Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

“As redes sociais fazem com que as pessoas validem suas crenças”, diz psicólogo

Amanda Milléo
12/11/2019 08:00
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Por que acreditamos naquilo que queremos acreditar? É o questionamento do autor Ronaldo Pilati, autor do livro que concorre ao prêmio Jabuti de 2019 na categoria de Ciências Foto: Bigstock.

“Quer emagrecer rápido? Tome tal chá milagroso.” “Proteja sua família de uma doença terrível, como o câncer, adicionando essa raiz em todas as refeições.” “Confira a receita dos sucos que desintoxicam até a alma.”
É fácil cair em receitas milagrosas, ainda mais quando elas tratam da sua saúde. E está cada vez mais difícil de desacreditar no milagre. Por quê? Pelo simples motivo de que há soluções rápidas, fáceis e “comprovadamente” eficazes em todas as páginas, sites e redes sociais que temos acesso.

Vemos qualquer pessoa, mesmo um total desconhecido, argumentar que aquele suco de uma fruta estrangeira dificílima de ser encontrada — e que ele, incrivelmente, oferece a você por um singelo valor que pode comprometer a renda da sua família — e acreditamos que, finalmente, vamos perder os cinco quilos que a balança teima em mostrar.  

O ser humano precisa de histórias, exemplos de pessoas próximas ou não tão próximas assim, para criar um entendimento do mundo que o cerca. O problema está, conforme explica Ronaldo Pilati, psicólogo social e professor de Psicologia Social da Universidade de Brasília (UnB), em tomar esses casos isolados (e nem sempre verdadeiros) por regra. E não é assim que a ciência e o conhecimento científico são feitos.

“Casos são somente casos. Quando observamos os efeitos dessas terapêuticas, como as vacinas, você não olha para os casos, mas para os padrões de probabilidade, que acontecem em uma população de maneira geral. Reações adversas ocorrem com qualquer medicamento”, explica Pilati. 

No livro “Ciência e Pseudociência: Por que acreditamos apenas naquilo que queremos acreditar”, Pilati explica o que nos leva a cair (e nadar de braçada) nas crenças das receitas milagrosas. Confira a entrevista com o psicólogo, que também é diretor da Sociedade Brasileira de Psicologia, para a Gazeta do Povo:

Por que as pessoas acreditam em receitas milagrosas?

Há vários aspectos que precisamos considerar, especialmente na área da saúde, que provoca um apelo muito grande. Para começar, temos práticas pseudocientíficas que são reconhecidas, como a homeopatia. É uma pseudociência, mas o conselho de medicina reconhece a homeopatia. Esse caso é um exemplo da área de saúde de como as coisas são complicadas.
Também temos no mercado uma venda enorme de produtos que não têm evidências que garantem a saúde ou que tratem qualquer doença, mas são vendidos como tal.

O caso da fosfoetanolamina é muito típico de como isso pode acontecer. Não há qualquer tipo de evidência de que essa substância seja efetivamente um remédio para tratar qualquer tipo de câncer, ou doença, mas houve uma comoção nacional. Há algum tempo, recebeu uma autorização para ser vendida como suplemento alimentar. 

A gente tem esse mercado paralelo, que gera muito dinheiro vendendo “soluções”, sem nenhum tipo de subsídio científico para dizer que funciona.

O apelo emocional, do cuidado com a própria saúde ou da família, pode facilitar que eu acredite em soluções fáceis?

Isso tem efeito, de fato. Por exemplo, o movimento antivacinas. É muito comum encontrarmos nas redes sociais postagens de histórias de adolescentes que tomaram a vacina e tiveram alguma reação. Relatos dessa natureza acabam servindo para que as pessoas validem as próprias crenças de negação das vacinas, ou de que elas causam mais malefícios que benefícios.
A cognição humana lida muito bem com casos [histórias]. Usamos isso para entender o mundo. O problema é que casos são somente casos. E quando observamos os efeitos dessas terapêuticas [de forma séria e científica], como as vacinas, você não olha para os casos, mas para os padrões de probabilidade, que acontecem na população de forma geral. Reações adversas, por exemplo, ocorrem com qualquer medicamento.

No caso das vacinas, há um efeito ainda mais perverso. Quando não havia uma cobertura vacinal muito alta de uma doença como a poliomielite, os casos da doença eram os exemplos da necessidade da vacina.

