Saúde e Bem-Estar

William Saab, especial

Empresa cria laboratório portátil e desafia mercado de análises clínicas

William Saab, especial
25/08/2019 08:00
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O Hilab faz análise clínica a partir da gota do sangue do paciente. O resultado é digitalizado e transmitido instantaneamente via internet para a equipe de um laboratório físico. Lá, os biomédicos realizam a análise do resultado, emitem e assinam o laudo em 15 minutos. Foto: Bigstock.

Há dois anos, Marcus Figueiredo, CEO da startup Hi Technologies, desafiou o mercado de análises clinicas.
Em um painel para 700 especialistas, ele garantiu que a tecnologia para exames médicos fora dos laboratórios estava pronta para operar no Brasil.

Em 2017, a empresa criou o Hilab, dispositivo que faz análise clínicas a partir da gota do sangue do paciente. O resultado é digitalizado e transmitido instantaneamente via internet para a equipe de um laboratório físico. Lá, os biomédicos realizam a análise do resultado, emitem e assinam o laudo em 15 minutos.

Disponibilizado em diversas redes de farmácias e consultórios médicos, o negócio logo registrou um crescimento mensal de até 40% e presença em quase 100 cidades.
O alcance chamou a atenção dos laboratórios convencionais, que acionaram a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para que verificasse se o mecanismo era, de fato, seguro e eficaz.
A agência reguladora liberou inicialmente todas as funcionalidades da ferramenta, mas restringiu algumas operações após nova fiscalização, em abril deste ano.
De acordo com o CEO da Hi Technologies, alguns aparelhos chegaram a ser retirados das farmácias.
Porém, em maio, a Anvisa atendeu a uma decisão judicial que retornava o equipamento aos estabelecimentos, pondo fim à suspensão.
De acordo com a Anvisa, a suspensão se deu por dois motivos específicos: porque o produto é de uso profissional e porque a resolução RDC 44/2009 autoriza, para farmácias e drogarias somente a realização da medição de glicemia como parâmetro físico-químico.
A revisão desta norma está em discussão. No começo de agosto, o auditório da Anvisa, em Brasília, recebeu um diálogo setorial que tratou do desenvolvimento de uma proposta regulatória que normatizará a utilização, em serviços de saúde, de testes laboratoriais portáteis (TLPs) — do inglês point-of-care testing (POCT).
Participaram do debate representantes de empresas do setor regulado, servidores, universidades, gestores públicos e entidades e associações de classe de profissionais de saúde. As contribuições recebidas durante o debate vão orientar as próximas etapas da atualização do marco regulatório.
O CEO da Hi Technologies não enxerga a Anvisa como inimiga e entende que o órgão atende a uma reação do setor para um dispositivo que acaba com a reserva de mercado.

“É natural que uma tecnologia que impacta no setor gere motivações que tendam a proibi-la. Os táxis tentaram proibir aplicativos de corrida, o ramo de hotelaria tentou barrar o Airbnb. A motivação é sempre a mesma, que é prezar pela segurança do cliente”, compara Figueiredo. “O papel de uma startup é, justamente, questionar as práticas dos players que já estão no mercado há anos”, finaliza.

Segundo ele, a empresa quer tornar o acesso a exames mais democrático, uma vez que quem tem plano de saúde está muito melhor assistido do que quem depende do SUS para diagnósticos.
Marcus Figueiredo, CEO da startup High Technology quer desafiar os laboratórios clínicos com novo equipamento. Foto: Divulgação.
Marcus Figueiredo, CEO da startup High Technology quer desafiar os laboratórios clínicos com novo equipamento. Foto: Divulgação.
De acordo com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), 69,7% dos brasileiros não possuem plano de saúde particular.
“A média de um paciente que realiza exames em laboratórios é de 15 ao ano, número três vezes maior do que aqueles que não têm possibilidade de arcar com exames particulares ou convênios”, explica.

“Algumas pessoas só conseguem realizar exames fundamentais, como o da dengue, porque estamos presentes em farmácias. Temos que tornar esses espaços centro de saúde mais completos e não apenas um balcão de medicamento”, defende o CEO.

