Saúde e Bem-Estar

New York Times, por Catherine Price

Como deixar o telefone de lado pode render alguns anos a mais de vida

New York Times, por Catherine Price
04/07/2019 15:00
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Para se blindar de sensações desagradáveis, o chamado "unfollow terapêutico" virou recomendação médica. Foto: Bigstock.

Se você for como a maioria das pessoas, provavelmente decidiu que precisa passar menos tempo olhando para o celular.
É uma boa ideia: um número cada vez maior de evidências sugere que o tempo passado em smartphones está interferindo em nosso sono, autoestima, relacionamentos, memória, atenção, criatividade, produtividade e habilidade para resolução de problemas e tomada de decisões.
Contudo, há outra razão para repensarmos a maneira como lidamos com nossos aparelhos.

Ao elevarem de forma crônica os níveis de cortisol, o principal hormônio do corpo relacionado ao estresse, os telefones podem estar ameaçando a saúde e nos tirando anos de vida.

Até agora, a maioria das discussões acerca dos efeitos bioquímicos causados por esses dispositivos tinham como foco a dopamina, um neurotransmissor cerebral que nos ajuda a formar hábitos – e vícios.
Como as máquinas caça-níqueis, os smartphones e os aplicativos são projetados especificamente para disparar a liberação de dopamina com o objetivo de dificultar o desapego dos aparelhos.

Tal manipulação da dopamina no organismo é o motivo de muitos especialistas acreditarem que estamos desenvolvendo vícios comportamentais em relação aos celulares; no entanto, estes teriam ainda um impacto potencialmente ainda mais alarmante sobre o cortisol.

O cortisol é o principal hormônio do mecanismo de luta ou fuga. É ele que possibilita as mudanças fisiológicas, como o aumento da pressão sanguínea, da frequência cardíaca e do índice glicêmico, que nos ajudam a reagir e sobreviver a ameaças críticas do ambiente físico.
São efeitos que podem salvar a vida se você estiver enfrentando um perigo realmente físico – se for atacado por um touro, por exemplo.
Os aparelhos de celular carregados com mídia social, servidores de e-mail e aplicativos de notícias criam uma constante sensação de obrigação, gerando um estresse pessoal involuntário. Foto: Bigstock.
Os aparelhos de celular carregados com mídia social, servidores de e-mail e aplicativos de notícias criam uma constante sensação de obrigação, gerando um estresse pessoal involuntário. Foto: Bigstock.
Porém o corpo também libera cortisol em resposta a fatores de estresse emocional em situações em que uma frequência cardíaca aumentada não vai ser de grande serventia, como ao pegar o celular e encontrar um e-mail irritado do chefe.

Quatro horas por dia

Se ocasionais, os picos de cortisol induzidos pelo celular podem não ser relevantes. Mas, em média, o norte-americano passa quatro horas por dia encarando o smartphone, além de mantê-lo ao alcance das mãos praticamente a todo momento, segundo apontou um aplicativo de rastreamento chamado Moment.
O resultado, como mostrado pelo Google em um relatório, é que “os aparelhos de celular carregados com mídia social, servidores de e-mail e aplicativos de notícias” criam “uma constante sensação de obrigação, gerando um estresse pessoal involuntário”.

“Os níveis de cortisol do seu corpo se elevam quando o aparelho está à vista ou próximo de você, quando você o escuta ou mesmo pensa ouvi-lo. É uma reação ao estresse, que é incômodo, e a reação natural do corpo é querer checar o telefone para fazer com que essa perturbação desapareça”, esclareceu David Greenfield, professor de psiquiatria clínica na Escola de Medicina da Universidade de Connecticut e fundador do Centro para Dependentes em Tecnologia e Internet.

Entretanto, apesar de a atitude tranquilizar o indivíduo por um segundo, as consequências no longo prazo provavelmente serão piores.
Sempre que você consultar o telefone, seguramente haverá algo a mais à espera para estressá-lo, levando a mais um aumento do cortisol e o consequente ímpeto de olhar o telefone para resolver aquela ansiedade.
Esse ciclo, se continuamente reforçado, conduz a níveis de cortisol cronicamente elevados, fenômeno que, por sua vez, tem sido associado a um maior risco de desenvolver sérios problemas de saúde, incluindo depressão, obesidade, síndrome metabólica, diabetes tipo 2, distúrbios de fertilidade, pressão alta, ataques cardíacos, demência e AVC.
Foto: Pixabay
Foto: Pixabay
“Toda doença crônica que conhecemos é exacerbada pelo estresse e nossos telefones, com certeza, estão contribuindo para isso”, declarou Robert Lustig, professor emérito de endocrinologia pediátrica na Universidade da Califórnia, em San Francisco, e autor do livro “The Hacking of the American Mind”.

