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Hard Rock direto do túnel do tempo
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Inestimáveis notívagos, como diria o Pedro Bial, estamos de voooooooolta! E a minha primeira missão depois das férias foi escolhida a dedo: assistir e tecer considerações sobre o show do Guns N’ Roses sábado passado em São Paulo, o terceiro da turnê Chinese Democracy no Brasil. Então senta que lá vem a história, porque eu vou escrever tudo o que não caberia no Caderno G.

Pouco antes das 20 horas, subiu ao palco montado no Parque Antártica a primeira banda de abertura, Rock Rockets. Não consegui ver o show, porque durante toda a apresentação a gente (jornalistas) estava que nem barata tonta, sendo conduzido de um lado para outro, sem conseguir acesso para a pista VIP. Mas, pelo pouco que deu para ouvir, foi bem pesado. Chegamos à pista antes da performance da outra banda paulista da noite, o reformado Forgotten Boys. Que, para a minha surpresa, fez um belo show, energético e competente – além de ter dedicado a noite ao cartunista Glauco e seu filho Raoni, assassinados na madrugada anterior.

Por volta das 21h30, um gigantesco banner com referências a Angel Down, o mais recente álbum de Sebastian Bach, ex-vocalista do Skid Row, foi içado no fundo do palco. Minutos mais tarde, chacoalhando a cabeleira no ritmo da tonitruante “Slave to the Grind”, o vocalista platinado apareceu correndo. Ídolo do “metal farofa”, Sebastian foi muito bem recebido – ao contrário da última vez em que esteve no Brasil, como na abertura do show do Iron Maiden (com Blaze Bayley) no Couto Pereira, em 1996 – numa noite que ainda tinha o Motörhead (!).

Mais confortável diante do público do amigo Axl Rose, o cantor deitou e rolou, acompanhado por uma banda segura e eficiente. Esbanjou simpatia, distribuiu sorrisos e “joinhas”, recitou longas frases em português (“Hoje São Paulo é a capital do rock’n’roll!”, entre outras), exibiu uma bandeira do Brasil, adotou o apelido “Tião” numa camiseta amarela, convocou a galera para o show do Guns e sapecou os maiores sucessos do Skid Row entre as canções de Angel Down.

MRossi/Divulgação
Sebastian Bach, ou “Tião” para os íntimos, com sua camisetinha do Brasil.

Em contraste com a boa forma física, sua voz soou sem a potência de outrora – parecia abafada nos gritos mais agudos. Mas o público não estava nem aí, cantou junto e a plenos pulmões, principalmente as baladonas consagradas do Skid Row, como “18 and Life”, “In a Darkned Room” e “I Remember You”. Sebastian despediu-se com a poderosa “Youth Gone Wild”, e saiu aclamado. Pouco depois de deixar o palco, foi visto se esbaldando num camarote cheio de piriguetes, onde parecia estar rolando um sambão. Fascinado, no dia seguinte derreteu-se em elogios ao público de São Paulo em seu perfil no MySpace.

Guns N’ Roses

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Início do show do Guns N Roses: pirotecnia para sustentar a democracia chinesa.

Aquecida pelo bom show de Sebastian, às 23h30 a galera começou a estocar paciência para esperar por Axl Rose, conhecido por seus atrasos. Uma hora e dez minutos depois, quando muita gente já começava a chiar, as luzes se apagam. Em seguida, os telões se acendem e um dos novos guitarristas, DJ Ashba, aparece numa plataforma montada atrás da bateria, enquanto Axl Rose caminha pelo palco com seu figurino de bicheiro: calça jeans, sapatão social, camisa aberta até o peito onde reluz um enorme crucifixo, blazer estampado, óculos escuros, chapelão e uma bigodeira no melhor estilo Village People. Ainda inchado, mas pelo menos mais enxuto do que na última aparição por aqui, no Rock in Rio de 2001.

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Axl Rose, versão 2010, ao lado do guitarrista DJ Ashba: look bicheiro.

