
Começou em clima quente o segundo dia do julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá se aceita ou não a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra os 40 acusados de operar o mensalão. Antes de entrar no plenário da Corte, o ministro Eros Grau, que teve o suposto voto vazado em diálogo por e-mail entre os colegas Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia, manifestou irritação com os dois ministros. A conversa foi revelada na edição desta quinta-feira do jornal "O Globo".
- Perguntem ao ministro Lewandowski. Ele é que sabe tudo. Perguntem à Carmen Lúcia - desabafou Eros Grau.
O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, fazia a sustentação oral da acusação, na quarta-feira, quando os dois ministros iniciariam um bate-papo pela intranet.
Nesta quinta, ao começar a defender o ex-deputado Roberto Jefferson, o advogado Luiz Francisco Barbosa citou a reportagem, para constrangimento dos ministros, como relata Ricardo Noblat em seu blog . Outros advogados comemoraram o fato de que alguns ministros cogitam rejeitar em parte a denúncia . A conversa, que durou horas e foi captada pelas lentes dos fotógrafos que acompanhavam o julgamento, contém indícios de que os dois ministros pretendem rejeitar parte da denúncia, desqualificando crimes imputados pelo Ministério Público a alguns dos acusados.
Numa das mensagens trocadas durante a sessão desta quarta-feira, Carmen Lúcia disse a Lewandowski, referindo-se ao ministro: "O Cupido acaba de afirmar aqui do lado que não vai aceitar nada". Eros Grau não confirmou a informação de que votaria pela rejeição da denúncia. Preferiu fazer críticas à imprensa e aos colegas:
- Nunca vi isso acontecer nesse tribunal. Nem a imprensa entrar e interceptar correspondências, nem esse tipo de diálogo.
O ministro Ayres Britto, por sua vez, nega que haja combinação de votos no julgamento. Para o ministro, trocar mensagens eletrônicas durante a sessão faz "parte de uma rotina dos ministros, trocamos impressões, não adiantamos voto nenhum".
- Às vezes, a sessão é muito demorada, muito tensa e nós trocamos algumas impressões, mas ninguém adianta voto para ninguém. Quando um juiz decide, ele decide solitariamente, sentadinho no tribunal da sua própria consciência - afirmou.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, ao lado do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, durante segundo dia do julgamento sobre a denúncia do mensalão - Agência Brasil Nas mensagens há referências a até um possível reflexo do julgamento na sucessão do ministro Sepúlveda Pertence (aposentado recentemente), reclamações sobre o novo presidente da 1 ª Turma do STF, Marco Aurélio de Mello, e declarações sobre o poder de influenciar, no próximos três anos, decisões entre os distintos grupos que compõem o tribunal.
Marco Aurélio não vê problema na revelação de que Carmen Lúcia e Lewandowski estariam combinando votos, que considera ser uma questão de foro íntimo.
- Eu, como juiz, não costumo discutir o meu voto, mas penso que é uma questão de foro íntimo.
O ministro do Supremo reagiu com bom humor ao fato de os dois colegas terem reclamado dele, que é o novo chefe da primeira turma do tribunal.
- Quanto à referência feita a minha pessoa, penso que saí bem na fotografia. Eu busco o cumprimento do dever - afirmou.
O ministro disse ainda considerar muito prematuro falar em anulação do julgamento:
- Não sei, é muito cedo.
OAB e Jobim criticam divulgação dos e-mails
Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) condena a divulgação dos e-mails trocados pelos ministros do Supremo. O presidente nacional da entidade, Cezar Britto, argumenta que não há ilegalidade na troca de "impressões reservadas" e "em âmbito estrito e pessoal" entre os magistrados. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, que foi presidente do STF, também criticou . Jobim não viu indícios de irregularidades nas conversas dos dois ministros.
- É lamentável que isso tenha ocorrido, não a troca de informações, mas o fato da interceptação de comunicações que foram realizadas pela imprensa - afirmou.
Já o jornalista Alberto Dines, editor do Observatório da Imprensa, afirmou que os ministros que reclamam de invasão de privacidade é que deveriam tomar cuidado com o que escrevem em sessões públicas no órgão. O ministro da Justiça, Tarso Genro, não quis comentar o caso:
- A manifestação sobre o assunto deve ser do próprio Supremo.
