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O ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, debate a reforma da Previdência (PEC 6/19).
O ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, debate a reforma da Previdência (PEC 6/19).| Foto:

Paulo Guedes é um dos melhores quadros do governo mas ele próprio, no primeiro quebra-pau na CCJ, reconheceu de viva voz que os parlamentares têm anos de experiência no teatro do Congresso Nacional enquanto ele é um principiante. Aguerrido, aliás, mas principiante na forma embora PhD no conteúdo.

O Ministro da Economia padece do mal de ser um dos poucos que trabalha a embarcar num projeto sedimentado basicamente em discursos, ainda que completamente dissonantes da biografia de quem fala ou superficiais o suficiente para mitar em redes sociais sem ter nenhum resultado prático. No mesmo barco dele estão os ministros da Infraestrutura, Saúde e Justiça.

O próprio Jair Bolsonaro, que subiu a rampa do Planalto sustentado por altíssimas expectativas de mudar “tudo isso que está aí” já é tratado pela própria militância como uma espécie de presidente café-com-leite: não pode pegar pesado porque é pequenininho e está aprendendo.

A missão de negociar projetos de Leis Delegadas, ou seja, aquelas em que o Executivo tem a licença de se meter nas funções do Legislativo, é do Chefe de Governo, responsável também por viabilizar o funcionamento do parlamento de forma a atender as demandas da sociedade. No caso, o chefe de governo está ocupado criando polêmicas em rede social e, com o barco a deriva, um de seus ministros assumiu o que precisa ser feito para o Brasil não quebrar.

É corajosa a iniciativa de Paulo Guedes. Homem de conhecimento e resultados na iniciativa privada, onde chefe manda e subordinado executa, trata-se de um desafio e tanto capitanear uma tarefa em que não é dele quem decide e arca com os bônus e ônus da decisão, ele negocia com mais de quinhentas pessoas que têm mais poder que ele. O poder emana do povo, os congressistas têm mandato e ministro não.

O atual Chefe de Governo aportou no parlamento brasileiro junto com as caravelas, tem toda experiência necessária para conduzir uma tarefa hercúlea como a Reforma da Previdência. É especialmente complicada porque, apesar de inevitável na ponta do lápis, vai ter rebote quando cada eleitor começar a fazer os cálculos de sua situação pessoal.

Foi uma opção do governo jogar Paulo Guedes aos leões, ao circo que já se esperava que a oposição fosse formar na Comissão de Constituição e Justiça. Não estavam ali para falar de Reforma, mas para lacrar em cima do ministro.

É o teatro de todo parlamento do mundo, a forma como a oposição se afirma e mostra seus questionamentos diante dos membros do Executivo. É também para isso que existe base governista. Quando alguém do Executivo vai se apresentar diante do parlamento, cabe à base conduzir a treta, amortecer ataques e possibilitar exposições positivas enquanto o representante do Executivo se preocupa com o conteúdo do que vai expor.

Jair Bolsonaro sabe disso. Já foi situação e oposição, já fez os dois papéis. Começou o governo Lula na base, inclusive declarando voto no presidente eleito. Depois, quando passou à oposição, era o rei do circo, com ações de fazer o “tchutchuca” de Zeca Dirceu ser colocado no lugar onde deve: molecagem. A oposição é fraca, só prospera porque a base não trabalha, é encostada e egoísta.

Em uma das CPIs da era Mensalão, durante um depoimento de José Genoíno, o Jair Bolsonaro oposicionista preparou um dos teatros mais polêmicos da história desse país. Mesmo sem ser membro da Comissão, levou para as cadeiras onde ficam só os parlamentares o homem responsável por torturar José Genoíno no Araguaia e o assentou frente a frente com o depoente. Nem houve depoimento aquele dia e Bolsonaro ganhou os holofotes que almejava.

Fizessem algo remotamente parecido com Paulo Guedes, seria um desastre. Acostumado por muito tempo a mandar, o ministro não tem equilíbrio emocional nem jogo de cintura para lidar com o contraditório, menos ainda quando esse contraditório é de baixo nível. Some-se a isso o fato de que a base do governo simplesmente deu o cano no trabalho, deixando o ministro na mão.

Para ter direito à palavra, o parlamentar precisa se inscrever na CCJ formalmente, algo que a assessoria pode fazer. Toda a oposição se inscreveu e as vagas acabaram. A base do governo estava no twitter.

No final das contas, bombardeado por aquele circo montado para desmerecer o que quer que ele dissesse, Paulo Guedes perdeu o foco. Mitou nas respostas? Mitou demais. Mostrou-se superior aos parlamentares da oposição? Sem dúvida nenhuma. Ocorre que a missão dele não era essa, era negociar a Reforma com quem pode vir a votar nela e expor para a população detalhes técnicos e a sensação de que há harmonia entre os poderes no tema. Isso ele não fez.

Ah, mas ninguém aguenta ser tão bombardeado. Os inexperientes não aguentam mesmo, mordem qualquer isca, como fez Paulo Guedes. Sem mandato, portanto com menos poder que os parlamentares ali presentes, o Ministro da Economia tentou reequilibrar a balança, colocando seu mérito técnico e intelectual como escada para ficar maior que os parlamentares que faziam circo. Sensacional para a base fanática fazer festinha em grupo de WhatsApp, mas sinal ruim para o Congresso.

Ainda que tenha razão em tudo o que disse, o Ministro da Economia deixou a sensação que se acha superior aos parlamentares quando, na ponta do lápis, nem igual é porque não tem voto. Esse é o tipo de conta que sempre chega.

Jair Bolsonaro sabia que o resultado seria esse e, como não destituiu imediatamente os líderes e vice-líderes responsáveis pelo massacre das intenções de negociação de seu ministro, compactua com o que foi feito no Congresso Nacional em cima de Paulo Guedes.

Sem o menor pudor, os deputados e senadores responsáveis por abandonar o ministro aos leões lacradores da oposição pegaram trechos dos vídeos em que Paulo Guedes mordia a isca da treta e compartilharam em suas redes sociais com frases lacradoras. Foi ótimo para esses parlamentares aquele circo, receberam milhares de likes e ficaram com a fama de apoiar as ideias do governo.

Estamos numa era em que as pessoas se deixam seduzir e enganar por discursos bonitos sem reparar nas ações das pessoas, o que propicia a ascensão de canalhas. Eles falam o que o povo quer ouvir, agem da maneira que quiserem, ainda que seja o oposto do que falam, e não acham que precisam dar satisfações. A verdade é que o povo, inebriado pela política futebolística, nem pede, gosta de ser enganado mesmo.

Se houve qualquer bate-boca entre Paulo Guedes e membros da oposição é porque os deputados governistas falharam miseravelmente. Eram eles quem deveriam ser as antenas de treta, não o ministro. Deveriam eles ter debatido com seus pares.

O fato é que fazer o próprio trabalho não renderia os videozinhos e os likes e ainda os indisporia com os pares. Fora isso, poderia render noticiário ou comentários ruins dependendo da temperatura que atingissem tentando blindar o ministro do circo. Conclusão: dane-se o ministro, vamos de circo enquanto a galera ainda tem pão.

A minha curiosidade é saber por que Jair Bolsonaro compactua com essa pantomima de incompetências. Nenhum líder substituído até agora indica que ele aprovou a omissão proposital da base quando mandou seu ministro fazer o trabalho que não quer fazer. Pior ainda, ele próprio se aproveitou de Paulo Guedes e postou um videozinho com trecho lacrador do ministro em suas redes sociais. Fiquem tranquilos, vai dar tudo certo.

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