Sob explosões e fogos de artifício, começa “Chinese Democracy”, faixa-título do mais caro e demorado álbum da história do rock, lançado em 2008. Mas já nos primeiros versos o público se deu conta de que, por baixo do figurino esquisito e da estampa maltratada pelos anos de excessos, estava o velho Axl Rose de sempre, encrenqueiro e temperamental.

Irritado com uma garrafa d’água que atingiu sua barriga (veja o vídeo abaixo), o vocalista interrompeu o show, esbravejou com o agressor e ameaçou deixar o palco. Passado o susto, retomou a música, para em seguida emendar o hino “Welcome to the Jungle” – o primeiro dos sete petardos pinçados do insuperável Appetite for Destruction (1987). Quando Axl berrou “You know where you are? You’re in the jungle, baby! You’re gonna diiiiiiiieeeeeeeeeeeeee…”, todo o Parque Antártica parecia ter sido transportado para o início dos anos 90, auge da banda californiana. E, por incrível que pareça, a voz de Axl Rose fazia jus à nostalgia, soando poderosa e rasgada, como nos bons tempos.

Na sequência vieram “It’s so Easy” e “Mr. Brownstone”, mais duas faixas de Appetite. Muito bem executadas, diga-se de passagem. Mas nessa hora comecei a sentir falta da “snake dance”, a famosa dancinha criada por Axl Rose. Menos ágil aos 48 anos, o vocalista fez apenas uma sutil referência aos passos no verso “We’ve been dancing with Mr. Brownstone / He’s been knockin’ He won’t leave me alone…”, de “Mr. Brownstone”.

Depois vieram outras duas faixas de Chinese Democracy, “Sorry” e “Better”, que não tiveram uma resposta tão intensa do público. Axl parecia estar cantando bem, mas o volume do vocal na frente oscilava muito – várias vezes era soterrado pela muralha sonora formada pelas três guitarras, bateria, teclados e efeitos. Em seguida foi apresentado um dos novos guitarristas, Richard Fortus, que solou e fez uma versão heavy do tema de James Bond. Era o prenúncio de “Live and Let Die”, clássico de Paul McCartney regravado pelo Guns no álbum Use Your Illusion I (1991). A versão do show de São Paulo ficou meio arrastada, para que a batida coincidisse com as explosões. E Axl não teve fôlego para sustentar o urro característico durante o riff das guitarras – mas isso já acontecia na turnê de 1992, justiça seja feita.

“If the World”, outra do álbum novo, passou quase despercebida, mas a plateia foi novamente capturada com “Rocket Queen” – uma das melhores músicas de Appetite for Destruction, dificílima de cantar, mas Axl até que segurou a onda.

Era a hora de apresentar o tecladista Dizzy Reed, único remanescente da última formação clássica da banda. Mais magro, de terno e gravata, Dizzy solou e fez referências a “Ziggy Stardust”, de David Bowie, antes de iniciar os acordes de “Street of Dreams”, balada bonita de Chinese Democracy apresentada pela primeira vez aos brasileiros no Rock in Rio 3, em 2001, com o nome “The Blues”. Nessa música a voz de Axl deixou um pouco a desejar – a performance de 2001 foi melhor.

Depois veio outra música estranha do disco novo, “Scraped”, e outro guitarrista, o jovem e talentoso DJ Ashba – que parecia uma versão emo de Slash, pela postura no palco – foi convocado para o seu solo, enquanto Axl sumia nos bastidores para uma das inúmeras trocas de roupas. Ato contínuo, DJ Ashba postou-se no centro do palco, levantou sua Les Paul e arrancou dela o inesquecível riff de “Sweet Child O’ Mine”. O estádio veio abaixo. Na frente do palco, quase não se ouvia a voz de Axl, encoberta pelo coro de mais de 30 mil vozes. Até porque a essa altura, ela já começava a dar sinais de desgaste.

A banda não deixou a peteca cair, e emendou a explosiva “You Could be Mine”, sucesso de Use Your Illusion II que entrou na trilha do filme O Exterminador do Futuro 2. Nessa hora, o chão literalmente tremia.

