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São Paulo (AE) – Puxões na barba, comentários sobre a silhueta, às vezes roliça demais ou de menos, testes de autenticidade, lágrimas furtivas, choro rasgado, boas gargalhadas. E suor, beijinhos e carinhos. Cada uma dessas situações fez parte do dia-a-dia de quem já vestiu a roupa vermelha enfeitada de branco e incorpora, como profissão ou passatempo para filhos, netos e carentes, uma das figuras mais queridas do Natal. Mas, passado o sufoco da festa, valeu pagar cada mico, garantem os Papais Noéis.

O analista de sistemas Marcelo Leite Lourenço, de 35 anos, levou um tombo e ficou todo dolorido pouco antes de virar Papai Noel para as 70 crianças do Movimento de Apoio à Integração Social, na semana passada. Mesmo assim, cobriu o rosto de maquiagem e vestiu a fantasia. "Foi tanta criança no colo, beijo e carinho que deu para suportar a dor", garante.

Mas ele fez questão de escapar do pedido mais difícil de atender quando se trata de crianças que moram em um abrigo o ano inteiro. Mesmo para um Papai Noel. "Quando sentia que iam pedir um pai ou mãe de presente, eu desconversava, ou ia chorar e estragar tudo."

Antonio de Oliveira Neves, de 65 anos, Papai Noel há dez anos no Morumbi Shopping, já chorou feito criança. "Uma garota veio ao shopping com uma senhora de um orfanato e me pediu um pai e uma mãe. Disse que ia rezar para conseguir."

Três dias depois estava de volta. "Tinha sido adotada por uma família italiana e falou que não podia ir embora sem se despedir. Deu um nó no coração, me pegou. Me senti Papai Noel de verdade." Não o suficiente para escapar de um teste de autenticidade este ano. Simplesmente não conseguiu dizer os nomes das renas. "Uma menina perguntou se eu sabia. Eu me lembrei do nome da Rudolph, a rena do nariz vermelho. Aí perguntei se ela sabia as outras. Não é que ela falou o nome de todas?" Elas são Dasher, Dancer, Prancer, Vixen, Comet, Cupid, Donder e Blitzen.

Impressionam ainda os pedidos dos adultos. "Tem gente grande pedindo emprego", conta Neves, que respira fundo e emenda mais uma oração. A mesma que faz para as moças que querem passar na faculdade ou arrumar um namorado.

Especialista em restauração de instrumentos, Antonio Bernardes Domingues, de 70 anos, acabou com qualquer ilusão que os netos pudessem ter sobre o Papai Noel. "Não foi culpa minha, mas da fantasia", defende-se. Mais especificamente da máscara que fez todo mundo chorar de medo. "Não dava nem para fazer ho, ho, ho."

Foi tamanho o pavor, que ele teve de tirar a máscara e mostrar que, na casa, mora um Papai Noel que também é avô de 11 netos. "Se quiserem, me visto de novo. Mas sem máscara."

O gerente de projetos de tecnologia de informação Paulo Roberto Vieira, de 45 anos, escapou por um triz de ser desmascarado. "Com a maquiagem carregada e o travesseiro amarrado na barriga, suava em bicas e o bigode quis cair. Nem percebi até começar a receber uns abraços estranhos dos adultos, que tentavam regrudar o bigode."

Ele foi bem na carreira até certo ponto. "Não conseguia disfarçar a voz direito e as crianças de cinco, seis anos começaram a falar que era o Tio Paulo."

Mas a família armou uma boa para a criançada no ano seguinte. "Outro pai se fantasiou. Mal ele entrou e foram dizendo de novo que era o Tio Paulo. Só que eu entrei pela outra porta e eles ficaram de boca aberta." As crianças cresceram e Vieira já espera a nova safra. "Estou até com o físico mais apropriado", diz ele, 108 quilos distribuídos por 1,78, com "maior concentração na barriga".

"As crianças sempre perguntam por que minha barriga está tão pequena", conta o Papai Noel do Banco Luso-Brasileiro, Nilo Roberto Janson, de 67 anos. "Disse que abriram uma academia no Pólo Norte, depois que um colega ficou entalado na chaminé."

O peso é só o que falta para Janson compor seu personagem: barba natural, belos olhos azuis, óculos na ponta do nariz ele tem. "A barba artificial é perigosa. Um menino de rua colocou fogo na de um amigo." Tem até raízes na Letônia, país próximo da Lapônia, terra em que, se costuma dizer, mora o verdadeiro Papai Noel.

Difícil foi explicar o revezamento das Mamães Noéis que o acompanhavam. Como justificar às dezenas de crianças estar com uma Mamãe Noel de dia e, de noite, com outra? "Dizia que estava apenas ficando."

Experiência especial foi atender 150 deficientes visuais. Dois cegos gêmeos, de uns seis anos, pediram um baralho em braile e outra, grávida, queria só um Natal feliz e um ano novo cheio de alegria para ela e o filho. "Aí veio uma moça e pediu o espírito da conformação. Fiquei meio travado e não sabia o que falar."

As lágrimas rolaram quando uma menina se sentou no colo do Papai Noel Romualdo Campana, de 53 anos, e disse que gostaria muito de ganhar uma boneca, mas o pai não tinha dinheiro. "Mas disse que tinha certeza que eu podia. Então peguei o endereço e, com certeza, esse presente vai chegar pelas mãos do Papai Noel."

Mas nem todo mundo acredita que ele é de verdade. "Uma garota puxou minha barba natural três vezes para ver se era artificial." Falam também de sua falta de peso. "Sou leve como o Shopping Light, onde trabalho", costuma dizer.

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