
A desigualdade extrema entre ricos e pobres pode ser uma das explicações para os altos índices de violência e drogadição juvenil em Curitiba. Dados do Mapa da Violência, da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), colocam a capital paranaense entre os sete municípios mais violentos do Brasil. A Secretaria de Estado de Segurança Pública embora conteste os métodos de aferição da Ritla informa que 56% dos 589 homicídios dolosos registrados em 2007 foram praticados por traficantes. Os usuários são quase 40% das vítimas, reforçando as ligações entre violência, tráfico e drogadição.
Em matéria publicada pela Gazeta do Povo, no último domingo, mostrou-se que os bairros mais violentos Cajuru, CIC, Sítio Cercado, Uberaba e Tatuquara são também os mais pobres, chamando atenção para a exposição das comunidades carentes ao tráfico e à criminalidade em geral. O assunto é polêmico, pois se entendido de maneira enviesada pode reforçar o preconceito das classes médias para com as comunidades carentes.
Para não incorrer nesse risco, é preciso considerar a renda, escolaridade, urbanização e condições de moradia nas áreas mais empobrecidas da capital como terreno propício à entrada do crime organizado. De acordo com dados do Ipardes, 42,6 mil famílias curitibanas vivem em situação crítica, ou seja, com menos de meio salário mínimo per capita ao mês. Dessas, de acordo com a Fundação de Ação Social, 355.611 famílias recebem Bolsa Família e participam de programas, como o de erradicação de trabalho infantil (Peti) e Agente Jovem.
O número de desvalidos pode ser menor do que em outras capitais brasileiras, mas a distância entre ricos e pobres no Paraná é gritante. A renda média do Tatuquara, por exemplo, é dez vezes menor que a do Batel. Em entrevista anterior à Gazeta do Povo, o sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, da Ritla, declarou que a desigualdade costuma ser respondida com rebeldia. O fenômeno do jovem envolvido com o mundo do crime é mais comum em lugares de alto contraste social do que em áreas mais homogêneas, como o Maranhão e o Piauí.
Em Curitiba, a situação pode estar sendo agravada pelo aumento da população acima da média de bairros mais pobres. O índice de crescimento da capital é de 1,8% ao ano, de acordo com estudo recente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippuc), mas esteve na casa dos 5,3% entre 1970 e 1980, quando o inchaço extrapolou a capacidade das políticas públicas. Hoje, um bairro como o Sítio Cercado ainda recebe cerca de 1,2 mil moradores ao ano e moradores com renda baixa, com altas necessidades de atendimento por parte da prefeitura, como creches, escolas e unidades de saúde.
Em bairros como o Tatuquara o mais pobre da capital o crescimento populacional ainda é assombroso, chegando a quase 4% algo próximo de 2 mil pessoas ao ano. A crítica dos movimentos sociais à prefeitura, inclusive, é que todos os problemas de Curitiba têm sido empurrados para aquela região, desrespeitando o Estatuto da Cidade, cujo espírito de lei é mesclar camadas diferentes da população em diferentes lugares, em vez de segregá-las a áreas longínquas e sem estrututura.
O advogado Vinícius Gessolo, da ONG Terra de Direitos ligada ao setor de habitação popular diz que a "tatuquarização" da cidade visa atender aos interesses do mercado imobiliário e não ao direito universal de moradia. "A grande mentira de Curitiba é que a cidade garante casa para as pessoas", critica, lembrando que o Tatuquara nem sequer tem infra-estrutura para receber tanta gente. A prefeitura, por meio do Ippuc, se defende alegando que se trata de uma área nova, com espaço para crescer, e com poucos entraves ambientais
Para os moradores do Tatuquara, o problema é o mesmo das antigas Cohabs: lidar com as distâncias e com o que elas implicam. A reportagem deste domingo da série Retratos de Curitiba mostrou o drama da família de Manoel da Silva. Ele, a mulher Zilda Rosa e os quatro filhos saíram de uma zona de ocupação no Uberaba para uma casa da Cohab. Mas por falta de recursos pensam em voltar para a zona favelizada, já que em áreas mais urbanizadas há papel para catar .
Vizinha de Manoel, a desempregada Bernadete Gonçalves representa uma nova categoria do bairro os que cansaram de morar em ocupações irregulares e reivindicam a posse de casas populares desocupadas. Ela, o marido Everton, e as filhas Ellen e Jennifer, de 12 e 7 anos, fazem parte das sete famílias que ocuparam construções vazias do Moradias Monteiro Lobato, no limite do bairro. Os Gonçalves e os Silva são amigos, mas têm relações antagônicas com o Tatuquara.
A região é malcheirosa, poluída e empoeirada, mas para Bernadete nem se compara à favela onde teve de morar, na Rodovia do Xisto. Ao saber que havia uma casa abandonada no Tatuquara, não pensou duas vezes. "Cadê o dono? Como ele se chama? Não veio. Sinal de que não queria, como acontece muito", diz ela, que ocupa a construção 16 da Rua Angelina Berton vizinha do muro da Sanepar, onde o odor que maltrata os tatuquarenses é ainda mais insuportável.
"Nasci em Porto Amazonas, e nunca tinha passado privação na minha vida. De repente me vi num barraco, com enchente na porta e perigo para minhas filhas. O descaso dos governantes com a gente é impressionante. Eu trabalho, cuido bem das meninas. Só falta um teto que seja meu", comenta a mulher diante da casa asseada, mas com as janelas fechadas com papelão e porta improvisada. Foi preciso arremediar até que o acerto com a Cohab seja resolvido. Diferentemente de Manoel, ela não tem saudade da ocupação, mas teme o despejo.
Em tempo
Um ponto do Centro de Curitiba serve de laboratório para avaliar os índice de pobreza na cidade e na região metropolitana a Praça Rui Barbosa. A região é conhecida por abrigar alguns grupos de crianças, adolescentes e adultos em situação de rua. Mas às terças-feiras a praça é povoada por levas de famílias pobres, vindas das periferias, em busca de cestas básicas, pão e leite distribuídos pela Pia União de Santo Antônio, grupo ligado à Paróquia do Bom Jesus. A estimativa das organizadoras é que pelo menos mil pessoas recebem comida do programa a cada semana, embora o número de cadastrados não ultrapasse 180.



