
Dois funcionários da Câmara Municipal de Curitiba que trabalhavam para o vereador João Cláudio Derosso no gabinete da presidência comandaram uma rede de empresas que prestou serviço de publicidade para a Casa de forma ilegal. Documentos a que a reportagem da Gazeta do Povo e da RPC TV tiveram acesso mostram que o casal Antônio Carlos Massinhan e Francely Villagra assinou recibos em nome de cinco diferentes empresas subcontratadas pelas agências Visão Publicidade e Oficina da Notícia. As duas agências prestavam serviços de publicidade à Câmara. A Lei de Licitações não permite que servidores públicos participem, direta ou indiretamente, da execução de contratos com instituições públicas. A legislação veda até mesmo as subcontratações.
DOCUMENTOS: Recibos mostram que empresa subcontratou editora dos mesmos donos
Ao todo, Massinhan e Francely assinaram recibos no valor de, pelo menos, R$ 116 mil pelas empresas subcontratadas. Esse valor pode ser maior, uma vez que os documentos analisados pela reportagem se referem à execução de menos de 10% dos R$ 34 milhões que a Câmara destinou à publicidade nos últimos cinco anos.
No período em que assinaram os recibos, o Massinhan e Francely trabalhavam para Derosso no gabinete da presidência. Os dois são funcionários municipais de carreira ele cedido pela Urbs e ela pelo Ippuc à Câmara.
Empresas
Nos documentos a que a reportagem teve acesso, assinaturas de Massinhan e Francely aparecem em recibos de pagamento das empresas Real Time Produtora Ltda, RGM Produções e Eventos, Siroti Vídeo Produções S/C Ltda, Halama Produções Ltda e PhotoMacro Comércio de Máquinas e Equipamentos Fotográficos Ltda ME. A Real Time e a RGM pertencem à família Massinhan.
A Real Time foi aberta em maio de 2007 por Rodrigo e Gustavo, filhos de Massinhan e Francely. A empresa funciona na casa da família,em Pinhais. Já a RGM, que está fechada, pertencia à Suely Machado Villagra, mãe de Francely. No registro da empresa na Junta Comercial consta um endereço que não foi encontrado.
No endereço onde funcionava a Siroti, a reportagem encontrou Neide Moreira, que foi sócia do ex-marido Sinézio Carlos Siroti até 2007. As declarações dela levantam suspeitas sobre um possível direcionamento de licitação da Câmara para beneficiar a Real Time e sobre um suposto esquema de emissão de notas frias.
A Gazeta do Povo e a RPC TV ainda estiveram na sede da Halama, que está fechada, e na loja da PhotoMacro. Ozeas Halama, da Halama Produções, e Altair Nienkotter, da PhotoMacro, disseram que não prestaram serviço diretamente para a Câmara e nunca tiveram contato com as agências Visão ou Oficina da Notícia.
Eles declararam que prestavam serviço diretamente para Antônio Massinhan, para quem emitiam notas fiscais e de quem recebiam pagamento pelo serviço. Ozeas afirmou que autorizou Antônio Massinham a buscar o pagamento. Já Altair disse desconhecer o fato.
Outro ladoFuncionária diz que recebia pagamentos por camaradagem
Uma das responsáveis por assinar recibos de pagamento de empresas que foram subcontratadas para prestar serviços de publicidade à Câmara Municipal de Curitiba, Francely Villagra admitiu que ela e o marido, Antônio Carlos Massinhan, assinavam recibos para outras empresas e pegavam o pagamento para elas. Segundo Francely, isso era feito por uma questão de camaradagem.
"Como eu ia perto [do local onde buscava os pagamentos] às vezes ele [o dono da empresa] dizia para eu pegar [o pagamento]. Tipo assim, uma gentileza. Uma camaradagem", disse Francely, que falou em nome dela e do marido, o qual não conversou com a reportagem por estar com problemas de saúde.
Sobre o trabalho na Câmara, Francely confirmou que trabalhou na presidência da Câmara Municipal. De acordo com a servidora, atualmente ela está lotada no gabinete do vereador João Cláudio Derosso (PSDB), ex-presidente da Casa. "Trabalhei na presidência e agora estou no gabinete dele [do Derosso]. Trabalhava fazendo os discursos dele".
A informação, no entanto, foi negada pelo ex-presidente da Casa. "A Francely não está no meu gabinete. Ela e o marido estão na Câmara desde 2009, na presidência da Câmara", afirmou Derosso. A reportagem solicitou à Câmara informações sobre a lotação de Francely e Massinhan, mas até o fechamento desta edição a solicitação não havia sido atendida.
Derosso disse que desconhecia o fato. Declarou apenas que sabia que o filho do casal Rodrigo Massinhan era dono de uma empresa de vídeo.
Agências
O advogado Marcello Lombardi, que representa a agência Oficina de Notícia, disse que não é função da empresa fiscalizar a destinação da verba após o pagamento ser feito. "Para a Oficina da Notícia o cumprimento do objeto [do contrato] é entrega do serviço", disse. Para Lombardi, essa fiscalização caberia à Câmara de Curitiba.
A reportagem procurou o empresário Adalberto Gelbecke, dono da agência Visão Publicidade. Ele disse que preferia não se manifestar sobre o assunto.
As empresas Oficina da Notícia e Editora Túnel pertencem aos mesmos donos: Cláudia Queiroz e Nelson Gonçalves dos Santos, mulher e sogro do ex-presidente da Câmara João Cláudio Derosso.
A Oficina da Notícia contratou os serviços da Editora Túnel. Documentos mostram o sócio Nelson Gonçalves dos Santos assinando recibos de pagamento vindos da Oficina para a Túnel.
A ponta do iceberg - Menos de 10%: A série Negócio Fechado é fruto de um trabalho de investigação feito por repórteres da Gazeta do Povo e da RPC TV. Durante três meses, a equipe de jornalistas montou uma base de dados com informações contidas em mais de 10 mil páginas referentes à execução do contrato de publicidade da Câmara Municipal de Curitiba. A documentação consultada representa menos de 10% dos R$ 34 milhões gastos com propaganda pelo Legislativo. A reportagem analisou notas fiscais, recibos, contratos, certidões e cópias dos serviços prestados por empresas subcontratadas pelas agências Visão Publicidade e Oficina da Notícia, que venceram a licitação de publicidade da Casa.



