Saúde e Bem-Estar

Melina Pockrandt, especial para o Viver Bem

Big Data, exame genético e Apple Watch: como a tecnologia tem revolucionado a saúde

Melina Pockrandt, especial para o Viver Bem
28/05/2019 20:53
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Tecnologia avança na área de saúde com muita velocidade usando inteligência artificial. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo. | Leticia Akemi

O Apple Watch – relógio inteligente da Apple – ganhou destaque no último congresso da Academia de Cardiologia norte-americana, que aconteceu esse ano nos Estados Unidos.
A Universidade de Stanford apresentou o resultado do Apple Heart Study, um estudo que contou com a participação de mais de 400 mil pessoas para verificar a capacidade do dispositivo de identificar a fibrilação atrial – um tipo de arritmia cardíaca que aumenta o risco de infarto e acidente vascular cerebral.

“Para haver o diagnóstico de fibrilação atrial é necessário realizar um eletrocardiograma no momento em que o paciente estiver apresentando a arritmia. Porém, muitas vezes, esses episódios não são perceptíveis. A proposta do estudo da Apple foi verificar se o dispositivo conseguiria detectar batimentos cardíacos irregulares potencialmente ligados à fibrilação atrial nos usuários do relógio”, explica o cardiologista Miguel Morita, da Quanta Diagnóstico por Imagem.

A pesquisa conseguiu identificar uma parcela de indivíduos com uma possível arritmia e eles foram encaminhados para um exame cardiológico. Desses, um terço apresentou a fibrilação atrial.
O estudo ainda não foi publicado e não determina que o Apple Watch tenha potencial para diagnosticar a doença, porém aponta as tendências para o futuro da medicina.
“A Apple e o Google estão buscando desenvolver dispositivos que possam ser usados com propósitos médicos. Hoje, eles já têm aprovação da FDA – Food and Drug Administration, a ‘Anvisa dos EUA’, para serem usados com esses fins.
A última versão do Apple Watch já tem a função de realizar um eletrocardiograma simples (ainda não autorizado no Brasil) e tem também um detector de queda. Se o relógio identifica que a pessoa caiu, ele solicita uma confirmação de que ela está bem. Quando não há resposta em 1 minuto, os serviços de emergência são contatados”, conta Morita.
Além dos recursos do relógio inteligente, a Apple tem investido em aplicativos e melhorias de hardware para oferecer recursos facilitadores da prática médica – em hospitais, consultório e no acompanhamento de pacientes.

O Google não fica para trás e também tem desenvolvido pesquisas sobre a aplicação da inteligência artificial na área da saúde. Em estudo publicado no ano passado, demonstrou como um algoritmo pode detectar diversas condições oftalmológicas, entre elas a retinopatia diabética, doença que pode levar à cegueira.

Essa é apenas uma das muitas áreas que estão sendo exploradas pela empresa. “A tendência é que a inteligência artificial ganhe cada vez mais espaço e traga muitos benefícios. Porém, é necessário testar criteriosamente as tecnologias mais modernas, assim como é feito com um novo medicamento, antes de utilizá-la no cotidiano médico”, avalia Morita.
As gigantes da tecnologia, como Apple, Google, Amazon, IBM e Microsoft, estão investindo na área da saúde e não são as únicas. Conhecido como healthtech, o mercado cresce ano a ano com o surgimento de novas empresas.
“Somente na Califórnia, em 2018 foram investidos mais de 13 bilhões de dólares, 50% a mais do que no ano anterior”, aponta Maria Fernanda Neves, sócia da StartSe. A empresa da área de tecnologia e inovação mantém sede na China e no Vale do Silício (EUA) para acompanhar as principais tendências e é organizadora da HealthTech Conference.
Já foram três edições do evento, que reúne profissionais de saúde, tecnologia e startups para discutir as novidades do setor, incluindo o que já está disponível e seus benefícios aos pacientes.

