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"Podemos dizer que a modernização neoliberal se deu bem com o atraso do fisiologismo da política brasileira". É com essa frase que o sociólogo Élsio Lenardão, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL), inicia uma exploração da anatomia do escândalo do "mensalão", o suposto pagamento pelo PT de mesada para que os deputados do PP e do PL votassem junto com o governo. Para Lenardão, as práticas atrasadas herdadas do patrimonialismo têm uma relação de funcionalidade com a implantação do projeto neoliberal. Ele vê essa relação funcional na raiz do escândalo de corrupção que tem como pano de fundo a tentativa de formação de maioria no Congresso para aprovar a agenda do governo.

"Para explicar isso com cuidado, temos que dar uma olhada em como se monta o jogo político nos últimos 20 anos", alerta o sociólogo, lembrando que a implantação do projeto neoliberal requereu governos fortes para suportar a pressão social contra medidas impopulares. Nesse sentido, seriam necessários governos que tivessem autonomia com relação aos demais poderes (Legislativo e Judiciário).

Em alguns casos, como o do Peru, a saída dos setores que aderiam ao projeto neoliberal para garantir a sua implantação foi o golpe de Estado. Ironicamente, a crise que derrubou o ex-presidente peruano Alberto Fujimori, que ficou 10 anos no poder, começou com a divulgação de um vídeo no qual um de seus assessores mais próximos, Vladimiro Montesinos, era visto oferecendo US$ 15 mil para que um deputado da oposição passasse para a bancada do governo.

"Pacto conservador"

No caso brasileiro, Lenardão afirma que a opção dos defensores do projeto neoliberal foi por um "pacto conservador". Esse pacto envolvendo oligarquias de todas as regiões permitiria que o Executivo controlasse o Legislativo através de métodos fisiológicos. Dessa forma foi possível controlar o Congresso para aprovar as reformas neoliberais, aproveitando a postura de parlamentares ligados às oligarquias e acostumados a práticas como a apropriação de benefícios do Estado de maneira privada. Essa prática ancestral facilitaria a cooptação de parlamentares, desde que o Executivo atendesse algumas demandas pequenas que estão ligadas à reprodução eleitoral desses políticos.

"São parlamentares nascidos, criados e alimentados com práticas de clientelas nas suas bases eleitorais, especialmente nos municípios", explica Lenardão.

O novo pacto começa a ser desenhado no governo de Fernando Collor de Mello, que deu início às reformas neoliberais. Collor não concluiu o mandato, mas a vitória do PSDB nas eleições de 1994 manteve a agenda. E o novo pacto.

"O governo FHC (1995–2002) fez uma opção consciente, ao montar uma relação do Executivo com o Legislativo baseada na cooptação fisiológica e sabendo que esse modelo seria adequado para implantar e tocar as reformas previstas no programa neoliberal", explica o sociólogo.

Lenardão vê como natural a manutenção do pacto conservador, mesmo com a chegada ao poder do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Apesar da expectativa de mudança gerada pelo primeiro governo de esquerda da História do país, a agenda neoliberal é mantida. "Não é uma grande novidade ver a presença dessa forma de relação entre Executivo e Legislativo no governo Lula, se lembrarmos que é um governo de continuidade", assinala.

Montagem

Na visão do sociólogo, a articulação do novo pacto conservador é uma resposta das elites ao crescimento dos movimentos sociais, no decorrer da década de 1980. "Nós tínhamos a impressão de que o jogo político estaria incluindo novas forças ligadas aos trabalhadores e às classes populares", afirma Lenardão, lembrando que esse avanço se cristalizou na Constituição de 1988. Na avaliação dele essa Constituição "incorporou alguns interesses de classe dos trabalhadores", como "a previsão de mecanismos de extensão da participação política, nos termos de participação popular".

"Esse cenário também ajuda a explicar a opção (pelos setores comprometidos com o projeto neoliberal) pelo pacto conservador, já que esse cenário significa para esses setores a ameaça de ter que incluir na arena política a participação das classes populares e das suas organizações", justifica.

Reapropriação

Para os grupos que assumiram a implantação da agenda, o pacto conservador teria "a vantagem de não exigir uma reinvenção da política de relação entre Executivo e Legislativo". "Foi só uma reapropriação de procedimentos bem conhecidos no Brasil, herdados do sistema patrimonialista, mas ainda bastante vivos nas localidades", enfatiza Lenardão.

"O que é interessante para explicar a sobrevivência de práticas políticas atrasadas é a presença no pacto, de forças políticas sempre associadas a práticas de fisiologismo, de clientelismo e de tipo patrimonialista, que é a manutenção de uma relação de apropriação dos recursos do Estado", explica Lenardão.

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