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Hermas (esq.), Fernando Guimarães (centro) e Artagão: os dois conselheiros das pontas participaram de julgamentos em que, por lei, deveriam ter se declarado impedidos | Daniel Derevecki/Gazeta do Povo
Hermas (esq.), Fernando Guimarães (centro) e Artagão: os dois conselheiros das pontas participaram de julgamentos em que, por lei, deveriam ter se declarado impedidos| Foto: Daniel Derevecki/Gazeta do Povo

Norma do Paraná é questionada no Supremo

A discussão em torno do artigo 140 – e de outros dispositivos – da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado (TC) vem desde 2005, quando a matéria ainda estava em votação na Assembleia Legis­lativa do Paraná. Depois de a proposta ser aprovada pelos deputados, o então governador Roberto Requião (PMDB) vetou trechos polêmicos do texto, incluindo artigo 140. Mas os vetos foram derrubados pelos parlamentares. Curiosamente, o presidente do Legislativo estadual à época era justamente Hermas Brandão, que pode ter sua atuação como conselheiro questionada judicialmente por descumprir uma medida que defendeu quando era deputado.

As divergências em torno do tema chegaram ao Su­premo Tribunal Federal (STF) no ano seguinte. Em outubro de 2006, a Associação dos Mem­bros dos Tribunais de Con­tas do Brasil (Atricon) propôs uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) para derrubar vários artigos da Lei Orgânica do TC, entre eles o 140.

Para a entidade, os impedimentos aos membros dos tribunais de contais devem ser os mesmos dos membros da magistratura, conforme prevê a Constituição. Por­tanto, argumenta a associação, a questão deve ser tratada pela Lei Orgânica da Magis­tratura (Loman), que só pode ser alterada em âmbito federal. "Logo, uma lei estadual que aumente as hipóteses de impedimento certamente extrapola o seu campo de incidência", diz a Adin.

A Atricon defende ainda que o texto estadual utilizou critérios desproporcionais ao estabelecer como limitador 1% dos votos válidos em um município, pois "o porcentual é baixo, englobando praticamente todos os candidatos".

Manifestações

No processo, porém, a Advo­cacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) deram pareceres contrários ao pedido da Atricon. Na visão da AGU, além de a associação não ter legitimidade para propor a Adin, a norma estadual que trata do TC paranaense não ofende a Constituição. "[O texto] visa garantir a imparcialidade do membro do Tribunal de Contas e a prevalência do interesse público", argumenta a AGU.

Da mesma forma, a PGR afirma que, se houve excesso na elaboração da lei, foi um excesso de "precaução" para garantir a "higidez na fiscalização". "Não se pode conceber o afastamento de uma norma cujo objetivo é primordialmente garantir a imparcialidade dos julgamentos", argumenta a procuradoria. Relatada pelo ministro Dias Toffoli, a Adin aguarda julgamento em plenário desde outubro de 2012.

Função do TC

O TC é responsável por fiscalizar o uso do dinheiro público pelo governo do estado, prefeituras, Assembleia, câmaras municipais e entidades que recebem verbas públicas. Se as contas forem reprovada, pode impor sanções.

Prefeitos de várias cidades do Paraná estão estudando a possibilidade de ingressar na Justiça contra o Tribunal de Contas do Estado (TC). Eles pretendem anular dezenas – talvez centenas – de julgamentos que desrespeitaram a regra da Lei Orgânica do TC segundo a qual conselheiros não podem participar de decisões envolvendo municípios em que parentes deles tiveram pelo menos 1% de votos nas eleições. A irregularidade envolve o atual presidente do tribunal, Artagão de Mattos Leão, e o conselheiro aposentado Hermas Brandão. Uma eventual decisão judicial a favor das prefeituras pode instalar o caos no tribunal.

Conjunto de normas que regula o funcionamento do TC, a Lei Orgânica é clara, no artigo 140, ao proibir que conselheiros exerçam "suas funções nos processos de qualquer natureza" que envolvam municípios onde um cônjuge ou parente de até segundo grau seja detentor de mandato eletivo. O mesmo vale para casos em que a pessoa tenha recebido 1% ou mais de votos em uma disputa eleitoral. Pelo texto, o próprio conselheiro deverá se declarar impedido quando ocorrer esse tipo de situação, "caracterizando a não declaração cometimento de falta grave".

Dos atuais sete conselheiros do tribunal, dois se enquadram na restrição. Arta­gão é pai do deputado estadual Arta­gão Jr. (PMDB), enquanto Her­mas – que se aposentou no ano passado – é pai de Hermas Jr. (PSB) e avô de Evan­dro Jr. (PSDB), ambos exercendo mandato na Assem­bleia Legis­lativa.

Por enquanto, nenhum prefeito fala abertamente sobre a intenção de resolver o problema na Justiça. Nos bastidores, entretanto, eles não escondem o desejo de "dar o troco" no TC – de quem reiteradamente cobram mais flexibilidade para a prestação de contas – e ver anulada uma série de julgamentos com resultado adverso aos municípios. "Isso aí vai dar um pepino enorme", prevê um deputado estadual da base aliada, com quem os gestores municipais já abordaram o tema.

Irregularidades

Na eleição de 2010, Ar­tagão Jr. recebeu mais de 1% dos votos válidos em 67 cidades paranaenses. Pela legislação, o pai dele não poderia participar de nenhum julgamento envolvendo esses municípios durante os quatro anos de mandato do peemedebista. Apesar disso, o atual presidente do TC foi designado, por exemplo, como relator das contas de 2011 de quatro dessas prefeituras: Cruzeiro do Iguaçu, Itaúna do Sul, Mallet e Uniflor.

Já Hermas Brandão, durante a atual legislatura da Assembleia, não poderia ter se envolvido em julgamentos de 50 cidades por causa do neto e de outras 63 por causa do filho. Enquanto estava no TC, porém, ele relatou as contas de 2011 do município de Reserva, apesar de Hermas Jr. ter recebido 4,39% dos votos para deputado do município no pleito de 2010.

Além disso, no caso de ambos, deve-se levar em conta também as dezenas de julgamentos semanais do Pleno do tribunal em que os dois participaram dando seu voto – sem se declararem impedidos –, não apenas em relação às contas das prefeituras, mas também envolvendo câmaras de vereadores, autarquias, fundações, institutos.

Tribunal diz não seguir a regra por considerá-la inconstitucional

Por meio de nota, o Tribunal de Contas do Estado (TC) informou que, desde a sessão do pleno realizada em maio de 2006, deixou de aplicar a restrição imposta pelo artigo 140 de sua Lei Orgânica por considerá-la inconstitucional. Para tomar a decisão, os conselheiros à época se basearam na súmula 347 do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual "o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público". Também foi levada em conta a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) ajuizada no STF pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon).

Na mesma nota, o conselheiro Artagão de Mattos Leão informou que, na condição de presidente do TC, não participa do julgamento de prestações de contas desde janeiro de 2013. Portanto, não teria "qualquer relação com a emissão de pareceres técnicos acerca das contas das prefeituras municipais ou de aprovações ou desaprovações de contas de câmaras municipais". Procurado por telefone, o ex-conselheiro Hermas Brandão não foi encontrado para comentar o assunto.

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