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O fim do parque de diversões das ditaduras comunistas na internet
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Parece que as plataformas de redes sociais finalmente acordaram para o uso perverso que tem sido feito delas por políticos em todo o mundo. As ditaduras de Cuba e da China acabam de perder o parquinho de diversão no Twitter, Facebook e YouTube. O divertimento era moer gente e favorecer o grupo no poder, usando as redes sociais para espalhar terror e mentira, principalmente por meio de contas falsas e anônimas.

Há uma semana, o Twitter iniciou esse tipo de ação, inédita até então no contexto político. Óbvio que já foram banidos robôs, mas pela primeira vez eles eram todos ligados a um único governo, uma ditadura, no caso. Esta semana, foi a vez da China.

Gostamos todos de pensar que não somos manipulados e que sabemos usar as redes sociais. É exatamente por isso, pela opinião elevada que cada ser humano tem sobre a própria força de vontade, que historicamente as ditaduras se impõem comendo pelas beiradas. Algumas precisam recorrer a banhos de sangue, outras não. O fato é que perduram alimentando benesses para um grupo seleto, que tem dinheiro, prestígio, poder e armas para garantir o posto do ditador. O povo que se dane e, se reclamar, será convencido a não reclamar mais.

Obviamente regimes escolados em quebrar espírito como o socialismo cubano ou o comunismo chinês dominam a arte de manter até mesmo pessoas muito inteligentes sob controle do regime. Nas redes sociais, descobriram formas mais sutis de fazer isso com a mesma efetividade, a alteração das vontades do povo sem que ele perceba a manipulação.

O primeiro trabalho a mostrar isso com muita clareza é um livro impressionante que o jornalista David Patrikarakos escreveu em 2017: "War in 140 characters", a guerra em 140 caracteres que era, na época, o tamanho de um tweet. Cheguei a entrar em contato com ele para falar do assunto, que à época me parecia ficção científica. Ele mostrava as mídias sociais sob o ponto de vista do Warfare, das atividades de guerra. Há casos que ele presenciou e documentou, principalmente na Ásia e nas ex-Repúblicas Soviéticas de cidades inteiras comentando sobre um bombardeio que não existiu após a máquina de manipulação das redes sociais.

Incrédula, cheguei a mostrar trechos desse livro para coronéis da Polícia Militar do Estado de São Paulo, onde dei uma palestra exatamente sobre o tema das mídias sociais. Eles me disseram que é possível fazer as pessoas acreditarem em qualquer coisa manipulando informação e isso não se torna uma questão só nas guerras, também faz parte do nosso dia-a-dia. Eles mesmos atendem casos de pânico por informações falsas que se espalham ou de pessoas que acabam sendo linchadas porque alguém publica uma acusação grave e falsa contra elas.

Resolvi me aprofundar no assunto e fui atrás das origens da Cambridge Analytica. Na época, trouxe aqui para a Gazeta do Povo uma entrevista exclusiva com Paul Hilder, um dos idealizadores do fblockbuster da Netflix "Privacidade Hackeada". Ele explicava detalhadamente como o uso dos dados pode sim afetar nossas decisões e como é importante lutarmos para garantir que sejamos realmente donos dos nossos dados.

As origens da Cambridge Analytica, que acabou se dedicando a eleições, era aquela do livro do David Patrikarakos, Warfare. Nessa área, as redes sociais podem ser usadas para o bem e para o mal. Durante a época em que acreditávamos que a internet traria a era da liberdade de opiniões, ela foi usada principalmente para o bem. É possível, por exemplo, via comunicação, convencer uma população a sair de determinado lugar onde terroristas estão escondidos e evitar explodir civis junto com eles. Obviamente o aviso não pode ser claro, então se criam narrativas que levem essas pessoas a sair do lugar por outras razões, irreais. Simula-se uma epidemia, a vinda de um furacão, uma tempestade, qualquer coisa. Mentiras, claro, mas moralmente justificáveis diante das vidas poupadas.

Só que a coisa foi evoluindo e a Cambridge Analytica percebeu que poderia usar dados, medidos em 5 mil parâmetros diferentes, para influenciar eleições. Um exemplo interessantíssimo é o de Trinidad e Tobago, onde se fez uma campanha para os jovens anulassem o voto. Era um trabalho para a candidata de etnia indiana. Os jovens caribenhos entrariam no movimento. Já os indianos, ainda que divulgassem isso na internet, fizessem meme, dancinha e videozinho, obedecem os pais no final. A indiana venceu.