Os casos são importantes para entendermos o mundo, mas são somente casos isolados. Quando lidamos com as informações [de efeitos colaterais ou benefícios/malefícios das vacinas, por exemplo], a maior parte das pessoas tem dificuldade para entender.

Em época de terraplanismo e antivacinação, essa dificuldade em entender a ciência é algo recente?

A dificuldade de entendimento sempre esteve presente. É um problema do baixo grau de letramento científico da população. Mas, por si só, não se explica. Temos relatos de pessoas com alto letramento científico, ganhador de prêmio Nobel de Química, que acreditava que se as pessoas relatavam que haviam sido abduzidas por extraterrestres, era verdade.
Há a sensação de ser algo mais recente devido às redes sociais. Elas acabam fazendo com que as pessoas se encontrem com suas crenças.

Gente que acredita que a Terra é plana sempre existiu, mas agora elas encontram espaços sociais para apresentar suas ideias e achar quem concorde com elas.

Assim acham uma validação social, que é outro elemento importante para essas crenças se propagarem e terem força, mesmo com comprovações do contrário.
Livro Ciência e Pseudociência: Por que acreditamos apenas naquilo em que queremos acreditar concorre ao prêmio Jabuti de 2019 Foto: Divulgação.
Livro Ciência e Pseudociência: Por que acreditamos apenas naquilo em que queremos acreditar concorre ao prêmio Jabuti de 2019 Foto: Divulgação.

A crença em milagres de saúde se dá pelo medo também?

Quando você fala de assuntos relacionados à saúde, você lida com outro componente cognitivo que faz com que o conhecimento científico produza muito incômodo nas pessoas, que é a incerteza. Como cientista, eu sei que o que se sabe agora sobre algum alimento ou doença pode ser insuficiente e, no futuro, alguém terá uma solução melhor. E esse caráter de incerteza é complicado.

Como que antes eu comia manteiga sem problemas e agora não pode? Como que banha de porco não é mais tão problemática assim? Mas essas dúvidas têm a ver com a forma como a ciência funciona. 

Quando as pessoas querem respostas mais certas par cuidar da própria saúde, [soluções mágicas e rápidas] são apelativas, e dão descrédito ao conhecimento científico. Abre-se um caminhão de oportunidades para as soluções médicas mágicas.

E quando são os próprios médicos que defendem os remédios milagrosos?

Há profissionais mal intencionados que vendem essas soluções. E as redes [sociais] são uma oportunidade para eles. Colchão magnético que resolve bico de papagaio, por exemplo. É fácil achar pessoas que se apresentam como profissionais da área de saúde, com os títulos e atribuindo a própria autoridade sobre um produto. Essa é uma outra forma de convencimento.

Ter um olhar mais crítico às fórmulas mágicas é um exercício diário?

As pessoas questionarem é fundamental. Está na gênese de qualquer atitude positiva para consumir informação ou comprar serviços. Mas, não adianta ser um cético, que acha que tudo é passível de ter uma teoria conspiratória por trás. Não pode também achar que tudo é uma solução para os problemas da vida. É um meio termo de questionamento, e é preciso buscar as fontes de informação coerentes.
A ideia de autoridade não está na pessoa, no médico, mas nas instituições. Não é o oncologista, mas o que diz a Sociedade Brasileira de Oncologia. Não é o médico e professor do curso online que ele mesmo oferece, mas o instituto de medicina de uma universidade reconhecida. O olhar deve ser muito mais nas instituições do que nas pessoas. Essa é uma saída.
E ainda assim há um desafio. Às vezes as instituições dão sinais contraditórios. O Ministério da Saúde, por exemplo, autorizou as práticas alternativas bancadas pelo SUS, como a terapia de constelação familiar, que é uma prática pseudocientífica. Não existe evidência que sustente. É um dilema que vivemos também e devemos ficar atentos.

Seremos cada vez mais crentes no futuro, ou mais críticos?

Estamos em um momento importante de transição. Ainda vamos passar algumas décadas batendo a cabeça nesse tipo de coisa. Mas a expectativa é que, se de fato intensificar o letramento científico, vamos ter um momento em que esse fácil acesso à informação seja positivo e exclua esses pensamentos negacionistas do conhecimento científico.

Eu tenho uma visão otimista do futuro, mas vamos passar décadas e gerações para que esse consumo de informação seja feito de forma melhor pelas pessoas. 

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