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A cidade-túmulo 2: sou contra a patrulha, não contra o silêncio
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Meus caros, receio ter sido mal-interpretado por algumas pessoas no último post – e senti que devia fazer alguns esclarecimentos. Primeiro, permitam-me reproduzir um trecho do texto que parece ter sido ignorado. Está lá no penúltimo parágrafo: “Óbvio que é preciso haver bom senso, e que a diversão dos boêmios não deve impedir o descanso de quem mora perto dos bares”.

Ou seja, em nenhum momento corroborei ou procurei justificar a falta de respeito na saída dos bares e casas noturnas – ao contrário: ao mencionar a questão da Wood’s, inclusive afirmei que os vizinhos têm razão em reclamar. Concordo plenamente que quem está se divertindo na balada em hipótese alguma (nem nos finais de semana) tem o direito de fazer bagunça na rua. Também abomino quem grita, quebra garrafas, se envolve em brigas, urina nos muros ou decide praticar exibicionismo automobilístico nas madrugadas. Nesses casos, a polícia deve sim ser acionada e esses indivíduos, presos e multados.

Bastaria deslocar uma única viatura da PM para as regiões mais problemáticas, que os bagunceiros pensariam duas vezes. Ah, o problema seria usar efetivo policial (portanto, do estado) para controlar a saída de estabelecimentos particulares. Acontece que os clubes de futebol também são instituições privadas, e demandam um verdadeiro exército de policiais a cada jogo. Seria muito mais eficiente (e adequado) aumentar a fiscalização nesses locais nos dias de baladas, do que promover ações pirotécnicas, prejudicar empresários e constranger clientes “de bem”, como normalmente acontece.

Em relação ao Beto Batata, o problema não foi a autuação ou a interdição em si. Conforme apurou a repórter Aline Peres na edição de hoje, o bar não tinha licença ambiental – portanto, não estava autorizado a funcionar com música ao vivo. Nesse caso, o nosso bravo Robert Amorim, que tanto contribui para a cultura paranaense, estava ERRADO. Mas há outro lado da questão: o Beto Batata não tinha alvará para música ao vivo, mas servia para ser parceiro da própria prefeitura na Oficina de Música de Curitiba, por exemplo. Além disso, é ponto de encontro dos melhores músicos da cidade, como Jeff Sabbag, Glauco Sölter e outros, e palco de parcerias memoráveis com artistas consagrados do Brasil e do mundo. A propósito: não me oponho às interdições agressivas somente no Beto Batata ou nos bares da “moda”, mas em qualquer lugar, inclusive nos “bailões da periferia”, como mencionaram nos comentários.

Pedro Serapio/Gazeta do Povo
Trio em ação no Beto Batata: jazz ensurdecedor.

O que realmente me incomoda nessa história toda é essa obsessão pela censura, essa ânsia por restringir, interditar, reprimir. E não me refiro apenas à vida noturna, não: nesta cidade triste e mal-humorada, eu canso de ver moradores de condomínios que, entre outras coisas, reclamam porque as crianças fazem muito barulho nos playgrounds (de dia!). Para essas pessoas, criança “civilizada” deve ser aquela que, quando não está na escola, fica o tempo todo jogando videogame ou grudada na televisão…


Dito tudo isso, imagino que seja possível compreender o que quis dizer com “quem quiser sossego e silêncio (aqui devia ter acrescentado a palavra ‘absoluto’), que se mude para sítios, bairros tranquilos ou condomínios isolados”. Afirmo isso com conhecimento de causa: moro num apartamento no Centro, na região do Terminal Guadalupe, bem perto do albergue da Fundação de Ação Social (FAS). Mesmo sendo em andar alto, é bem barulhento: as brigas entre bêbados são rotina nas madrugadas, e volta e meia tem algum “noia” alucinado de crack berrando no portão da FAS. Sem falar na maldita rampa do ligeirinho, que praticamente “despenca” sobre a plataforma da estação-tubo. Mas o que eu vou fazer? Chamar a polícia? Antes até ficava uma viatura no Terminal Guadalupe, a poucos metros, mas nada acontecia. Pegar um rifle e exterminar os bebuns e usuários de drogas? Mandar interditar a estação-tubo?

Eu ESCOLHI morar no Centro porque fica perto da Gazeta, e eu posso vir trabalhar a pé. Entre essa comodidade, e o sossego de um bairro mais afastado, OPTEI pela primeira opção. Nas noites mais agitadas, adoto a solução sugerida pela colega Juliana Girardi (outra moradora do Centro): uso protetores auriculares, desses adotados como equipamento de proteção em empresas barulhentas – caso das rotativas da Gazeta, por exemplo. E durmo como um justo, sem precisar me estressar reclamando com a polícia ou a prefeitura.

Em resumo, o que eu quero dizer, é que a interdição dos estabelecimentos (ainda mais da maneira agressiva como é feita nas Aifus) deveria ser o último recurso nesses conflitos – não o primeiro. Acho que os vizinhos que se sentem incomodados (numa medida proporcional ao tamanho da cidade ou da região onde moram) poderiam tentar conversar com os empresários, para encontrar uma solução. Afinal, todos querem a mesma coisa: trabalhar e ganhar o seu dinheiro honestamente. E quem trabalha à noite não é pior do que quem levanta cedo para pegar no batente…

***

P.S.: Para os que não querem ficar reclamando apenas na internet: logo mais, a partir das 19 horas, vai haver outro protesto de músicos, artistas e frequentadores de casas noturnas indignados com essa situação. Vai ser em frente ao Beto Batata (Rua Prof. Brandão, 678). Bora lá?

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