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Impossível andar pelas ruas de Porto Alegre na última semana e não respirar o ar de uma cidade em luto. Difícil não ouvir o assunto sendo discutido em cada esquina. Fácil é encontrar alguém atingido pela tragédia do vôo JJ 3054. Desde parentes diretamente marcados, passando por amigos, colegas e conhecidos das vítimas, até simplesmente pessoas que precisam viajar e não conseguem. Precisam viajar e têm medo.

Diariamente, desde quinta-feira passada, os mortos do vôo JJ 3054 chegam, são recebidos e enterrados. No terraço do aeroporto onde crianças se divertem vendo aviões subindo e descendo, um silêncio seco toma conta cada vez que um caixão passa. Choca a visão de um caixão em um carrinho de bagagem, transportado como mala, atravessando o aeroporto até o terminal desativado onde uma família o aguarda. As crianças pedem explicação e os pais fazem o possível para explicar o que eles mesmos não entendem.

Os que não conseguem se despedir de seus mortos, protestam. O centro da dor é o Aeroporto Internacional Salgado Filho. É lá que eles viram seus familiares pela última vez. Lá que se despediram com um abraço. Disseram "até logo, me liga quando pousar" e ficaram a espera de um telefonema que nunca veio.

Entre as filas de pessoas atrasadas e irritadas com vôos fora de horário e cancelados, eles aparecem. Os parentes, em luto. São reconhecidos pelos olhos vermelhos e inchados. Pelo olhar sem foco, como se observassem um horizonte inexistente. Alguns esperam os corpos. Outros chegam desolados da capital paulista. Muitos protestam. Outros, ainda, simplesmente não sabem mais para onde ir.

"Não sei o que vou fazer, estou sem meu rumo", disse o marido que perdeu a esposa, andando meio perdido pelo check-in da companhia aérea que a levou em seu último vôo. "Não há o que fazer lá", conta outro esposo, ao voltar de São Paulo sem um corpo para enterrar. "Meu Deus, é uma dor muito grande", conta a mãe, ainda tremendo mesmo dias depois da tragédia, carregando uma flor e com olhos fixos na foto da filha.

Porto Alegre é uma cidade em luto, mas a vida não pára. E qualquer pequeno detalhe do cotidiano assusta. Um passageiro em fila derruba uma mala pesada. O barulho, surdo, seco e alto, faz um andar inteiro pular. Pessoas se viram. Jornalistas saem correndo, gravadores e microfones em punho. E o homem pega sua mala do chão, meio envergonhado. Pede desculpas. Não se pode mais fazer barulho no Aeroporto Internacional Salgado Filho.

No meio da multidão, flashes. Muitos. Os passageiros correm para ver o que é, acostumados já com as câmeras dos fotógrafos dos jornais. Será alguma autoridade vindo dar explicações? Algum parente de um morto famoso? E é só um grupo de crianças uniformizadas, felizes por estarem partindo para uma viagem a Disney, fazendo fotos muito antes de chegar ao seu destino. Os passageiros retornam a seus lugares. Olham feio. As crianças se olham, como se não entendessem o que há de tão errado em tirar fotos e rir alto. No Aeroporto Internacional Salgado Filho, não se pode mais rir alto. Não nesta semana.

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