Doenças neurológicas no alvo

O método brain4care pode reduzir o tempo do diagnóstico de meses e anos para horas ou dias, além de dispensar procedimentos invasivos, como a introdução cirúrgica de um cateter no interior do crânio, para muitos casos. Foto: Divulgação
O método brain4care pode reduzir o tempo do diagnóstico de meses e anos para horas ou dias, além de dispensar procedimentos invasivos, como a introdução cirúrgica de um cateter no interior do crânio, para muitos casos. Foto: Divulgação
Na edição de 2019, por exemplo, aconteceu a apresentação do sensor sem fio do método brain4care, sistema de monitoramento da pressão intracraniana que recebeu recentemente a certificação da Anvisa.
O produto é uma opção não invasiva para avaliação e diagnóstico de doenças neurológicas, em alguns casos, antes mesmo de o paciente apresentar sintomas.

“O método permite o acesso a uma informação vital que antes era obtida em casos específicos por meio de métodos invasivos, sendo o mais conhecido a introdução cirúrgica de um cateter no interior do crânio. Na triagem, permite confirmar a existência de problemas neurológicos, antes mesmo do aparecimento de sinais clínicos. Na definição de diagnóstico, acelera e qualifica a identificação de casos de hidrocefalia, AVC, doenças hepáticas e renais, pré-eclâmpsia, hematoma subdural, meningite e trauma”, explica Gustavo Frigieri, diretor científico da brain4care.

Com o dispositivo sem fio, lançado em abril de 2019, o médico ou o pesquisador pode acompanhar os dados do paciente de qualquer lugar com acesso à internet em um tablet ou celular e não apenas onde há um monitor hospitalar.
“Além disso, a tecnologia wireless facilita a utilização do método em novos ambientes e contextos, como clínicas médicas que, em geral, não possuem o monitor multiparamédico e em UTIs móveis (ambulâncias)”, comenta Frigieri.

Tomografia

O método representa bem a principal tendência na área da tecnologia voltada para a saúde: desenvolver modos menos invasivos para chegar a diagnósticos mais precisos e rápidos. E isso tem acontecido de duas maneiras: criação de novos equipamentos e aprimoramento dos já existentes.

“É o caso da tomografia que evoluiu e hoje oferece imagens com maior resolução, reconstrução tridimensional mais detalhada com melhor propriedade diagnóstica; isso me permite selecionar campos de intervenção muito mais restritos e realizar procedimentos cirúrgicos menos invasivo”, exemplifica o cirurgião Adonis Nasr, conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR).

O aprimoramento da tomografia não foi somente na qualidade da imagem. Desde a década de 1970, o exame se uniu à tecnologia nuclear para obter informações diagnósticas além da imagem anatômica, resultando no PET/CT (tomografia por emissão de pósitrons).
“A radiologia estuda a anatomia; o PET, por sua vez, usa diferentes moléculas para analisar o metabolismo celular. Essa tecnologia é utilizada para o diagnóstico de câncer e na cardiologia já há algum tempo. O que tem avançado nos últimos anos são novas aplicações com utilização de moléculas mais específicas que permitem diagnósticos mais precisos”, conta o cardiologista João Vítola, diretor da Quanta Diagnóstico por Imagem.
Além da oncologia e cardiologia, avaliações do metabolismo cerebral já podem ser realizadas com o PET, permitindo avaliar áreas do cérebro comprometidas por Alzheimer.
“Esse é um dos exemplos em que o avanço nos diagnósticos é mais rápido do que nos tratamentos. Já conseguimos identificar sinais da doença, ainda que não haja como tratar esse paciente. Porém, acreditamos que isso estimula as pesquisas e as alimenta com mais informações”, observa Vítola.