Estresse causado por smartphones

Para além das potenciais consequências de longo prazo à saúde, o estresse induzido pelo smartphone afeta a vida de maneiras mais imediatas. Elevados níveis de cortisol comprometem o córtex pré-frontal, área fundamental do cérebro para tomadas de decisão e pensamento racional.
“O córtex pré-frontal é o Grilo Falante do cérebro; é ele que nos impede de fazer coisas estúpidas”, comparou Lustig, referindo-se ao personagem de desenho animado criado para servir como um tipo de consciência de Pinóquio.
Danos ao córtex pré-frontal levam à diminuição do autocontrole. Isso, quando acompanhado do forte desejo de aplacar nossa ansiedade, pode nos levar a fazer coisas que momentaneamente aliviam o estresse, mas que são potencialmente fatais, como digitar mensagens enquanto dirigimos.
Os efeitos do estresse podem ser ainda mais potencializados se estivermos sempre com a preocupação de que algo ruim está para acontecer, seja um ataque físico, seja um comentário exasperante nas redes sociais.
No caso dos celulares, o estado de hipervigilância às vezes pode se manifestar como “vibrações fantasmas”, em que as pessoas sentem o aparelho vibrar no bolso mesmo quando ele não está lá.

“Tudo que fazemos, tudo que experimentamos, pode influenciar nossa fisiologia e alterar circuitos no cérebro de maneiras que nos tornam mais ou menos reativos ao estresse”, argumentou Bruce McEwen, diretor do Laboratório de Neuroendocrinologia Harold e Margaret Milliken Hatch da Universidade Rockefeller.

McEwen também observou que os valores de referência para o cortisol oscilam durante o ciclo regular de 24 horas, que fica completamente descontrolado se dormimos menos de 7 ou 8 horas por noite, o que é muito comum se você tem o hábito de conferir o smartphone antes de dormir.
A consequência é um corpo menos resistente ao estresse e o risco aumentado de ser acometido por todos os problemas de saúde relacionados a esse estado emocional mencionado acima.
Somando tudo isso, as horas que passamos compulsivamente checando nossos celulares podem resultar em muito mais do que perda de tempo.

Interrompendo o ciclo

A boa notícia é que, se interrompermos esse ciclo causado pela ansiedade, conseguiremos reduzir os níveis de cortisol e, consequentemente, melhoraremos o discernimento de curto prazo e diminuiremos os riscos de desenvolvermos problemas de saúde de longo prazo ligados ao estresse.
McEwen acrescenta que, com o tempo, é até possível reeducar o cérebro para que o mecanismo de resposta ao estresse não seja mais acionado a qualquer sinal de desconforto.
Para deixar o smartphone menos angustiante, comece desativando todas as notificações, a não ser aquelas que realmente queira receber.
Em seguida, preste atenção em como se sente ao usar cada aplicativo. Quais você verifica por ansiedade? Quais lhe causam aborrecimento? Esconda-os em uma pasta que não seja visível na tela principal. Ou, melhor ainda, delete-os por alguns dias e veja como se sente.
No processo, perceba como os aplicativos individuais afetam você fisicamente também. “Se não tivermos consciência das nossas sensações físicas, não modificaremos nosso comportamento”, disse Judson Brewer, diretor de pesquisa e inovação do Centro de Mindfulness da Universidade Brown e autor do livro “The Craving Mind”.

Conforme elucidou Brewer, o estresse e a ansiedade normalmente se manifestam como um sentimento de contração no peito. Intervalos regulares podem também ser uma maneira eficaz de reequilibrar as reações químicas do corpo e reconquistar um sentido de controle.

Passar 24 horas sem tecnologia pode ser surpreendentemente relaxante (após conseguir controlar o nervosismo inicial), mas mesmo ser capaz de deixar o telefone de lado durante o almoço é um passo na direção certa.
Além disso, antes de se entregar de imediato à ansiedade de pegar o celular, tente observar qual a sensação que isso faz disparar no cérebro e no corpo.

“Se você fizer uma autoanálise, chegará à conclusão de que é capaz de decidir sobre suas próprias escolhas. Não precisamos estar à mercê de algoritmos que estão promovendo o medo de estarmos perdendo algo”, reiterou Jack Kornfield, professor de budismo do Centro de Meditação Spirit Rock, na Califórnia.

Infelizmente, não é fácil criar limites saudáveis com dispositivos concebidos deliberadamente para desencorajá-los. No entanto, se conseguirmos reduzir os níveis de estresse, poderemos nos sentir melhor no dia a dia e, inclusive, ganhar alguns anos de vida.
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