Imagine o que uma ditadura comunista pode fazer com essa ferramenta. O mecanismo é simples e os comunistas conhecem bem: o sistema de comunicação é usado para gerar uma repercussão falsa. Se antes isso era feito como os órgãos oficiais de comunicação do governo a alardear só aquilo que o governo queria, hoje se dá ao povo a ilusão de liberdade enquanto se controla o discurso. O governo tem suas contas oficiais nas redes sociais, mas tem também centenas de outras contas, algumas nitidamente falsas e outras não, para comentar e amplificar informações que são de interesse das ditaduras.

Ao mesmo tempo, essas contas são direcionadas a desacreditar, diminuir, atacar e debochar de pessoas que se coloquem conta o regime - é só acompanhar no twitter o dia-a-dia da blogueira cubana Yoani Sánchez. Quando as contas fantasmas começam a inflar as críticas, muita gente realmente tem a impressão de que uma grande massa de pessoas tem aquele tipo de opinião negativa sobre ela e é assim que as pessoas acabam entrando no embalo do ataque. No caso dela, é inesquecível como brasileiros embarcaram nessa esparrela quando ela visitou nosso país. Teve gente que chegou a ir xingar pessoalmente a moça.

Daquela época para cá, os governos comunistas aprimoraram suas técnicas de controle da informação. E, obviamente, não foram só eles que descobriram o mapa da mina de dominar pessoas dando a elas a ilusão de liberdade de pensamento e opinião. De qualquer forma, por alguma razão que não foi divulgada - talvez o conjunto da obra -, no último dia 12 de setembro o Twitter derrubou 14 contas ligadas ao governo cubano. Foi de Granma à filha de Raúl Castro, todos acusados da mesma coisa: se mancomunaram com perfis falsos para inflar informações que interessam ao regime.

Na China nem tem as redes sociais que usamos, mas o Partido Comunista viu aí um instrumento para influenciar a mídia internacional sobre os protestos em Hong Kong, onde essas plataformas funcionam. Depois de literalmente chamar órgãos como a Reuters de mentirosos pela cobertura contrária aos comunistas que estava sendo feita, decidiram ir para o jogo sujo das informações plantadas na rede. A cobertura pode até ter uma pitada de ideologia - ditaduras comunistas não são muito bem aceitas por órgãos de imprensa sérios - mas eram relatos de fatos, com filmes inclusive. Sem jogo sujo, parece não haver muita saída para virar o jogo da opinião.

No mês passado, o Twitter já havia derrubado mais de mil contas que haviam sido identificadas como instrumentos para prejudicar os protestos contra o governo chinês em Hong Kong. Outras 200 mil contas ligadas ao esquema mas não tão ativas foram suspensas. Facebook e YouTube imediatamente tomaram partido, identificaram as contas dedicadas a trabalhar desinformando pelo Partido Comunista Chinês e derrubaram. 210 canais de YouTube foram desativados porque eram dedicados exclusivamente à guerra da informação.

Gostamos de acreditar que não somos influenciáveis, que somos adultos, nos guiamos por fatos, temos opinião formada. Ocorre que nossas opiniões são formadas, em muitas das vezes, pelas nossas emoções e afetos. Somente os desviados, como psicopatas e sociopatas, são capazes de decidir sem colocar nenhuma emoção na mesa. As plataformas de redes sociais usam as mesmas estratégias psicológicas e neurológicas dos cassinos para nos manter conectados o maior tempo possível: é dali que vem o dinheiro delas, da coleta dos nossos dados, vendidos depois sabe Deus a quem. Forças políticas encontraram aí o espaço perfeito para nos manipular pelo medo e pelo ressentimento, os sentimentos mais mobilizadores e mais capazes de anular a razão e o apreço pelos fatos.

Já ouvi num evento as plataformas dizerem que, se não conseguirem manter o nível do debate, deixam de ser um negócio de longo prazo. Espero que comecem a agir. As redes sociais, que foram anunciadas como espaço de liberdade de fala para quem era constrangido pelo sistema, não podem virar um instrumento castrador e sub-reptício à disposição do político truculento que tiver estômago para enganar seu povo.

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