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A Extrema-Unção dos tucanos de alta plumagem
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Só faltou o padre na reunião da Executiva Nacional do PSDB. Não foi uma reunião para decidir que o partido não vai apoiar nem Bolsonaro nem Haddad no 2º turno, foi a Extrema-Unção dos tucanos de alta plumagem que, 30 anos após a fundação, vêem os princípios que os moveram a sair do PMDB mergulhados num caldo de bravatas, memes e política adesista.

A votação pífia de Geraldo Alckmin e as críticas sofridas por não tomar posição no segundo turno têm movimentado sido a principal tônica do debate sobre a derrocada do partido, já que a política tem feito um esforço monumental para se desviar de qualquer discussão mais profunda do que um pires ou que não possa ser traduzida em um meme viral.

O PSDB chegou à crise em que se encontra por duas falhas: vaidade e nepotismo. Os filhos e netos dos fundadores e de intelectuais amigos, ainda que não fossem tão brilhantes ou mesmo que chegassem ao limite da imbecilidade, sempre tiveram garantido pelo sobrenome seu lugar de destaque na legenda, em detrimento dos que realmente pudessem contribuir para o crescimento do partido. Acreditou-se na força do legado, que existe, mas não é genética, como pensam os vaidosos.

Bons quadros, com futuro político, foram sendo forçados para fora. É o caso de Álvaro Dias, Eduardo Paes e Gustavo Fruet que, sem sobrenome, tinham as asas frequentemente cortadas em pleno voo. Até Mario Covas Neto acabou pulando fora, depois de traído na mais nova configuração paulista, calcada na vaidade. Imagine o quadro se multiplicando Brasil afora. O processo de imbecilização da política foi mais agudo dentro do PSDB, que agora se esfacela de forma a mudar completamente o equilíbrio de forças na próxima legislatura do Congresso Nacional. Os discursos dos fundadores, há 30 anos, parecem de gente vinda de outro planeta para civilizar nossos políticos.

O PSDB já nasceu gigantesco, dissidente do PMDB, formando a 3ª bancada do Congresso Nacional. O primeiro a anunciar a saída do partido foi o paranaense Euclides Scalco, que reclamava da falta de discussão interna: “Nós entendemos que era hora, já que o PMDB, através da falta de decisão, falta de discussão interna para solucionar seus conflitos, nós vamos tomar o rumo e a opção de um novo partido”.

Outro fundador, José Richa, também tinha muita confiança na democracia interna do PSDB como um diferencial: “Vai ser um partido que vai praticar realmente a democracia interna, que pretende ser coerente com os seus documentos, seus discursos e sua prática, né? A prática daqueles que forem eleitos, a prática daqueles que detiverem mandatos popular. Então é isto que praticamente vai nos diferenciar. Sabemos que a nossa luta é dura, não é fácil formar um partido. Sabemos que a descrença popular nos partidos, nos políticos e até quase nas próprias instituições é muito grande. Também é outro obstáculo que nós vamos vencer. Mas eu espero que, com a nossa coerência, nós demonstremos a seriedade com que nós vamos praticar a política daqui para frente”.

30 anos depois, a democracia interna do PSDB virou praticamente uma briga de botequim. Para manter seu poder em São Paulo, o sucessor de Mário Covas, Geraldo Alckmin, criou corvos que lhe comeram os olhos. Foi com as bênçãos dele, à revelia dos caciques do partido, que João Doria conseguiu tomar de Andrea Matarazzo, numa operação contestada à época por tucanos, a candidatura à prefeitura. Teve uma vitória incontestável, no primeiro turno. Então, abandonou a prefeitura para concorrer ao governo do Estado – e quer mais.

Após o primeiro turno, que disputa com o vice-governador de Alckmin, de quem agora se tornou inimigo figadal, o grupo de João Doria expulsou diversos membros do partido, incluindo um tucano histórico, Alberto Goldman. Também resolveu declarar apoio escancarado à candidatura de Jair Bolsonaro e até lançou a hashtag #BolsoDoria, ainda que a campanha de Bolsonaro diga que não o apoia e o PSDB tenha decidido não apoiar ninguém no segundo turno. Na reunião da executiva, Alckmin o teria chamado de traidor. É isso o que sobrou do sonho de democracia interna de 30 anos atrás.

Aliás, o anúncio feito pelas redes sociais tanto por João Doria quanto pelo aliado, Orlando Morando, casou com a declaração de dois tucanos de alta plumagem: José Serra e Fernando Henrique Cardoso. Os dois se posicionaram pela neutralidade no segundo turno, dizendo que nenhum dos projetos políticos é compatível com os princípios do partido.