Big data: um mundo de dados em favor da saúde

A coleta e compartilhamento de dados na área da saúde é um dos avanços mais significativos trazido pela tecnologia. Um exemplo é o MALDI-TOF, equipamento de última geração que identifica bactérias e reduz o tempo de diagnóstico, intervenção e tratamento da sepse.
Porém, sua eficiência só é possível graças à integração de sistemas do mundo todo, que permite os estabelecimentos de parâmetros para compreensão dos resultados obtidos, segundo explica o infectologista Hugo Morales, do Hospital Erasto Gaertner.

“Uma tendência mundial é utilizar a medicina baseada em evidências e essas evidências passam pela análise de dados coletados pela comunidade científica do mundo inteiro. Quanto mais serviços integrados, mais fiéis eles se tornam. Assim, é possível tomar condutas e estabelecer protocolos com mais segurança e propriedade”, comenta o Adonis Nasr.

Há informações que são compartilhadas, lidas e aplicadas por profissionais da saúde através da troca de experiências. Mas há também aquelas consideradas big data, um conjunto tão grande e complexo de dados que precisa de sistemas específicos para serem organizados e interpretados.
“Eles analisam um volume gigantesco de dados e os transformam em informações valiosas para uso da equipe médica, auxiliando em diversas áreas, em especial, a parte diagnóstica”, afirma o médico patologista do Hospital Erasto Gaertner Sérgio Ioshii.
A integração e utilização desses dados têm impacto no tratamento, diagnóstico, mas também na prevenção, contribuindo para compreender melhor o cenário em determinada comunidade e a urgência de ações específicas.

“A análise de dados em saúde permite o diagnóstico da saúde daquela população e a identificação de fatores ambientais que possam ser modificados, as campanhas de vacinação mais urgentes, a incidência de doenças infectocontagiosas e até o perfil de prevalência das doenças genéticas”, exemplifica Myrna Campagnoli, diretora médica do Laboratório Frischmann Aisengart, que faz parte da Dasa, rede que possui uma área dedicada a analisar as informações coletadas para poder fornecer estatísticas a pesquisas científicas em universidades públicas e privadas.

Para o diretor executivo do Hospital Pilar, Rodrigo Milano, a inteligência artificial – tanto na coleta quanto na interpretação desses dados – será cada vez mais utilizada.
“O nosso presente e futuro próximo já contemplam a integração da inteligência artificial como fator de avanço e ganho na integração máquina e ser humano. A capacidade de armazenamento e do raciocínio agregarão ganhos imensos na capacidade diagnóstica”.
O poder da genética
A genética é uma das áreas que mais têm avançado e continua na mira dos pesquisadores, devido às suas inúmeras aplicações. “Os exames permitem um diagnóstico assertivo, orientando um tratamento individualizado e com mais chances de sucesso. Além disso, mesmo que não seja possível tratar o paciente, como em muitas síndromes genéticas, podemos orientar uma abordagem mais efetiva, conhecendo o prognóstico e evolução da doença”, comenta Myrna Campagnoli, diretora médica do Laboratório Frischmann Aisengart.
No caso de tratamentos para câncer, por exemplo, o exame genético se torna um aliado no diagnóstico e pode orientar a conduta para cada paciente: quais medicamentos podem ser eficazes para aquele tumor específico, fazer ou não radioterapia, qual o porte da cirurgia que deve ser realizada.

“Um exemplo é o de uma paciente com câncer de mama com mastectomia de um seio marcada. Se, ao realizar o exame genético, ela descobre que é portadora de uma mutação genética potencialmente causadora da doença, na cirurgia ela já pode escolher retirar as duas mamas para prevenir um novo caso no futuro”, explica José Cláudio Casali da Rocha, médico geneticista e chefe do departamento de Oncogenética do Hospital Erasto Gaertner.

Esse tipo de avaliação permite a personalização do tratamento e já tem sido utilizada como complemento no processo de diagnóstico. Porém, também pode ser realizada por pacientes que não estão doentes. É o famoso caso da atriz Angelina Jolie que retirou os seios após um exame que identificou mais de 80% de chances de desenvolver câncer de mama.
“Atualmente, a ciência avançou e conhecemos mais de 400 genes que podem causar o câncer. Não tínhamos métodos adequados, porém hoje já conseguimos testar vários genes ao mesmo tempo. Também podemos fazer painéis genéticos, considerando a herança do pai e da mãe. Temos hoje conhecimento para prevenir inúmeros casos de câncer através do estudo genético”, ressalta Casali.

