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Quem quer ter arma de fogo em casa?
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As discussões sobre arma de fogo no Brasil foram, há muito tempo, sequestradas pelos mercadores do caos. É muita gritaria, muita fantasia de rambo, muita gente sem nenhuma experiência prática na área querendo reinventar a roda e um caldeirão de violência demais e valorização da vida de menos que torna toda a mistura explosiva. Por isso acho especialmente interessante a abordagem da Paraná Pesquisas sobre o assunto. No final das contas, o resultado fala mais sobre como nos comportamos em família do que sobre segurança pública.

Em vez de cair na cilada das discussões infinitas sobre legalização ou possibilidade real de se proteger com uma arma, a Paraná Pesquisas foi no ponto central: ” você QUER ter uma arma de fogo em casa”?

Não importa o que vai ser do decreto de armas que o presidente Bolsonaro acaba de mudar para vetar fuzis, não importa o andamento das ações contra ele, não importam as discussões liberais clássicas sobre monopólio estatal da violência, importa menos ainda o debate sobre como cada um se defende em casa, quase sempre fruto de fantasia e filmes distribuídos via whatsapp. Aqui importa algo que todos dominam – ou deveriam – e sabem expressar, o querer. A pessoa quer ou não, simples assim.

Importante notar também que não se entra na área prática. O custo de uma arma legalizada certamente não cabe no orçamento da maioria das famílias brasileiras. E nem se questiona a razão de ter a arma de fogo em casa: ninguém foi moralmente julgado para responder. Ali, era sim ou não. Pouco importa se a pessoa quer uma arma guardada para se defender em uma eventualidade infeliz, se está pensando num desafeto com quem pretende acertar as contas, se quer bancar o valente no bar ou se acha que a mulher tem outro e pretende tirar isso a limpo. A resposta era só sim ou não, sem nem ter de pensar no motivo.

A maioria não quer ter uma arma de fogo em casa. Mas o interessante da pesquisa é a diferença entre homens e mulheres. 70% das mulheres não querem mas 47,6% dos homens querem. Quem decidirá isso em cada casa?

A pequisa completa está aqui. Foram entrevistadas 2452 pessoas com mais de 16 anos em 180 municípios de 26 Estados e do DF, por telefone, entre os dias 14 e 18 de maio. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para cima ou para baixo. É interessante notar que, em todos os recortes, a certeza sobre o tema é grande: o “não sei” só chegou a 3 pontos percentuais na população com mais de 60 anos, a que já viveu como adulta a liberação das armas em um contexto de país bem diferente. Em todos os outros, a falta de experiência prática leva a certezas, como tem sido bastante comum na era em que todos se sentem pressionados a opinar sobre tudo.

Entre as mulheres, 70,6% não querem arma em casa e 26,7% querem. Entre os homens, 50,2% não querem arma em casa e 47,6% querem. Tão contrários como as mulheres são os jovens: 66% da população de 16 a 24 anos diz não querer uma arma em casa. Também é interessante notar que, quanto maior a escolaridade, maior o desejo de ter uma arma em casa. Isso pode ter dois motivos: ou a pessoa realmente tem uma opinião embasada sobre o tema ou pensa assim porque a única experiência prática com arma de fogo que teve é em clube de tiro.

Apesar de ser sobre armas que, imediatamente remetem ao tema da segurança, creio que a pesquisa fala muito mais sobre família, valores e responsabilidades. De que forma se organizam as famílias brasileiras? Quais são os segredos permitidos? Como decidir na hora de um impasse? Existe, nesse tema das armas de fogo, uma coleção de certezas infundadas e um mistério sobre como lidar com a colisão de certezas entre membros de uma mesma família.

Suponha que, numa casa, o marido quer ter a arma e a mulher não. O pai quer ter arma e os filhos não. Aliás, essa situação parece ser a mais comum, a não ser que o significativo batalhão de homens que dizem querer uma arma de fogo seja todo formado por gente que mora com o primo ou em repúblicas masculinas. Seria lícito ter uma arma legalizada, dentro de todos os parâmetros, contra a vontade da mulher? Contra a vontade dos filhos?

Como fica o direito de quem não quer uma arma de fogo em casa diante do direito de outra pessoa da casa que queira ter a arma? Sinceramente não sei. Só sei que, dados os números, é algo que devemos discutir nas nossas famílias.

Talvez a sensação de pertencer a um grupo propiciada pela experiência das redes sociais esteja fazendo as pessoas esquecerem do grupo mais importante ao qual pertencem: a família. É muito esquisito tanta certeza apontada na pesquisa quando evidentemente há conflitos de opinião dentro de uma casa. E veja que estamos lidando com algo que pode dar muito certo mas que, se der errado, custa mais caro do que todo mundo na família está disposto a pagar não apenas financeiramente.

Em quais outros temas temos nos organizado em torno de outros grupos que não o familiar? Será que a piada do filho que encontrou a mãe depois de 2 anos quando cortaram a internet deixou de ser piada? É uma pesquisa sobre armas de fogo que nos leva a uma reflexão mais profunda, a da necessidade de diálogo, princípios e coração aberto como família. A base de todo ser humano é essa, mesmo quando parece muito mais emocionante pertencer a um grupo externo.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos estipula que a família é a base natural de todas as sociedades do mundo, independentemente de cultura, religião ou forma de governo. Dessa forma, deve ser protegida por todos nós. Essa proteção vai muito além dos marcos legais ou de reivindicar direitos, faz parte dela a nossa consciência de que uma sociedade sadia começa por famílias sadias e que todos temos a responsabilidade de colaborar.

Famílias cujos membros não se colocam em dúvida sobre ter ou não uma arma em casa diante da evidente disparidade de opinião entre pais, mães e filhos jovens não são saudáveis. Por que alguém que quer uma arma tem certeza de que quer mesmo que a mulher e o filho não queiram? Meu problema não é com o querer é com certezas que não podem ser questionadas pelo querer de quem é da mesma família. Não sairemos desse clima bélico sem diálogo e isso começa dentro de casa.

 

 

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