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O que pensa Araraquara sobre o “hacker” mais famoso do Brasil?
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Fomos os primeiros a ser zuados pelo "hacker" de Sergio Moro. Fernando Henrique Martins, que é araraquarense de nascimento e alma, conversou ao vivo no programa "A Protagonista" do dia 4 de junho com alguém que se passava pelo ministro da Justiça no Telegram. O fato foi citado pelo próprio Moro duas vezes em depoimentos ao Congresso Nacional.

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Quando soubemos da prisão da quadrilha justamente em Araraquara, tivemos de ir para lá saber das conversas de bastidores. Com 233 mil habitantes, a cidade conserva o clima de interior, aquele em que todos se conhecem. Entre o empresariado, os políticos e os comunicadores da cidade, não falta quem tenha trombado com 2 dos 4 presos pela Polícia Federal.

Temos de reconhecer que agora Araraquara ultrapassou a expertise cibernética do Vale do Silício. Mas nem só de laranja vive o município que é o último grande reduto do PT no interior paulista. Lá também brotam experts em redes sociais com apetite para as primeiras páginas dos jornais. É também araraquarense o talentoso Diretor de Internet do Governo Dilma Rousseff, responsável por toda a presença digital do Governo Federal e reconhecido como especialista em mídia digital na área política.

Agora, no entanto, as coisas mudaram. A expertise do novo gênio da informática levou a cidade às manchetes policiais. Interessante notar que o povo do interior de São Paulo cultiva no dia-a-dia seus valores. Não encontramos ninguém que ache bonito, interessante ou engraçado ver o nome da própria cidade citado dessa maneira.

"Ele sujou o nome de Araraquara" é uma frase ouvida com seriedade por pessoas das mais diversas tendências ideológicas, idades e ramos profissionais. É algo culturalmente importante que os filhos da terra sejam bons exemplos - a cidade, aliás, é muito generosa ao reconhecer quem engrandece seu nome. Pelas falas, temos a impressão de que o oposto, enlamear o nome da cidade, torna o indivíduo espécie de "persona non grata".

Dos 4 presos, apenas 2 são nomes conhecidos na cidade. Walter Delgatti Neto, o "Vermelho", e o DJ Gustavo Elias Santos. Quem conhece os dois, no entanto, diz estranhar a parceria. A mulher de Gustavo, também presa, e o motorista de Uber não eram conhecidos na cidade antes da prisão.

O DJ é famoso na cidade pelas festas das quais participa. As pessoas que o conhecem se mostram bastante surpresa com seu envolvimento em um caso que requer conhecimentos de informática.

Se, num primeiro momento, a ficha criminal de Walter Delgatti Neto parece indicar que ele também não entende de computadores, conversando com quem o conhece desde a adolescência sabemos de outra realidade. Impossível, a essa altura do campeonato ter certeza do que se tornou a típica lenda urbana do interior paulista e o que é realidade mesmo, mas há um fato: os golpes que ele aplicava sempre foram apoiados, de uma forma ou de outra, em informática.

Uma história famosa na cidade, repetida por ex-colegas de escola e pais de ex-colegas é a habilidade especial que ele tinha para recarregar telefones pré-pagos na época em que ainda eram utilizados só para chamadas. Há relatos de que ele conseguia, digitando códigos no celular, carregar R$ 30 com cartões de R$ 10, cobrando uma pequena comissão. Era a festa dos colegas de escola.

Outro relato, esse confirmado por comunicadores da cidade é de um golpe, também de mais de década, aplicado via obtenção de milhares de dados bancários. Teria descoberto uma brecha para debitar dinheiro das contas, mas tirou bem pouco de cada uma delas, amealhando um bom dinheiro sem que as pessoas lesadas se dessem conta ou achassem que valia o trabalho de uma queixa criminal.

Não consegui confirmar que é verdade, mas é fato que, entre os 4 presos, apenas o "Vermelho" tem fama de ser "garoto barra-pesada", conforme diversos relatos. Interessante pontuar que ninguém o pinta como "bandido". A região já sofreu com o PCC e há uma diferenciação social entre crime organizado e golpistas.