O avanço na área levou ao serviço conhecido como aconselhamento genético, que consiste em usar as informações obtidas nesse exame para tomar decisões preventivas em curto, médio ou longo prazo.

Nem sempre isso significa optar por um procedimento cirúrgico; algumas vezes a decisão é fazer um acompanhamento periódico mais rigoroso ou mesmo mudar hábitos de vida que podem diminuir os riscos de desenvolver doenças.
Ainda que a área da oncologia tenha maior visibilidade, o aconselhamento genético não se resume a ela. “Algo muito recente, que já é realidade hoje, é a possibilidade de estudar todo o material genético de uma pessoa e predizer se há ou não riscos de desenvolver doenças relacionadas aos genes. A tendência é que logo os testes sejam mais comuns, os preços caiam e estejam disponíveis a quem desejar realizar”, afirma o médico geneticista Salmo Raskin, diretor do Genétika – Centro de Aconselhamento e Laboratório de Genética.
Raskin aponta que o futuro, em curto prazo, é que esteja ao alcance da população e a preços mais acessíveis exames que, além de apontar os riscos para doenças genéticas, também poderão fazer o mesmo para outras condições frequentes na população, como diabetes, hipertensão e osteoporose.

“Muito em breve, será possível estudar uma grande quantidade de genes ao mesmo tempo e dizer quais são as chances de o indivíduo desenvolver, por exemplo, o diabetes, mesmo sem nenhum histórico familiar. Nesse momento, o paciente poderá fazer uma escolha de melhorar o seu estilo de vida e, quem sabe, nunca apresentar a doença graças à prevenção”, diz o geneticista Salmo Raskin.

Saúde do coração em foco

Doenças do sistema cardiovascular são a principal causa de morte no Brasil e no mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Diagnosticar e iniciar tratamento precocemente é um dos objetivos dos avanços tecnológicos na área, mas outro foco é desenvolver métodos que evitem procedimentos invasivos que trazem risco aos pacientes.
Um dos avanços recentes é a análise do escore de cálcio, uma nova utilização para a tradicional tomografia. “Com ele, medimos a quantidade de pontos calcificados na artéria coronária e chegamos à carga de aterosclerose do paciente. O resultado aponta se o indivíduo, mesmo sem sintomas no momento, possui alto risco de apresentar um evento cardíaco, como a morte súbita. Esse exame permite descobrir precocemente uma condição grave no coração e mudar a história de vida do paciente; esse é o foco dos avanços tecnológicos”, comenta o cardiologista João Vítola, diretor da Quanta Diagnóstico por Imagem.
Aos 53 anos, sem sintomas graves, Marcelo Molento detectou um sério problema cardíaco graças a avançados exames de diagnóstico por imagem. Foto: Letícia Akemi/ Gazeta do Povo.
Aos 53 anos, sem sintomas graves, Marcelo Molento detectou um sério problema cardíaco graças a avançados exames de diagnóstico por imagem. Foto: Letícia Akemi/ Gazeta do Povo.
Esse foi o caso de Marcelo Molento, que aos 53 anos resolveu investigar um leve incômodo que sentia no peito. Apesar de praticante rotineiro de esportes, ele tinha histórico familiar de doenças cardíacas e recebeu indicação de realizar exame de sangue e teste de esforço.
“Esses são procedimentos válidos, porém não têm alto valor preditivo negativo, ou seja, mesmo que o resultado deles seja normal, não é possível descartar doenças cardíacas”, explica Vítola.
Nesse caso, o paciente procurou uma segunda opinião e o cardiologista Rodrigo Cerci indicou o exame do escore de cálcio, que apontou um grande risco cardíaco e demonstrou a necessidade de uma investigação mais detalhada.

