Saúde e Bem-Estar

Ricardo Sabbag Zipperer

Como funciona o exame que identifica os principais distúrbios do sono

Ricardo Sabbag Zipperer
30/06/2019 15:00
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A polissonografia é um exame bastante amplo, que faz a medição de diversas respostas do corpo durante o sono e pode dar algumas respostas sobre as noites mal dormidas. Foto: Bigstock

Tudo começa com instruções claras: para o exame, vista roupas leves, de preferência o pijama com o qual vai dormir. Tome banho, lave o cabelo, faça a barba. Levante cedo e não durma durante o dia. Evite o consumo de café, chá preto e refrigerantes. Feito? Sua missão agora é simples: dormir.
À beira dos 40 anos, obeso, com queixas de noites intranquilas e muito ronco à noite, não era preciso um diagnóstico médico para constatar que eu vinha dormindo mal, muito mal.

Os efeitos da insônia são evidentes: cansaço, raciocínio lento, indisposição para esforço físico, dificuldade de concentração, exaustão no fim do dia. Ao buscar ajuda médica, a primeira (boa) constatação: não sofria nenhuma obstrução nas vias respiratórias. Mas para um diagnóstico mais completo, seria necessário fazer uma polissonografia, o exame do sono.

Não há estatísticas precisas sobre quantas pessoas sofrem de distúrbios do sono no Brasil, mas médicos consultados pela Gazeta do Povo estimam que entre 10 a 15% da população tenha dificuldade para dormir com regularidade, o que corresponde a cerca de três noites mal dormidas na semana. Os efeitos dessa insônia não são apenas comportamentais. “Há riscos principalmente cardiovasculares, ganho de peso, prejuízo pelo déficit de concentração”, diz a médica Letícia Soster, neurofisiologista da clínica de medicina do sono do hospital Albert Einstein.
A polissonografia é um exame bastante amplo, que faz a medição de diversas respostas do corpo durante o sono: o eletroencefalograma faz a aferição da atividade cerebral; o eletro-oculograma avalia os movimentos dos olhos; o eletromiograma mede a atividade elétrica de nervos e músculos. O exame também faz medição do fluxo aéreo, determina o esforço respiratório, capta movimentos corporais e até de gases sanguíneos do corpo durante o repouso.
E como se faz isso? Aplicando um grande conjunto de eletrodos e sensores no corpo que ficarão fixados no paciente enquanto ele dorme. No meu caso, fiz a polissonografia domiciliar, que é a mesma realizada no hospital, mas em casa. A diferença entre a hospit
alar e a domiciliar é que nesta não há registro em vídeo da noite dormida nem a presença de um técnico.

“Os pacientes reclamam de ter que dormir no hospital e o quanto poderia interferir essa diferença entre estar no hospital e estar em casa. Hoje em dia os exames domiciliares são bastante precisos”, explica a médica Gisele Richter Minhoto, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) especialista em medicina do sono.

Preparação para o exame

Você dorme em casa, mas precisa ir até o consultório, clínica ou hospital ser preparado para a noite.

A montagem consiste na colocação de dezenas de eletrodos e sensores pelo corpo, da cabeça aos tornozelos. A fixação dos eletrodos é feita com uma pasta condutora, que tem a textura de um creme esfoliante (e nesse momento se compreende a orientação para homens fazerem a barba: aplicar a pasta condutora sobre os pelos faciais é um incômodo adicional).

Os sensores, concentrados na cabeça, são fixados com esparadrapos hipoalergênicos. Há sensores na testa, nas narinas e na boca. Sensores e eletrodos são conectados por fios a um receptor, que por sua vez se liga a um aparelho um pouco maior, do tamanho de uma caixa de lápis de cor pequena, que é o que registrará o resultado de cada um dos parâmetros do exame em um cartão de memória. Este aparelho é preso por uma cinta colocada no tórax do paciente.
É com todo esse equipamento que a pessoa precisa dormir. “O exame permite ver tanto em termos de qualidade e quantidade de sono, e os estágios de sono, a distribuição e as alterações respiratórias, quando se têm, e tudo o mais”, afirma Gisele.
Queixas de dificuldades ainda maiores para dormir devido à aparelhagem são comuns em pacientes que fazem a polissonografia, mas isso não significa que os resultados sejam alterados pela noite incomum de sono:
“Podem alterar estrutura e eficiência de sono e em um pequeno grau, o respiratório, mas não altera de modo a reclassificar a apneia, por exemplo. Se a apneia observada no exame foi moderada, não serão as alterações de incômodo que levarão a mais ou menos apneia que reclassifiquem o resultado, ou seja, continuará sendo moderada pois o impacto na parte respiratória é pequeno”, diz Letícia. “A polissonografia é bem precisa”, complementa.

Gisele Minhoto, da PUCPR, explica que a polissonografia permite avaliar tanto a qualidade, a quantidade e os estágios do sono como a distribuição e as alterações respiratórias, quando existem.

“A gente pode ver movimento de pernas, a parte de oxigenação e alterações respiratórias. Eventualmente, a questão do bruxismo. Podem se ver microdespertares de 10 ou 15 segundos que a pessoa não percebe que tem, sendo que essa é a causa de um sono não-reparador. Também alguma arritmia mais grosseira que possa estar sendo desencadeada por alguma situação de sono”, conta.
A apneia é a principal causa dos distúrbios do sono. É um “distúrbio multifatorial”, explica Letícia Soster. “É uma causa frequente de distúrbios do sono que pode ocorrer por múltiplos fatores: obesidade, restrição do calibre da via aérea por alterações ósseas, maior colapsabilidade da via aérea”, explica.

Considerando os danos que a apneia persistente pode causar ao paciente, o incômodo provocado por uma noite de sono monitorada não é nada. “A apneia é uma pausa respiratória: o corpo para de respirar, seja por motivo mecânico ou do sistema nervoso central, que para de enviar ordens para respirar. Como consequência há redução na concentração de oxigênio no sangue, fragmentação do sono, maiores chances de despertar”, completa Letícia.

Que os médicos não nos ouçam, mas não é confortável dormir coberto por tantos fios, sensores e aparelhos, especialmente pela dificuldade de se posicionar na cama da maneira habitual. Aí a orientação de levantar cedo no dia do exame se justifica: em algum momento, você adormecerá de exaustão, e quatro ou cinco horas de repouso serão suficientes para a polissonografia detectar as alterações no seu sono.
Depois, é só voltar à clínica para retirar a aparelhagem e, por fim, tomar um banho bem demorado até saírem todos os eletrodos e resquícios da pasta condutora.
Perguntei se não há nenhuma tecnologia em vista que facilite a noite do paciente que faz este exame, como aparelhos menores ou sem fio, por exemplo. “Já há equipamentos mais leves, mas não aprovados pelos órgãos reguladores brasileiros”, respondeu Letícia. De todo modo, a polissonografia que se faz no Brasil é exatamente a mesma realizada em qualquer país desenvolvido. Em nome de recuperar as boas noites de sono, o incômodo vale a pena.
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