Saúde e Bem-Estar

Roger Pereira, especial para a Gazeta do Povo

“Mosquito de laboratório” é aposta no combate à dengue no país

Roger Pereira, especial para a Gazeta do Povo
10/10/2019 13:00
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Mosquitos transgênicos, criados em laboratório, são polêmica sobre benefícios ou riscos Foto: Bigstock

Uma solução que parece vinda de episódio de séries de ficção pode ser uma nova arma na luta contra a dengue e outras doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, como a zika e chikungunya.
Mosquitos geneticamente modificados, criados em laboratório, estão sendo testados desde 2013 como uma ferramenta de controle biológico dos insetos. E os resultados são promissores, com a redução de mais de 90% da população do mosquito nos locais testados.
Uma polêmica, porém, chamou atenção dos especialistas no último mês. Um estudo, publicado na edição de setembro da revista Scientific Reports alertou para o risco do surgimento de espécies híbridas (mescla de mosquitos geneticamente modificados com mosquitos selvagens), em áreas onde foram liberados os transgênicos.
Encabeçado por Jeffrey R. Powell, geneticista da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, o artigo relatava a análise da população de Aedes aegypt em Jacobina, na Bahia, quatro anos depois do experimento com os mosquitos de laboratório.

O estudo abriu a possibilidade de surgimento de insetos mais fortes e mais resistentes, após vários cruzamentos de mosquitos selvagens com os transgênicos, e seus descendentes.

Alarme falso
O artigo causou alarde e preocupação, mas a publicação está sendo revisada. Seis de oito coautores da pesquisa discordaram da redação do final do texto e pediram sua retificação no dia 20 de setembro.
Uma das coautoras do artigo, Margareth Capurro, professora do Instituto de Ciencias Biomédias (ICB) da USP, questionou a publicação, salientando que eventuais mosquitos híbridos encontrados atualmente na cidade baiana de Jacobina não representam nenhum perigo para a população, pois não transmitem mais doenças do que os mosquitos comuns e não são resistentes a inseticidas.
Conselheiro e membro da comissão de Saúde do Conselho Regional de Biologia do Paraná, Robson Delai diz que ainda faltam estudos para se poder “soltar na natureza” os mosquitos transgênicos, principalmente para avaliar o funcionamento da tecnologia em ambientes diferentes.
“Mas acredito que todas as tecnologias, não só o mosquito transgênico, mas como, também, os mosquitos irradiados e o mosquito contaminado com Wolbachia (bactéria que inibe a transmissão dos vírus pelo mosquito), são bem-vindas. As tecnologias são fantásticas, mas precisam ser esmiuçadas. Sou completamente a favor das novas tecnologias, mesmo porque, sem elas, jamais conseguiremos controlar o mosquito”, disse.

Mosquitos transgênicos

Desenvolvido por pesquisadores da Universidade Oxford, os mosquitos transgênicos da empresa inglesa Oxitec, batizados de Aedes do Bem, carregam um gene autolimitante que impede a geração de descendentes fêmeas (o gênero do mosquito que pica o ser humano transmitindo os vírus).

“Após o acasalamento de um inseto macho de 2ª geração da Oxitec com uma fêmea alvo do tipo selvagem, toda a progênie fêmea morre, ocorrendo uma seleção dos descendentes machos e gerando efeitos de supressão populacional de curto prazo. Ao mesmo tempo, a progênie de machos sobrevive, carregando com ela o gene auto limitante da Oxitec e também genes naturais de suscetibilidade a inseticidas para a população”, explica a diretora geral da Oxitec Brasil, Natalia Verza Ferreira, PhD em genética e biologia molecular.

Além disso, por características genéticas, os mosquitos descendentes do “Aedes do bem”, são mais fracos, com ciclo de vida mais curto (um aedes selvagem vive entre 30 e 35 dias) e mais suscetíveis a inseticidas.

Os primeiros testes

O projeto teve início na cidade brasileira de Jacobina (BA), em 2013. Mosquitos transgênicos foram liberados durante 117 semanas e resultaram na supressão contínua das populações de Aedes aegypti nas áreas tratadas, totalizando uma redução de 94% na população de mosquitos, durante o experimento.
“A linhagem OX513 desaparece do ambiente algumas semanas após a interrupção das liberações, como esperado. Funciona como um inseticida, mas biológico: enquanto você aplica, vê o efeito. Se parar de usar, os mosquitos voltam”, diz a bióloga.
Em Piracicaba (SP), 12 bairros, com uma população somada de 65 mil pessoas, receberam os mosquitos transgênicos entre 2015 e 2016. O número de casos de dengue reduziu de 133 nos 12 meses anteriores ao experimento para apenas 12 no período de atuação dos Aedes do bem.
Atualmente, uma segunda geração dos mosquitos da Oxitec está sendo testada em Indaiatuba (SP). “Esses testes nos permitirão concluir a quantidade necessária de mosquitos a ser liberada em cada região, o período de aplicação e o custo do processo, que deverá ser competitivo com os preços das outras ferramentas de controle do mercado”, disse Natalia Verza Ferreira, informando que, nos testes de Indaiatuba, são liberados 100 mosquitos por habitante.
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