Saúde e Bem-Estar

Fábio Galão, especial para a Gazeta do Povo

Como uma palavra do médico pode ser o divisor em um tratamento contra o câncer

Fábio Galão, especial para a Gazeta do Povo
04/10/2019 16:16
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Atendimento humanizado no câncer de mama: como os médicos devem proceder? Foto: Bigstock

Conceito que está se disseminando entre profissionais de saúde, o atendimento humanizado é um imperativo no tratamento do câncer de mama, considerando a carga emocional que o diagnóstico e o tratamento podem representar.
Cícero Urban, membro da Sociedade Brasileira de Mastologia, acredita que houve avanços na área, com a abordagem da humanização na formação do mastologista, junto aos médicos residentes e em programas de formação continuada, mas ainda há muito a ser feito – para que os resultados dos tratamentos sejam melhores e também para que a carga negativa atribuída à doença seja atenuada.
“O câncer de mama é uma das doenças dentro da oncologia com mais chance de cura, chega a mais de 90% se for detectada no início. Há também procedimentos cada vez menos mutilantes e com reconstrução mamária imediata. Ainda assim, é uma das doenças que mais aterrorizam as mulheres. O impacto emocional continua sendo muito grande”, afirma Urban, para quem a humanização é tão importante quanto o tratamento, ou até mais.

“A formação do médico, de uma forma geral, está aquém do que precisamos nessa área. A consulta envolve mais do que passar uma receita de medicamento e explicar eventuais complicações. Há casos de cura e com resultados estéticos satisfatórios em que a paciente fica insatisfeita. Em outros, o resultado não foi tão bom, mas a pessoa fica bem emocionalmente. Não existe um protocolo para isso, mas há uma necessidade de ter sensibilidade para saber como agir”, recomenda o mastologista.

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Curar, mas também estética

Urban explica que, com a evolução da medicina, o mastologista hoje não se preocupa apenas com o tratamento, mas também com a parte estética, o que exige um diálogo contínuo com a paciente.
“Há alguns anos, se recomendava apenas a mastectomia e acabou. Isso não existe mais”, diz o médico, que adverte que os profissionais de saúde devem saber embasar suas decisões e impor limites – já que, com a profusão de dados e relatos na internet, trazer especificidades de outros casos para a conversa pode gerar ruído na comunicação médico-paciente.

“Se for levado para o lado positivo, isso de apresentar o caso de outra pessoa é algo que pode ajudar, mas às vezes há informações distorcidas que fazem a paciente até abandonar o tratamento. Tem que ter a humanização, mas sem a segurança do dado científico, não funciona. Como eu disse, não temos um protocolo em que seja pensada a humanização em todas as fases do tratamento, o que exige repensar a formação do médico. Por exemplo, uma situação em que a pessoa faz quimioterapia no hospital e ela fica exposta para todo mundo ver, ela fica se sentindo como apenas mais uma: isso tem que ser revisto”, aponta o mastologista.

Urban afirma, entretanto, que esse é um desafio a ser superado no mundo inteiro – até mais do que no Brasil. “O médico brasileiro ainda é dos que têm mais empatia, até pela nossa cultura, somos mais próximos, temos uma formalidade menor. O médico tem que se colocar pensando dentro dos valores do paciente para entender como ele se sente. Pense numa paciente desesperada, porque está numa condição de família em que não pode ficar numa situação de vulnerabilidade: você precisa entender isso”, explica.

“Não quero mais viver”

O mastologista relata que certa vez uma paciente com câncer de mama metastático veio até ele sem tomar banho e recusando-se a seguir com a medicação para dor: tinha desistido de viver, e a família estava desesperada.
“Ela me disse: ‘Eu quero voltar a ser quem eu era’. Eu respondi: ‘É impossível, todo dia estamos diferentes do que a gente era, melhor ou pior, mas diferentes’. E eu disse que ela tinha chegado até ali pelo otimismo dela. Eu ajustei a morfina dela e no outro dia ela postou numa rede social que estava se sentindo bem. Então, uma palavra tem muita importância”, argumenta.
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