vezes pedem informações que não lhes dizem respeito", diz o relatório da CGU. Responderam ao questionário 986 servidores.

Para Vânia Vieira, diretora de prevenção da corrupção da CGU, a "mudança de cultura" do funcionalismo é essencial para que a lei tenha bons resultados. "Um dos pontos fundamentais da lei é justamente o fato de não haver exigência de motivo para os pedidos. Se a informação é pública, o cidadão pode solicitá-la", afirmou a diretora durante seminário internacional sobre a aplicação da lei em São Paulo, realizado na última segunda-feira. O evento foi promovido pela CGU, Unesco, consulado norte-americano em São Paulo e Associação Nacional de Jornais (ANJ).

Um dos maiores problemas da cultura do funcionalismo, ressaltou Vânia Vieira, é o medo de que as informações sejam mal utilizadas ou deturpadas. Itens como mau uso dos dados pela imprensa e por grupos políticos, vantagens para grupos econômicos ou simples má interpretação dos dados somam mais de 60% das respostas dos funcionários sobre possíveis "desvantagens" da lei.

Especialistas estrangeiros que participaram do seminário afirmaram que a mudança de cultura é realmente o ponto mais sensível da lei. Thomas Blanton, diretor da organização não governamental (ONG) National Security Archive, dos Estados Unidos, diz que a África do Sul, por exemplo, tem a melhor lei do gênero no mundo. No entanto, a lei "não pegou". Jane Kirtley, professora da Universidade do Minnesotta, nos Estados Unidos, concorda que é preciso resolver o problema o mais rapidamente possível. "Mas não vai ser em 180 dias. Talvez nem em 180 anos", disse. Os 180 dias constituem o prazo para a lei brasileira entrar em vigência, após a sanção, em novembro.

Já para o diretor da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, o Estado deve se preocupar mais em fazer a lei funcionar do que em "mudar a cultura". "Não existe isso de convencer as pessoas a seguir a lei. Se não quiser cumprir, não entregar os documentos, que [o servidor] seja demitido", afirmou.

No exterior, legislação melhorou serviços

Quando a Lei de Acesso a Informações Públicas passou no Congresso, falou-se muito sobre os documentos históricos que não poderão mais ficar sob sigilo eterno. E muito se disse também sobre a possibilidade de combater a corrupção por meio do acesso a documentos governamentais. A experiência de outros países que já contam com legislação do gênero, porém, mostra que há ainda um outro benefício, igualmente importante: a sociedade passa a ter melhorias consideráveis em áreas como saúde e educação.

Um exemplo de sucesso da aplicação da lei, por exemplo, vem da Escócia. Lá, uma senhora chamada Michelle Stewart entrou com um pedido de informação para saber por que sua sogra havia morrido em um hospital, já que o prognóstico da doença dela não previa complicações graves. Tendo acesso ao prontuário, descobriu que a causa da morte não havia sido a doença, e sim uma infecção contraída no próprio hospital. Quando o caso veio à tona, mais 25 pessoas que tiveram pessoas próximas mortas naquele hospital solicitaram o mesmo e acabaram descobrindo a mesma causa.

Kevin Dunion, comissário responsável por julgar os recursos de quem está tendo dificuldade em acessar esse tipo de documentos na Escócia, participou na última semana do seminário internacional em São Paulo sobre leis desse gênero ao redor do mundo. Dunion foi um dos que chamaram a atenção para o uso da lei no dia a dia.

"Uma de minhas decisões mais polêmicas foi liberar o acesso ao índice de mortes de cada cirurgião do país", contou. Outra mudança, desta vez na área da educação: o governo vinha adotando uma política de fechar escolas em pequenos vilarejos; e a população dessas áreas rurais protocolou um pedido para saber quais eram os dados demográficos que embasavam as decisões. A resposta foi de que não havia esses dados. E o fato de a decisão ser aleatória fortaleceu a luta das comunidades para manter as escolas.

Thomas Blanton, diretor da ONG norte-americana National Security Archive, especializada em usar a lei dos EUA de acesso a informações públicas, coleta exemplos ao redor do mundo de como legislações do gênero podem ser positivas. "Na Índia, por exemplo, um instrumento que ajudou foi o fato de o funcionário ter de pagar multa caso não entregue as informações em 30 dias", disse.

Segundo Blanton, o medo da multa, por exemplo, resolveu o problema de uma moradora de um bairro pobre da capital indiana, Nova Délhi. "A moça pediu informações sobre o porquê de não haver água corrente na região. Como não conseguiam os documentos que justificassem, no 29.º dia apareceram encanadores da prefeitura e consertaram o problema", conta Blanton.

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Interatividade

A Lei de Acesso a Informações Públicas vai "pegar"? Por quê?

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