Saúde e Bem-Estar

Washington Post, por Laura Reiley

Estudo norte-americano vai na contramão e recomenda consumo atual de carne vermelha; médicos criticam

Washington Post, por Laura Reiley
02/10/2019 17:37
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Carne vermelha polêmica: quanto podemos consumir? Foto: Bigstock.

Ter uma dieta desregrada é uma das principais causas de uma saúde ruim, e boa parte das acusações atuais apontam para um alimento específico: a carne vermelha. Comer muita carne vermelha, especialmente aquelas processadas, está associado a um aumento no risco de câncer, inflamação do intestino, interferência nas taxas de colesterol, entre outras questões.
No entanto, diretrizes publicadas nesta terça-feira (1) pela revista científica Annals of Internal Medicine vão na contramão da discussão mundial sobre o consumo desse alimento. Para os pesquisadores, não há necessidade em reduzir o consumo de carne vermelha ou processada, e as pessoas podem continuar comendo normalmente.
A diretriz está baseada em cinco revisões sistemáticas de estudos que avaliaram a relação entre o consumo de carne e a saúde. Os pesquisadores que chegaram a essa conclusão fazem parte de um grupo formado por estudiosos das universidades de Dalhousie e McMaster, ambas do Canadá, e dos centros Cochrane Iberoamericano e da Polônia.

Carne vermelha em discussão

Ao analisar os dados dos cinco estudos, que acompanharam ao todo 54 mil pessoas, os pesquisadores não encontraram nenhuma associação significativa entre o consumo de carne e o risco para doenças cardíacas, diabetes ou câncer. Eles também perceberam que uma dieta vegetariana fornecia poucos benefícios à saúde.
Os impactos [da carne à saúde] teriam de ser muito maiores para sugerir uma redução das carnes vermelhas ou processadas, conforme disse Bradley Johnston, professor associado do departamento de saúde comunitária e epidemiologia da universidade de Dalhousie e o autor principal da pesquisa. Johnston reconhece que as recomendações do estudo são contrárias à maioria das diretrizes existentes hoje.
Muitos nutricionistas e cientistas de saúde estão surpresos pelas recomendações dos pesquisadores:

“Estamos coletivamente chocados que isso esteja sendo empurrado como está sendo. Apenas contribui para a confusão dos pacientes”, diz Elizabeth Klodas, médica cardiologista e membro do grupo de nutrição do Colégio norte-americano de Cardiologia. “Essas conclusões não são as conclusões da comunidade médica. Eles foram seletivos na inclusão dos estudos e do peso que eles deram aos resultados”, completa. 

Elizabeth faz a comparação com o consumo de cigarro. Para ela, é como dizer que “francamente, as pessoas têm dificuldade em parar de fumar, então vamos apenas deixá-las fumar.”. Ainda segundo a médica, “nós comemos 99 kg de carne por pessoa, por ano, nesse país; Isso representa 15 refeições por semana com carne. E você vai falar para os norte-americanos que apenas continuem assim? Atualmente gastamos US$ 315 bilhões, por ano, tratando doenças cardíacas. Na nossa trajetória atual, chegaremos a US$ 800 bilhões até o ano de 2035.”
Outro crítico do estudo, Walter Willett, professor de epidemiologia e nutrição da T. H. Escola Chan de Saúde Pública da universidade de Harvard, diz que o estudo divulgado pela revista cientifica ignorou uma ciência consolidada na área.
“Se você realmente quer revisar as evidências, você deve olhar a todos os dados relevantes. Por que eles ignoraram a grande maioria dos dados de estudos randomizados e controlados cuidadosamente?”, pergunta Willett. O professor reforça que há estudos que, ao compararem a carne vermelha com fontes vegetais de proteínas, mostraram que a carne aumenta os níveis do colesterol “ruim”, o LDL e os triglicérides – fatores que consistentemente predizem aumento no risco de uma doença cardiovascular. Um desses estudos, que não foi considerado nas diretrizes publicadas pela Annals of Internal Medicine, foi o Lyon Diet Heart Study (estudo Lyon de dieta e coração, em tradução livre).

O que comer então?

Outro detalhe que não foi levado em consideração pelas diretrizes divulgadas no começo de outubro, segundo Willett, foi o que as pessoas comeriam no lugar da carne vermelha.

“Se você substitui uma porção de carne vermelha por outros alimentos não saudáveis na sua dieta, você está comparando o consumo de carne vermelha com o consumo desses alimentos, o que pode trazer resultados insignificantes”, diz.

De acordo com o professor, é importante que a substituição da carne vermelha seja feita por alimentos saudáveis, baseados em fontes de proteínas vegetais.
Bonnie Liebman, diretor de Nutrição do Centro para Ciência de Interesse Público (Center for Science in the Public Interest, em inglês) aponta que uma das falhas das diretrizes está em se basear no estudo Iniciativa para a Saúde da Mulher (Women’s Health Initiative, em inglês).
Trata-se de uma pesquisa grande, que analisou o impacto da dieta de 48 mil mulheres – sendo que metade delas consumia refeições como normalmente fazia e metade era orientada a uma dieta “low-fat”, com baixa gordura. Essa diferença na dieta levava a uma desproporção no consumo de carne por dia de 0,01 kg, ou algo como um quinto de um hambúrguer.

Nos resultados, não havia tanta diferença assim. E por conta da quantidade de participantes, o estudo com as mulheres pode ter enviesado os resultados do polêmico relatório. 

Ainda segundo Willett, as conclusões e recomendações da equipe de Johnston não refletem os próprios achados do estudo. A meta-análise mostrou que os padrões de dieta com uma redução moderada de carne vermelha ou processada estaria associada a uma redução na mortalidade total de 13%. “Se um medicamento diminuísse o número de mortes até esse ponto, seria coroado como um sucesso”, diz. “Carne é algo que as pessoas decidem todos os dias na sua vida. O maior custo [de estudos como esse] é que as pessoas vão jogar a toalha e dizer que os nutricionistas não sabem o que estão falando”.

Resposta dos pesquisadores

Aos críticos, o autor principal do estudo, Bradley Johnston disse que:
“Com relação à reação de alguns da comunidade de pesquisadores em nutrição… nós somos simpáticos ao desconforto em reconhecer a baixa qualidade de evidências neste campo. Parece a nós, no entanto, que fingir que as regras da evidência diferem entre os campos porque a viabilidade de estudos definitivos não é possível é uma solução ruim para o problema. Nós acreditamos ser importante aplicar parâmetros comuns ao verificar a certeza de evidências entre os campos da saúde”
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