“O escore de cálcio foi estratosférico e o resultado da cintilografia mostrou que minha situação era grave, mesmo que os sintomas não indicassem. Acredito que é fundamental usar todo o recurso tecnológico disponível para que possamos viver mais e melhor”, conta Molento, que precisou de procedimento cirúrgico e medicação como tratamento. Hoje já voltou às suas atividades esportivas, como corrida e natação.

Outro avanço no diagnóstico por imagem é a angiotomografia, que pode descartar completamente a doença cardíaca sem a necessidade de um cateterismo, procedimento tradicional para a análise das artérias coronárias.
“Hoje, com a angiotomografia, vemos em três dimensões a árvore arterial. Conseguimos avaliar as obstruções e guiamos o tratamento do paciente; que podem ser mudanças no estilo de vida, uso de medicamentos ou mesmo, em casos mais graves, procedimentos para desobstrução das artérias”, conta Vítola.
Ainda que tenha grande valor para direcionar o tipo de tratamento e ter conhecimento da real situação do paciente, o maior benefício é poder descartar a doença em indivíduos saudáveis sem precisar de cateterismo.
“Antes da angiotomografia para conhecer a anatomia coronária era preciso fazer o cateterismo, um procedimento invasivo com risco para pacientes – muitas vezes saudáveis.”
O diagnóstico também avançou com a possibilidade de integrar informações de diferentes tecnologias. O cardiologista João Vítola exemplifica: hoje é possível obter uma imagem anatômica de um coração, por meio da angiotomografia, e detectar a obstrução de uma artéria.
Já por meio de uma cintilografia, identificar se o restante das artérias supre ou não o fluxo de sangue necessário para o órgão. “Combinando esses dados, eu posso saber qual deverá ser o tratamento, se mais agressivo ou conservador. Essa integração está sendo possível graças à evolução nos softwares e sistemas de computador”, afirma Vítola.
Para o cardiologista, avanços como esses estão entre os responsáveis pelo aumento da expectativa de vida da população. “Em cerca de seis décadas, ganhamos cerca de 25 anos de vida, graças à melhor compreensão das doenças, novos tratamentos e métodos diagnósticos. O que impacta a expectativa de vida é sempre o tratamento, mas é a tecnologia diagnóstica que pode orientá-lo. E continuaremos a melhorar; no futuro será cada vez mais comum os indivíduos viverem mais de 100 anos”, prevê.
Exames estão avançando rapidamente e podem dar melhores condições para diagnósticos e tratamentos mais precisos. Foto: Marcelo Andrade/Divulgação Hospital Erasto Gaertner.
Exames estão avançando rapidamente e podem dar melhores condições para diagnósticos e tratamentos mais precisos. Foto: Marcelo Andrade/Divulgação Hospital Erasto Gaertner.

Câncer: diagnósticos que personalizam tratamentos

Relatório divulgado este ano pela American Cancer Society aponta que as mortes causadas por câncer diminuíram 27% nos últimos 25 anos. No estudo, a queda é atribuída à diminuição do uso de cigarro, ao avanço nos tratamentos e à maior capacidade de fazer diagnóstico precoce da doença.
“Há algum tempo, descobrir um câncer avançado significava morte em pouco tempo. Hoje, há casos em que medicamentos específicos conseguem estacionar o câncer. Com isso, os pacientes estão alcançando tempo de sobrevida”, comenta Sérgio Ioshii, patologista do Hospital Erasto Gaetner.
Nesses casos de diagnóstico tardio do câncer, a tecnologia tem contribuído especialmente para conhecer melhor cada tipo de tumor ou célula cancerosa. Com a histoquímica e histofenotipagem tem sido possível especificar quais são as características de cada câncer e, assim, descobrir os melhores tratamentos e opções para estacionar a doença e permitir a sobrevida do paciente.