Em Araraquara, a curiosidade sobre o caso é uma questão que ainda não foi respondida pela Polícia Federal: de que forma o golpista chegou até o jornalista Glenn Greenwald. Não há nada que aponte uma relação prévia entre os dois. Um ponto é unanimidade entre políticos, empresários e comunicadores: o Intercept não pagou pela informação.

Por isso o caso fica mais misterioso. Muitos se perguntam quem teria pago para que essa informação fosse passada ao veículo de comunicação. Também é unanimidade que "Vermelho", conhecido da polícia e de quem acompanha o noticiário, estava pegando informações do Telegram para obter alguma vantagem financeira. Falam como se essa fosse a "profissão" dele.

Num primeiro momento estranhei que ele buscasse informações justamente do Telegram e não do WhatsApp, que tem muito mais usuários no Brasil. Em Araraquara descobri algo interessante: vários empresários e figuras de elite usam o Telegram para negócios e o WhatsApp para conversas pessoais.

Há duas ferramentas do Telegram que são importantes principalmente para grupos de investidores: poder ter mais de 250 membros - o que o WhatsApp não permite - e selecionar um número restrito de membros que podem mandar mensagem no grupo. É sabido que negócio se fecha no Telegram por ali. Por isso, desconfiam vários empresários, teria sido o alvo do golpista.

Ao obter os dados do Telegram, usando mecanismos semelhantes àqueles usados nos golpes do passado, tão toscos quanto efetivos, seria possível conseguir informações para enganar, extorquir e chantagear quem lida com dinheiro, sabendo do montante que seria razoável conseguir de cada um. O raciocínio não é meu, é repetido por pessoas da cidade.

Na cidade não há ninguém que acredite na chance de o golpista ter sido contratado para o serviço. Não era tão especializado assim. A aposta geral é que ele mirou no Telegram para praticar pequenos golpes e acabou com informações de pessoas importantes via grupos.

Quando ele pega os dados de um celular, ele pega todos os telefones de todos participantes dos grupos em que a pessoa está. No Telegram, há grupos que falam de investimentos com milhares de participantes.

Aposta-se que, a partir do momento em que o golpista chegou a peixes grandes da Justiça e da Política, percebeu que esse material era bem mais valioso e mudou o rumo do trabalho. Fica a dúvida sobre a forma como conseguiu ser remunerado e como tomou a decisão de entregar tudo gratuitamente a um jornalista que não conhecia.

O prefeito da cidade, Edinho Silva, infelizmente está em uma licença - não sei se formal ou informal. Está, no momento, sendo representado pelo vice-prefeito e secretário do Trabalho e Desenvolvimento Econômico, Damiano Netto. Foi uma pena não poder encontrar com ele, que foi o chefe da Secretaria de Comunicação de Dilma Rousseff e, com certeza, teria observações muito interessantes sobre a segurança digital das autoridades no Planalto.

Araraquara espera ansiosa pelo desfecho do caso. Uma coisa é certa: o município esculhambou todas as nossas fantasias sobre hackers poderosos e perigosos com talentos que nem somos capazes de entender. Se, para invadir o e-mail de Dilma Rousseff, os Estados Unidos precisaram do Pentágono, o interior paulista mostra que menos é mais.

Juntando um golpista, um DJ, uma manicure e um motorista de Uber, Araraquara conseguiu os dados de mais de 1000 autoridades, coisa de deixar a NSA - Agência de Segurança Nacional dos EUA - no chinelo.

Realmente os filhos da nossa pátria são indivíduos absurdamente privilegiados. Conseguem dados vitais para a nossa República cujo acesso é praticamente impossível até para agências internacionais de inteligência. Que jamais nos passe pela cabeça a ideia de que o desleixo absoluto com segurança digital é mais um indício da soberba dos nossos poderosos.

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