Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

“Parkinson fez comida perder sabor”, diz paciente com eletrodos cerebrais

Amanda Milléo
20/09/2019 08:00
Thumbnail

Jonas Stainsack foi diagnosticado com Parkinson aos 40 anos. Depois de uma cirurgia, os sintomas melhoraram. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo. | Gazeta do Povo

Antes de completar 30 anos, o então estudante Jonas Stainsack teve os primeiros sintomas do Parkinson. Era 1996 e o jovem percebeu que não sentia mais o cheiro das coisas.
“Como eu fazia mestrado em Química, achei que tivesse lesionado alguns receptores olfativos com alguma substância tóxica. Nem passou pela minha cabeça que poderia ser Parkinson”, diz Jonas, que atualmente está com 52 anos e é professor aposentado.
Jonas conviveu bem com a falta de odor por mais dois anos quando, em 1998, outro sintoma chamou atenção. Fortes dores no ombro esquerdo passaram a atrapalhar o tocar e o dedilhar do violão e a prática da flauta.

“Achei que fosse um problema para um ortopedista e busquei vários, mas ninguém resolvia o problema. Eu sou músico e não toco mais como antigamente. Vi que aumentava a minha dificuldade na coordenação motora e eu comecei a tremer. Eu achava que era por nervosismo, mas a dor continuava”, diz.

Em 2011, sem aguentar mais conviver com os sintomas, Jonas buscou mais um ortopedista. Desta vez, porém, foi categórico: não sairia dali sem um diagnóstico correto.
“Eu falei para ele que antes eu chegava à mesa do médico e ele já me prescrevia o que era para eu tomar. Eu queria contar a minha história. Fiz ressonância da cervical, teste de força e ele me encaminhou a um neurologista. Não entendi na hora o por quê, mas fui”, relata.
Quando finalmente foi atendido por um neurologista, o médico tinha poucas perguntas a fazer a Jonas e logo sentenciou: “Ele me disse: ‘olha, eu vou prescrever uns exames para descartar outras doenças, mas eu acho que é Parkinson.”

Doença de Michael J. Fox

O choque com a possibilidade da doença foi grande em Jonas, que só conhecia Parkinson pelo caso do ator norte-americano Michael J. Fox, da trilogia “De Volta Para o Futuro”.

“Eu achei que não fosse Parkinson e fiz os exames. O médico também me passou um medicamento, o Prolopa [associação das substâncias levodopa e cloridrato de benserazida], que era algo novo e disse que se os sintomas melhorassem, era Parkinson. E os sintomas melhoraram”, conta Jonas, que na época do diagnóstico havia completado 43 anos.

Com a exclusão de outras condições a partir dos exames e com os sintomas que apresentava (inclusive problemas gastrintestinais), Jonas foi diagnosticado com Parkinson quando estava entrando no segundo estágio da doença.
ESTÁGIOS
Ao todo, o Parkinson apresenta cinco estágios, classificados de acordo com a escala de Hoehn & Yahr:

Estágio 1 — Em um primeiro momento, os sintomas podem não interferir na rotina da pessoa. Sinais como os tremores atingem apenas um lado do corpo. 

Estágio 2 — No segundo estágio, ambos os lados do corpo são acometidos pelos tremores, rigidez dos músculos e dificuldades em se locomover. Falar passa a ser mais difícil, e o tom de voz também reduz. Ainda assim, trata-se de uma fase mais leve a moderada da doença. 

Estágio 3 — Aqui, a doença é de leve a moderada e o paciente apresenta alguma instabilidade na postura. Movimentos estão mais lentos e não há muito equilíbrio para ficar em pé e andar. Há mais risco de quedas. 

Estágio 4 — A partir do quarto estágio, os sintomas do Parkinson são mais graves e incapacitantes. Andar e realizar tarefas do cotidiano só podem ser feitos com ajuda, e o paciente tende a perder a autonomia.  

Estágio 5 — No estágio mais avançado, o paciente passa a ficar mais tempo na cadeira de roda ou mesmo na cama. É comum também que a pessoa apresente, nessa etapa, alucinações e delírios. 

“Eu estava indo para o segundo estágio quando descobri a doença e estava no terceiro quando fiz a cirurgia [de colocação de eletrodos no cérebro]. Meu pé enroscava no chão para andar, eu tinha depressão, porque existe uma relação entre depressão e Parkinson. Não tinha vontade de fazer nada, relaxei no trabalho, não fazia mais exercício. Eu costumava correr 10 km por dia. Parecia que minha perna esquerda não respondia aos comandos. Tinha vontade de moer os instrumentos musicais. Hoje melhorei muito, inclusive o meu humor”, relata.

“Eu era vegetariano, cuidava da saúde, fazia atividade física. Não bebia, e nem bebo hoje, não fumo, fazia tudo para me cuidar. Foi um choque grande quando descobri o Parkinson“, conta Jonas.