“A área da patologia clínica e anatomia patológica tem avançado muito rápido, permitindo a descoberta de medicamentos que conseguem atacar células cancerosas específicas. Hoje, por exemplo, já se conhece um tipo de câncer de mama que atinge 10 a 15% dos pacientes e pode ser controlado com um medicamento específico”, cita Ioshii.

O grande avanço, entretanto, é na área do diagnóstico precoce, que pode mudar a história da pessoa. O maior exemplo, segundo Ioshii, é na área do câncer gástrico, que antigamente só era identificado quando o paciente já tinha sintomas, o que indicava um grau mais avançado da doença.
“Hoje, é possível detectar tumores com 5 mm em uma endoscopia de rotina. E, embora seja um câncer, pode ser curado: 100% de cura se for diagnosticado precocemente, graças à tecnologia”, comemora.
Os métodos de diagnóstico por imagem têm um papel importante na identificação precoce, mas também no acompanhamento do paciente. Na área, os avanços contribuem para aquisições mais rápidas, níveis reduzidos de radiação e maior detalhamento, o que aumenta as chances de detecção de tumores. Um dos exemplos é a tomossíntese, popularmente chamada de mamografia 3D.

“Ela adquire as imagens da mama em múltiplos planos. Alguns estudos citam que a taxa de detecção de nódulos mamários pode aumentar em até 40% com essa tecnologia. O primeiro aparelho foi introduzido no país em 2011, mas nos últimos anos a sua utilização tem sido mais difundida”, explica João Bacarin, médico especialista em radiologia intervencionista do hospital Erasto Gaertner.

O especialista citou ainda os avanços nos exames PET-CT, que permite identificar tumores e sua localização no organismo, e o PET-RM, que melhora o contraste da imagem e reduz a radiação.
“Os aparelhos modernos de ressonância magnética também tem aumentado a acurácia diagnóstica e, em associação com métodos funcionais, por vezes consegue predizer o subtipo histológico do tumor mesmo sem a realização da biópsia”, conta Bacarin. Isso significa redução de procedimentos invasivos e mais conforto ao paciente.
A ressonância chamada de “multiparamétrica” da próstata por exemplo, modificou a maneira como o câncer prostático é diagnosticado. “Um estudo publicado em Março de 2018 no New England Journal of Medicine, um dos periódicos com maior fator de impacto da medicina, obteve dentre as suas conclusões que a RM evita a realização de biópsias desnecessárias e, quando diagnostica, os nódulos permite que a biópsia seja dirigida para as áreas suspeitas, aumentando a sua sensibilidade na detecção de lesões clinicamente significativas”, explica Bacarin.
A grande tendência na área oncológica e que já está sendo aplicada no dia a dia é a radiologia intervencionista, que utiliza métodos de imagem para guiar procedimentos minimamente invasivos, seja em tratamento ou em diagnóstico.

“Biópsias orientadas por ultrassonografia ou tomografia computadorizada por exemplo, utilizam esses métodos de imagem para colocação de agulhas diretamente no interior das lesões suspeitas, evitando muitas vezes procedimentos cirúrgicos mais invasivos”, aponta o especialista.

Esse foi o caso de Shirley de Oliveira Siqueira, de 50 anos, que realizou uma core biopsy; procedimento em que um aparelho é acoplado ao mamógrafo. “A minha biópsia foi um pouco diferente da maioria porque eu não tinha tumor palpável, eu tinha microcalcificações. Então, o meu exame foi feito junto com a mamografia com anestesia local”, conta a paciente. A amostra do tecido tumoral foi encaminhada para estudo da anatomia patológica para identificação do tipo de câncer e direcionamento sobre as opções de tratamento.
“Esse tipo de biópsia é um avanço pela possibilidade de acelerar o processo. Não é necessário um preparo cirúrgico, apenas anestesia local, o que torna tudo mais rápido, do diagnóstico à escolha do tratamento”, comenta Ioshii.
O caso da Shirley exigiu cirurgia para remoção de uma parte da mama. Com a análise histoquímica, foi possível avaliar mais detalhes do tumor e apontar a necessidade do tratamento com radioterapia, quimioterapia e medicação via oral. “Identificou-se que o meu tipo de câncer era agressivo, porém que respondia bem ao tratamento medicamentoso”, relembra Shirley.
Esse tipo de personalização de tratamento é o futuro da oncologia. Entender a peculiaridade do câncer e quais são as melhores terapias a serem utilizadas é a estratégia para promover a cura ou estacionar o tumor. Para isso, cada vez mais as diferentes áreas irão se integrar.