Nova pausa, nova troca de roupa, um piano deslizou do fundo para a frente do palco e Axl Rose surgiu de casaco vinho e chapéu, ao som de “Another Brick in the Wall”, clássico do Pink Floyd. Cantou alguns versos da música, acompanhado da plateia, e tocou trechos de “Goodbye Yellow Brick Road”, de Elton John, antes de iniciar os acordes da power balada “November Rain”, megahit de Use Your Illusion I. Comoção do público. Mas, para mim, a música soou despojada demais, sem os arranjos orquestrais e as belas backing vocals da turnê Use Your Illusion.

O terceiro guitarrista, Ron Thal, foi apresentado, e intercalou trechos de tema de A Pantera Cor-de-Rosa no seu solo. Na sequência, o anticlímax da noite: uma versão insossa de “Knockin’ on Heaven’s Door”, clássico de Bob Dylan que havia sido turbinado pelo Guns em Use Your Illusion II. Na turnê Chinese Democracy, Axl e o novo Guns N’ Roses mostraram uma versão mais soft e intimista, parecida com a gravada por Eric Clapton. Só que a galera queria ouvi-la com os solos, uivos e toda a grandiloquência do Guns. Foi no final desta música também que Axl desabafou com o público sobre o bolo que dera no pocket show marcado para a quinta-feira anterior na boate de Marcos Mion, o Club Disco, como você pode ver neste vídeo (a justificativa, legendada, começa a partir dos 5min10s):

Era hora de levantar o astral, e a banda engatou “Nightrain”, mais um petardo de Appetite. Mesmo com a voz no bagaço, Axl Rose levou a galera ao delírio. O próximo ato foi aquela encenaçãozinha para o bis, mas o pessoal já estava cansado e impaciente, e a banda retornou logo ao palco.

Sorridente, conversando com o público e recebendo todos os presentes jogados no palco – camisetas, faixas, cartazes, rosas, bandanas e bandeiras do Brasil –, Axl Rose comandou a banda em mais três músicas de Chinese Democracy: “Madagascar”, “Schackler’s Revenge” e “This I Love”, que foram bem recebidas. Mas a galera exigia “Patience”, balada lançada em GN’R Lies (1988). Só que antes de atender aos apelos da plateia, Axl instigou-a insultá-lo, liderando o coro “Fuck you, Axl Rose!”. Atendido, caiu na risada, dizendo “obrigado”.

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Axl Rose canta segurando uma bandeira do Brasil: depois do estresse, simpatia com a galera.

Então veio “Patience”, cantada em uníssono pelo público, e, por fim a despedida triunfal com “Paradise City” – reforçada por mais pirotecnia, explosões, chuva de papel picado e serpentinas douradas. Um encerramento digno de uma grande show de hard rock.

Balanço

Todo mundo sabe que eu sou fã do Guns N’ Roses há mais de 20 anos. Eu estava no show épico da turnê Use Your Illusion, dia 10 de dezembro de 1992, no Anhembi, em São Paulo. Vi Axl Rose e o Guns no auge, com a formação clássica, deixar a galera boquiaberta debaixo de muita chuva. A melancólica apresentação de 2001, já com apenas Axl da formação original, eu vi pela televisão. O show de sábado está no meio do caminho entre os dois. É evidente que o Guns não é mais o mesmo. São precisos três excelentes guitarristas para tentar substituir um único Slash. E sim, eu concordo que hoje a banda parece um cover de si mesma.

Por outro lado, a apresentação também não foi lamuriosa e auto-indulgente como a do Rock in Rio 3, e além disso Axl está em melhor forma. O que nos resta é torcer para que ele e Slash superem suas diferenças, e um dia reativem a formação clássica. Porque Slash, Izzy Stradlin’ e Duff McKagan fazem falta não só em cima do palco, mas como companheiros e compositores. Se o Police voltou a tocar junto, e Roger Waters e David Gilmour foram capazes de dividir o mesmo palco (no Live 8), nada é impossível…

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