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Um lugar tranqüilo, arejado e com vista para um jardim no andar mais alto do condomínio. Depois de três anos de espera, a dona-de-casa Geraldina da Conceição Mesa, de 64 anos, conseguiu o apartamento 322 para morar "até quando Deus quiser".

Ela é uma das centenas de moradores selecionados para a Vila dos Idosos, conjunto habitacional construído pela Prefeitura no bairro do Pari, na região central de São Paulo. Inédito, segundo a administração municipal, o empreendimento será inaugurado domingo (19).

O novo teto é mais do que um local sossegado. É a garantia de segurança. "Onde eu morava tinha muita droga, muito traficante, muito barulho. Eu fiquei doente dos nervos. Se ficasse, ia morrer mais depressa", contou a baiana Geraldina, que morou por três anos com o marido, o camelô Miguel Mesa Martins, de 70, em uma favela no Bom Retiro, na região central.

"Hoje eu consigo até dormir direito. A noite passa rapidinho", disse ela, ainda tentando colocar em ordem a casa de um quarto, sala, banheiro e cozinha. O casal se mudou para o condomínio na terça-feira (14).

Executado pela Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab), o projeto de locação social é destinado a pessoas com mais de 65 anos que morem na capital há pelo menos quatro anos e ganhem até três salários mínimos.

A Vila dos Idosos tem 145 apartamentos, divididos em três pavimentos. O primeiro, com 88 quitinetes de 29m², é preferencial para os moradores com alguma deficiência, dificuldade de locomoção ou que morem sozinhos. Os outros 57 imóveis, de um quarto, têm 43m². Nenhum deles pode ser comprado, só alugado.

Tudo foi planejado para oferecer melhor qualidade de vida a quem quer sossego. Elevadores ajudam aqueles que não conseguem subir as escadas. Em cada andar há um salão com espaço para assistir à televisão ou jogar cartas. Nos banheiros, barras nas paredes para dar mais segurança e evitar acidentes. Mas o que deixou os novos moradores animados foi a área de lazer: jardim com chafariz, espaço para horta comunitária e até campo de bocha, esporte praticado normalmente por pessoas de idade.

"Um conjunto habitacional convencional teria uma quadra de futebol. Queremos promover uma integração e oferecer melhor qualidade de vida aos moradores", disse o superintendente de obras da Cohab, o arquiteto João Alberto Cantero.

Planejamento

De acordo com ele, o condomínio foi todo planejado para os maiores de 65. A começar pelos elevadores e pelos salões. "Como temos muitas unidades (apartamentos), para as pessoas não se deslocarem muito, pensamos na área comunitária em cada andar", afirmou Cantero.

Mas o isolamento não está nos planos de Ylídia Ruggiero, de 79 anos. "Vamos organizar grupos de caminhada", adiantou a aposentada viúva, que não escondeu a felicidade em ser uma das escolhidas.

"Comecei essa luta (pela moradia popular) há oito anos. Estou muito feliz. Isso aqui para mim é o paraíso. Nunca tive uma casa bonita como essa", contou ela, apresentando sua quitinete ainda em acabamento. "Falta colocar o piso e pintar o teto", disse Ylídia, que terá como vizinha, duas portas adiante, a irmã Fausta Viggiani, de 81 anos.

"Morar junto com ela não dá certo. Cada uma tem a sua privacidade", contou Fausta, também viúva. "Perdi meu marido há quatro anos. Agora, quero desfrutar disso aqui, ficar perto de gente igual a mim". E não faltarão amigos. Muitos velhinhos vieram do Edifício São Vito, um complexo no Centro de São Paulo com 624 apartamento e 27 andares, que pelo estado de degradação, foi esvaziado pela prefeitura.

É o caso da mineira Sebastiana Rodrigues, de 75 anos, que se disse animada com a nova casa. "O prédio lá está muito abandonado. Esse aqui parece prédio de lugar de praia", imaginou a aposentada, que vai morar sozinha. "Mas até aceitaria dividir com alguém", afirmou ela, enquanto tomava sol em frente à pista de bocha.

Ao seu lado, sentou-se o tímido Miguel Martins, marido de dona Geraldina, que veio em seguida. Os três trocaram algumas palavras e aceitaram posar para uma foto. "Já fiz um monte de amigos", disse Geraldina, sempre agitada.

Custos

A Vila dos Idosos tem a pretensão de ser uma moradia barata. O preço do aluguel depende da renda do morador, mas a maioria pagará 25% do salário mínimo (hoje em R$ 380). Também terão de arcar com as despesas de água, luz, gás e condomínio, avaliado em R$ 40. Como o foco são as pessoas com mais de 65 anos, se o único idoso da casa morrer, toda a família terá de se mudar. Isso porque a procura é grande.

Dados da Secretaria Municipal de Habitação mostram que o número de inscritos superou muito as 145 vagas disponíveis. Foram mais de cinco mil pessoas na fila . Além de um teto, a prefeitura também pretende levar cultura aos idosos. Junto à vila, há uma biblioteca que poderá ser usada pelos novos moradores.

Mesmo com a festa de inauguração marcada para o domingo (19), ainda há muito o que fazer na Vila dos Idosos. A pintura está inacabada nas áreas comuns, falta instalar o gás em alguns apartamentos e decorar o local, ainda nas cores preto e branco. Apesar disso, os novos e animados moradores chegam aos poucos.

Nos corredores, móveis, material de construção e roupas por guardar. Há quem toque uma viola enquanto arruma a casa, como um senhor fazia. Dona Geraldina prefere a própria poesia. "A solidão é muito triste. É como jardim sem flor. A solidão é traiçoeira. Mata o coração da gente. Eu vou jogar o sol para lá. Quero um companheiro para amar", declamou a baiana.

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