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O atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer usar o fim da JCP para aumentar a arrecadação.
O atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer usar o fim da JCP para aumentar a arrecadação.| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A ideia de que a maneira como uma empresa se financia não pode ser influenciada pela tributação ser um requisito de eficiência econômica não é nova em economia, e data pelo menos desde Modigliani e Miller. De fato, se a tributação favorecesse alguma forma de financiamento de empresas, por óbvio que o tratamento tributário estaria interferindo diretamente nas escolhas internas das firmas, diminuindo assim sua eficiência alocativa e reduzindo sua produtividade.

As empresas podem se financiar com capital próprio, ou buscando recursos no mercado de capitais, ou recorrendo ao mercado financeiro. Se o governo resolver taxar uma dessas maneiras, fica evidente que as empresas recorrerão as outras duas alternativas para evitar a tributação. Esse comportamento gera uma perda de eficiência alocativa nas empresas e reduz a produtividade agregada de toda economia, reduzindo assim o crescimento de longo prazo.

Um dos méritos do sistema tributário brasileiro é que ele aborda o problema por meio do que é conhecido por juros sobre capital próprio (JCP). Ao permitir que as empresas deduzam o JCP, o sistema tributário brasileiro evita criar uma distorção dentro das empresas. Isso ocorre pois o financiamento das empresas no Brasil já conta com a mesma dedução para o caso de as empresas buscarem o mercado de capitais ou financeiro para financiarem suas atividades. Em outras palavras, nesse quesito em particular, o sistema tributário brasileiro funciona alinhando corretamente os incentivos que aumentam a eficiência alocativa.

Acabar com a JCP sem a devida redução no IRPJ pode trazer problemas de competitividade para as empresas brasileiras, aumentar seu custo de financiamento, reduzir empregos e salários de seus funcionários, e criar problemas para setores intensivos em capital

No governo passado, encaminhamos um projeto de lei ao Congresso acabando com o JCP. Se o JCP faz sentido, então por que fizemos isso? Esse foi um debate intenso entre os principais membros do time econômico do governo passado. De um lado estavam os que lembravam da importância de não se criarem incentivos artificiais que favorecessem determinado tipo de financiamento por empresas (os defensores do JCP). Do outro lado estava um grupo que defendia uma redução no Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) acompanhando o fim da JCP. Isto é, argumentava-se que o aumento da arrecadação com o fim da JCP nos permitiria reduzir o IRPJ. E o benefício alocativo da redução do IRPJ mais do que compensaria a perda de eficiência decorrente do fim da JCP. Além disso, o JCP é uma importante ferramenta para empresas se protegerem de processos inflacionários. Ao extinguir a JCP, as empresas brasileiras perderiam com a inflação, o que gera um argumento de economia política de pressão para pressionar governos e evitar que estes descuidem da inflação. Desse debate saiu vitoriosa a ideia de acabar com o JCP e reduzir significativamente o IRPJ (para não ocorrer aumento de carga tributária). De fato, o projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados em 2021 previa uma redução de 7 pontos percentuais no IRPJ para todas as empresas brasileiras (de 15% para 8%). Além disso, foi reduzida também a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em 1 ponto percentual (de 9% para 8% no caso geral; de 20% para 19% no caso dos bancos; e de 15% para 14% para as demais instituições financeiras). Como o Senado não votou esse projeto de lei, ele acabou não prosseguindo.

O governo atual retomou o debate sobre o fim da JCP com o objetivo de aumentar a arrecadação. Isto é, defendendo o fim, ou a redução da JCP, ou a reformulação da JCP de maneira a aumentar a carga tributária para poder fazer frente ao aumento dos gastos públicos, mantendo assim a situação fiscal sob controle. Entendo a preocupação do governo: como os gastos públicos aumentaram é necessário aumentar a carga tributária. Respeito a decisão. Contudo, aumentar a carga tributária no Brasil irá reduzir a eficiência econômica, aumentar o peso morto dos tributos, reduzir a produtividade da economia e, em última instância, reduzir o crescimento econômico. Claro que o governo sabe disso e responde ao meu argumento dizendo que o aumento do gasto público irá reduzir a desigualdade, combater a pobreza, e, em última instância, alavancar o crescimento econômico de longo prazo.

Não é um debate fácil. Eu prefiro menos tributos e menos gastos. O governo eleito optou por um modelo diferente. Dito isso, acredito ser ineficiente reduzir ou acabar com a JCP. A JCP cumpre um importante papel na escolha das empresas no que se refere a sua forma de financiamento. Acabar com a JCP sem a devida redução no IRPJ pode trazer problemas de competitividade para as empresas brasileiras, aumentar seu custo de financiamento, reduzir empregos e salários de seus funcionários, e criar problemas para setores intensivos em capital (que utilizam com mais frequência o JCP).

Minha leitura é que o inverno se aproxima do mundo. Vem uma crise mundial à frente. O aumento significativo das taxas de juros globais começa a dar sinais de que está afetando as economias mundiais. Não é o momento de aumentar tributos, é o momento de reduzir gastos e preparar a economia brasileira para os eventos econômicos dos próximos 9 meses. O inverno está chegando.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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