“Os diversos setores (oncogenética, patologia, radiologia, análises clínicas) devem ficar cada vez mais integrados e promover um trabalho colaborativo. Em breve, isso também se refletirá em um novo modelo de laudo, que unirá todas as informações com uma interpretação conjunta dos dados obtidos por todos os setores”, sugere Ioshii.

Para os próximos anos, a patologia prevê a descoberta de novos marcadores para identificação de mais tipos de células cancerosas, assim como a oncogenética trabalha para a conhecer novas mutações genéticas e sua relação com o aparecimento de tumores.
“Hoje 70% dos cânceres são considerados esporádicos e 30% causados por fatores genéticos. Porém, acreditamos que o número de tumores hereditários irá aumentar porque cada vez mais estamos aprendendo sobre genes raros e casos quando a doença é causada por uma herança genética recessiva”, comenta José Cláudio Casali da Rocha, chefe do departamento de Oncogenética do Hospital Erasto Gaertner.
Na área da radiologia oncológica, o futuro deve seguir a tendência geral da área da saúde: uso de inteligência artificial e big data. “Computadores, robôs e algoritmos têm sido formulados para auxiliar o radiologista na detecção das lesões e auxiliar na tomada de decisão diagnóstica. Munida de um banco de dados gigantesco ou mesmo ‘aprendendo sozinha’, a inteligência artificial pode ser usada para reconhecimento de padrões de imagens das lesões, aumentando assim a detecção de tumores e sua associação com determinados tipos de doenças”, observa Bacarin.

Telemedicina

“A telemedicina está para a medicina como o internet banking está para os bancos.” A afirmação é do professor de Telemedicina da Universidade de São Paulo, Chao Wen.
Ele explica que o uso de recursos tecnológicos para a prática médica evitaria filas desnecessárias, maior acesso a serviços de saúde, mais agilidade na resolução de problemas, redução dos riscos da exposição em ambientes insalubres, entre outros.
“Poderíamos aumentar pelo menos 25% da capacidade funcional do sistema de saúde com a mesma estrutura existente”, salienta.
O Conselho Federal de Medicina regulamentou a prática em fevereiro, mas revogou o documento no mesmo mês. Para Wen, há desconhecimento de alguns grupos sobre o que é a telemedicina.

“Existe uma percepção falha de que telemedicina é interação médico com paciente por videocâmera. Na verdade, existem diversos equipamentos de apoio propedêutico, tais como: oxímetro digital, dermatoscópio, estetoscópio digital, ECG para smartphone, etc. A prática não pode ser vista exclusivamente como prestação de serviços por meio de recursos tecnológicos. Precisa ser entendido como uma estratégia de logística para provimento de serviços de saúde eficientes e humanizados.”

O conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Paraná Adonis Nasr aponta que a principal preocupação é a segurança do paciente. “O grande desafio é assegurar que haverá um médico responsável pelo acompanhamento. Entendemos que o paciente precisa ser visto pelo profissional em um primeiro momento e, depois disso, a tecnologia pode ser usada como um apoio complementar”, comenta.
Os profissionais lembram, entretanto, que a tecnologia já é utilizada para alguns tipos de atendimento médico à distância, como a realização de laudos de radiologia ou patologia ou mesmo a teleconsultoria de médico a médico, em que um generalista esclarece dúvidas com especialistas.
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