A fundação do PSDB uniu grandes nomes de uma política feita com princípios e propósitos. Era gente de quem você poderia discordar ou com quem você poderia concordar, mas você sabia o que eles pensavam para o Brasil. Agora, o que pensam os tucanos? A política virou uma reação imediata às notícias, provocações de repórteres ou ondas de redes sociais. Há uma falta de constância e compromisso diretamente proporcionais à necessidade de se manter sempre em alta.

Franco Montoro, que era governador de São Paulo, quando entregou sua carta de desfiliação do PMDB a Ulysses Guimarães, o “senhor Diretas”, símbolo da abertura democrática brasileira, lamentou o passo necessário: “O grande compromisso do PMDB foi com as eleições diretas já, a grande e memorável campanha das Diretas Já e a consagração popular de Tancredo Neves. Quando a maioria do partido vota contra esse compromisso e a fisiologia domina setores muito amplos do partido, torna-se impossível essa convivência. É preciso optar. A ruptura é dolorosa, mas é necessária”. 

Fernando Henrique, que era líder do PMDB no Senado, falando da tribuna, criticou o próprio partido explicando por que deixava a legenda e a liderança. “O PMDB está se transformando num grande partido republicano da República Velha, com uma cara diferente em cada Estado, conforme o rosto de seus governadores”. Responda com toda sinceridade: isso é problema para quem hoje? O PSDB de João Doria é o mesmo de José Serra? Não precisa nem mudar de Estado para mudar de cara.

A campanha online de João Doria, que se adiantou ao colar em Jair Bolsonaro e também no MBL, espalha pelas redes sociais uma mistura de difusão dos seus projetos com frases típicas de redes sociais contra o PT, como o popular “nossa bandeira jamais será vermelha”.

Eu tive o privilégio de conviver com vários desses mitos políticos antigos ainda na ativa – cobri o governo Mário Covas, por exemplo – e tenho desespero ao tentar entender como a população brasileira passou a aceitar o nível de debate político que temos hoje. Emburrecemos? Nos tornamos mais condescendentes com os políticos? Resolvemos passar cheque em branco a todos eles? Dá a impressão de que, em determinado momento, paramos de falar de política de verdade para brincar de universitário batendo boca em boteco.

A Extrema Unção do PSDB é o nível a que chegou seu debate político. Sem princípios, sem propósitos. São frases feitas, hashtags, bravatas, memes, tentativa juvenil de mimetizar agressividade, jogar com o sentimento de pertencimento a grupo, adesão ao vitorioso, falta de explicação coerente das posições mais complicadas. Aliás, mais importante que isso: falta de PAIXÃO. Não se vê paixão pelo projeto, pelo país. Se vê sede de poder, vaidade, amor pelo espelho, vontade de ser aceito.

Há 30 anos, Mário Covas fez este discurso na fundação do PSDB:

“Inicia-se hoje uma nova construção. A frase me foi emprestada e eu vou usá-la porque ela nasceu de alguém que nunca teve participação política ou partidária. Com muita singeleza, ele me dizia e me escrevia ontem o seguinte: ‘se não for possível o sabor do fruto, ao menos que nos sobre o aroma da flor. Se não pudermos sentir o aroma da flor, que nos sobre pelo menos a beleza do orvalho sobre a folha. Mas, se nem isso for possível, que nos fique o vigor, a multiplicação contida na semente, assim como a esperança será o nome deste partido que nasce hoje’.

E este é um partido que nasce alicerçado na esperança. Não uma esperança estática, a certeza de um porvir, que há de chegar um dia, sim, mas não apenas o determinismo histórico que há de nos levar a um determinado destino. A esperança que é um fato dinâmico, uma luta constante, a luta que se faz com amor, o amor que se faz com luta, aquilo que afinal, ao lado do povo brasileiro e por ele conduzido, este partido representará na história presente e futura deste país. Este será o partido da esperança, mas por sê-lo, ele há de cultivar todos aqueles valores que são os valores fundamentais do povo brasileiro. “

Em 30 anos, a embriaguez do poder e a vaidade deram a Extrema Unção à esperança que nasceu em forma de poesia no chão do Congresso Nacional. Que nós, o povo brasileiro, saibamos exigir dos nossos políticos pelo menos uma migalha além da mediocridade que eles nos têm apresentado.

 

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