Hoje, o Hilab está liberado para diagnóstico in vitro, de classe de risco II (produtos de médio risco ao indivíduo e/ou baixo risco à saúde pública). Na prática, entram um total de 17 exames como hemoglobina, dengue, toxoplasmose, gravidez e influenza.
O equipamento já é utilizado em Curitiba para atendimento em domicílio. No Hilab GO, o paciente solicita a presença de um profissional de saúde para a realização do exame em casa.

Marcus Figueiredo enxerga a iniciativa como mais uma possibilidade de empreendedorismo individual. “Se direcionarmos o nosso olhar para as necessidades do paciente, é uma excelente possibilidade de atender pessoas com dificuldade de realizar exames pessoalmente, como idosos”, reforça.

A Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) acompanha o caso e reforça que os exames realizados em farmácias e drogarias devem ser gerenciados por laboratórios.
A entidade destaca que a maior parte dos erros nesse tipo de exame ocorre na fase analítica, daí a necessidade de serem realizados por pessoal treinado, com comprovação de validação metodológica e do uso de controles de qualidade.
A SBPC/ML reconhece que os testes laboratoriais remotos são uma forma de ampliar o atendimento à população e que traz benefícios quando aplicados de forma adequada.
No entanto, reforça que se faz necessária a fiscalização para que a segurança do paciente não seja colocada em risco pela emissão de resultados equivocados que possam impactar no diagnóstico, monitoramento de doenças e indicação de tratamentos adequados ao paciente.

Entrevista

É preciso mais tempo para avaliação

Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Doutor em Ciências da Saúde (Doenças Infecciosas e Parasitárias) pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dennis Armando Bertolini, defende que testes nessa configuração servem apenas como rastreabilidade, sendo que um resultado positivo (reagente) ou duvidoso sempre necessitará de uma confirmação laboratorial.
Entretanto, ele entende que, dada as dimensões do Brasil, é importante que a acessibilidade ao diagnóstico de doenças seja ampliada.
Esse serviço é considerado seguro e preciso quanto ao diagnóstico?
Nós não temos ainda informações suficientes de que esse tipo de serviço seja seguro e preciso devido à falta de divulgação dos estudos de qualidade que devem ser feitos para a validação do teste conforme exigência da Anvisa. Eles precisam ter as mesmas características que um Laboratório de Análises Clínicas tem com relação à garantia da qualidade dos serviços prestados, para que não haja prejuízos aos pacientes. Como alguns testes já foram registrados na Anvisa, espera-se que sim. No entanto, precisaremos de mais tempo para avaliarmos a reprodutibilidade dessa metodologia.
A Anvisa tem estado alerta sobre esse serviço, inclusive, proibiu e depois liberou o uso. Como você enxerga a atuação do órgão?
Acredito que a medida de proibir foi correta, considerando que, de acordo com as normas vigentes da Anvisa (Resoluções RDC ns. 44/2009 e 302/2005) a utilização em farmácias estaria impossibilitada. A empresa responsável pelo equipamento obteve na Justiça uma liminar que retornou o equipamento nesses estabelecimentos.
Ampliar o acesso aos diagnósticos fora dos laboratórios é uma forma de democratizar o acesso à saúde ou pode ser um risco?

Como o Brasil é um país muito grande, com diferenças regionais absurdas, principalmente na área da saúde, é importante que a acessibilidade ao diagnóstico de doenças seja ampliada. Geralmente, esses testes servem apenas como rastreabilidade, sendo que um resultado positivo (reagente) ou duvidoso sempre necessitará de uma confirmação laboratorial.

Há experiências fora do país sobre funções similares? Como é a relação dos pacientes com esse serviço?
Os países desenvolvidos já utilizam essas novas tecnologias. É um processo irreversível, mas em todos os casos existem normas para que possam ser disponibilizadas com segurança e, principalmente, com a mesma qualidade que ocorre atualmente em Laboratórios de Análises Clínicas. Nos EUA, por exemplo, a Associação Americana de Química Clínica, que cuida dos laboratórios de Análises Clínicas, oferece uma certificação para profissionais da área da saúde que pretenderem trabalhar com essa metodologia, o que, provavelmente, será obrigatório.
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