Cirurgia de eletrodos no cérebro

Como o tratamento de Jonas se baseava principalmente em uma medicação — e a dosagem tende a aumentar com o passar do tempo, bem como o risco para o fígado —, o médico responsável por ele sugeriu uma abordagem diferente, cirúrgica.
A cirurgia implantaria eletrodos no cérebro de Jonas, desde que a doença não tivesse acometido a parte cognitiva e nem houvesse atrofia no órgão. Liberado, o professor aposentado realizou o procedimento em novembro de 2018 e até o início de 2019 realizou ajustes para que os eletrodos atuassem contra os sintomas.

“[A cirurgia] não cura a doença, mas melhora os sintomas, a coordenação motora. Eu não conseguia dirigir, porque meu pé perdia a sensibilidade e hoje está bem melhor. No momento eu levo uma vida quase normal, com poucas coisas diferentes. Às vezes até esqueço que tenho a doença.”

Nem todo mundo, porém, se beneficia com o procedimento. Pacientes que tiveram comprometimento cognitivo ou apresentam atrofia no cérebro decorrente da doença não tem a indicação do procedimento. Quem foi diagnosticado com parkinsonismo (sintomas semelhantes à doença), também não têm indicação da cirurgia, pois os resultados não serão benéficos.

“Voltei a tocar violão, mas o olfato continua o mesmo”

Hoje, Jonas voltou a tocar o violão, ainda que não com a mesma precisão de antes. Com relação ao olfato, porém, houve pouca melhora.
Quando recebeu o diagnóstico do Parkinson, o professor aposentado Jonas Stainsack não tinha mais o mesmo olfato e nem era mais capaz de tocar violão como antigamente. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo.
Quando recebeu o diagnóstico do Parkinson, o professor aposentado Jonas Stainsack não tinha mais o mesmo olfato e nem era mais capaz de tocar violão como antigamente. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo.

“Uma vez passei por uma loja de perfume e a vendedora queria que eu experimentasse. Eu não senti nada e fiquei com vergonha de falar qual eu tinha gostado mais. Agora, o cheiro de cigarro eu sinto a quase um quilômetro de distância, e eu odeio esse odor. O problema é que [a redução do olfato] interfere no paladar. Antes eu comia chocolate e sentia um gosto tão bom. Hoje eu só sinto gosto de açúcar”, exemplifica Jonas. 

Estudo em Curitiba busca pessoas com Parkinson

Embora o Parkinson tenha sinais bastante conhecidos, como a rigidez muscular, há sintomas que surgem até 20 anos antes dos tremores, como os problemas olfativos, as perturbações no sono e o intestino preso. Identificar esses casos o quanto antes favorece o diagnóstico precoce da doença e, por consequência, o tratamento.
Um dos genes associado ao desenvolvimento de Parkinson é o LRRK2, que atualmente tem sido avaliado em um estudo global, no qual está credenciado o hospital Angelina Caron, da região metropolitana de Curitiba.
Pessoas diagnosticadas com a doença, acima de 18 anos, podem colaborar com o estudo — que visa descobrir quantos pacientes com a doença têm, de fato, esse gene. Uma vez identificado que o gene está presente entre os diagnosticados, tanto a forma como o diagnóstico é feito, quanto o tratamento, poderão melhorar futuramente.

“No futuro, o diagnóstico poderá ser feito por meio da coleta de sangue. Poderemos fazer um diagnóstico muito mais precoce, porque a doença tem os sinais motores, como os tremores, mas tem sinais anteriores a isso. Por exemplo, perturbação do sono, perda de olfato, intestino preso, pessoa que cai da cama, que chuta o companheiro durante a noite, tem pesadelos reais, e esses sinais surgem muito antes do tremor”, explica Giorgio Fabiani, neurologista clínico do hospital Angelina Caron, e principal investigador do estudo no Brasil. O hospital é o único centro oficial do estudo até o momento.  

Quem quiser participar deve se encaixar nos seguintes critérios:
  • Ter o diagnóstico da doença de Parkinson (não pode ser parkinsonismo);
  • Ter mais de 18 anos;
  • Aceitar participar do estudo genético;
  • Aceitar retirar 1 mL de sangue para a análise genética.
  • Interessados devem entrar em contato através do e-mail: giorgiofabiani@icloud.com
“O paciente vai passar por uma avaliação só, que pode ser feita no hospital ou no meu consultório mesmo. Uma vez feita a avaliação, a pessoa continua o tratamento com o médico dela. Não há mudança na medicação, nem nada do tipo. Depois de algumas semanas, receberá o relatório completo sobre os resultados. Por exemplo, se a pessoa morar em outra cidade, pode vir fazer a coleta e voltar para a cidade, continuando a terapia com o médico dela”, explica o médico.
LEIA TAMBÉM