Líder do PPS demonstra estranheza; Chinaglia acha normal
A troca de e-mails repercutiu nesta quinta-feira no Congresso. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), considerou o fato de extrema gravidade e que agora os ministros precisam vir a público explicar o teor de suas conversas:
- O fato de estar combinando votos revela extrema gravidade e exige uma explicação urgente. Pela reverência que tenho pela suprema corte do país, é importante que essa explicação venha logo - disse o tucano.
O líder tucano acredita que o julgamento do mensalão fica comprometido com a revelação das conversas entre os ministros.
- Estamos diante de um escândalo (mensalão) e agora a votação fica sob suspeita - afirmou.
O líder do PSB na Câmara, Márcio França (SP), afirmou que teme que haja um prejulgamento por parte dos magistrados quanto ao caso do mensalão.
- Se ficar comprovado qulquer tipo de prejulgamento, é ruim. É esperada a isenção dos juízes antes do julgamento e, se isso levar a indicação de algum ministro, é muito pior. À medida que as partes arguirem qualquer tipo de suspeição, cria-se um impasse jurídico sem precedentes. É princípio do direito que um juiz não pode prejulgar - afirmou o governista.
O líder do PPS na Câmara, Fernando Coruja (SC), manifestou estranheza em relação ao fato.
- É um negócio pelo menos esquisito. As pessoas podem trocar de opinião, mas para achar uma solução jurídica mais adequada. O que não pode é ter influência politico-partidária e espero que isso não aconteça. E acredito que o STF acatará a denúncia, há nela subsídios para acatar - afirmou Coruja.
Já o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), considerou normal a conversa dos ministros. O deputado comparou a troca de mensagens entre os magistrados com uma discussão que médicos fazem sobre casos clínicos para encontrar a melhor solução a ser adotada.
- É da tradição do Supremo os ministros conversarem entre si. Se escolheram fazer via e-mail, deve ser o meio que tinham disponível naquele momento. Me parece normal a troca de e-mail sobre pontos que consideram polêmicos - afirmou o petista.
Para Chinaglia, isso não compromete o julgamento e nem se caracteriza como atitude antiética:
- Isso me remete à discussão de casos clínicos na medicina. Os médicos discutem casos, para tentar fazer o melhor e um complementar a visão do outro. Significa que levam em conta a opinião dos outros.
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e o deputado Osmar Serraglio (PMDB-RS) também minimizaram as conversas.
- Esse tipo de conversa ocorre em todas as Casas, ainda mais no Supremo, que é uma Casa muito mais fechada. Não é nenhum pecado, mas impressiona essas conversas serem divulgadas porque mostra que os ministros não são deuses, são homens. Esse tipo de diálogo é corriqueiro e demonstra como é o dia-a-dia na corte. É uma pena que tenha vindo a público, mas ao mesmo tempo é uma delícia - disse Demóstenes, que é promotor público de carreira.
Já Osmar Serraglio, que é advogado e foi relator da CPI dos Correios, entende ser natural que um ministro sem formação de criminalista tire dúvida com outro.
- Não vejo problema. Um ministro discute tecnicamente uma questão com outro ministro, isso faz parte da normalidade no Supremo, em todas as Casas. Se alguém não é criminalista, tem que esclarecer pontos com outros ministros - afirmou.
Direção da Corte pensou em proibir fotógrafos
O Supremo divulgou nota na tarde desta quinta-feira afirmando que a informação publicada no site do tribunal na noite de quarta, em que comunicava a proibição do acesso dos fotográfos ao plenário, foi "um equívoco". Segundo a nota, o Supremo cogitou restringir a entrada dos profissionais porque os intensos disparos dos flashes causaram "incômodo aos ministros" nos primeiros dias do julgamento.
No entanto, segundo a nota, a presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, decidiu não autorizar nenhuma restrição ao trabalho dos jornalistas. A publicação foi atribuída a erro de um assessor da coordenadoria de imprensa.



