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Prédio que sediou a Gosplan, órgão soviético responsável pelo planejamento de preços de todo o país.
Prédio que sediou a Gosplan, órgão soviético responsável pelo planejamento de preços de todo o país.| Foto: Jorge Láscar/Wikicommons

"A visão do governo sobre a economia poderia ser resumida em poucas frases curtas: se ela se movimenta, taxe-a; se ela continua se movimentando, regule-a; e se ela para de se mover, subsidie-a." (Ronald Reagan)

O experimento de planejamento central da economia realizado na União Soviética levou àquele país fome e pobreza generalizados. Verdade seja dita, levou também desenvolvimento para as áreas que o planejador central considerava importantes, tais como defesa nacional e exploração do espaço. Essa é uma característica de economias centralmente planejadas: é o planejador central, e não o mercado (famílias e empresas), que escolhe onde os investimentos serão alocados.

Em 1991, com a dissolução da União Soviética, várias antigas repúblicas se defrontaram com o seguinte problema: quantos pães cada padaria iria produzir sem o governo para dizer qual era a cota de cada uma? De qual padaria a família iria comprar o pão se o governo não organizasse mais a distribuição? Qual seria o preço do pão sem o governo para estabelecê-lo? Perguntas que hoje não fazem o menor sentido para quem nasceu e cresceu em uma economia de mercado. Afinal, se você quiser comprar pão, basta ir à padaria. Não é necessário o governo dizer para as padarias o quanto produzir, para quem vender ou a que preço. O próprio mercado se encarrega disso. Essa é a beleza do mecanismo de preços em uma economia de mercado.

Apesar de parecer ridículo que o governo deva dizer qual empresa deve produzir, qual o preço, qual o método de produção e quem é obrigado a comprar de cada empresa, essa é exatamente a realidade atual do mercado regulado de energia elétrica no Brasil. Aqui, é o governo quem diz quem irá produzir energia elétrica, quem irá distribuir, quem irá comprar, qual o método de produção (fonte eólica, solar, pequena central hidrelétrica etc) deve ser utilizado e a que preço. Talvez, no passado, essa realidade fizesse sentido. Podemos argumentar que o sistema de planejamento central no mercado de energia elétrica no Brasil deu resultados positivos em algumas vertentes, notadamente segurança energética (apesar do “apagão” de 2001 e das recorrentes ameaças de escassez de energia elétrica que marcaram o período recente).

A longo prazo, o sistema atual (regulado) não é mais viável, e os consumidores do mercado regulado serão obrigados a bancar uma conta de luz cada vez mais onerosa

Tal como a União Soviética teve resultados positivos em algumas áreas, o planejamento central no mercado de energia elétrica no Brasil também deu resultados positivos em algumas vertentes. Contudo, tal como no caso soviético, o resultado em termos de eficiência econômica e de bem-estar da população me parecem insuficientes. Justamente por isso, quando estive à frente do Ministério de Minas e Energia busquei fortalecer o mercado livre de energia. Nesse modelo, é o consumidor quem escolhe de quem consumir e a qual preço. Assim, as empresas são obrigadas a disputar os consumidores, seja com melhores serviços ou com melhores preços.

Muito importante ressaltar que a transição de um sistema centralmente planejado para um sistema de livre mercado não é trivial e envolve vários desafios. Exatamente por isso que é necessário um período de transição. Nesse período as empresas e os consumidores teriam tempo para se ajustar às novas realidades. Acredito que é possível avançar nesse caminho com razoável segurança jurídica e previsibilidade. Por exemplo, que tal um anúncio de que todos os consumidores brasileiros terão acesso ao mercado livre de energia a partir de janeiro de 2028? Isso daria tempo o bastante para os necessários ajustes legislativos e regulatórios fossem feitos. Se você discorda de janeiro de 2028 então estabeleça outro prazo, o fundamental aqui é definir um norte, estabelecer um cronograma claro de transição no qual o destino final é o mercado livre de energia elétrica. Desnecessário dizer que também é importante respeitar os contratos passados, dando toda segurança jurídica a quem já investiu.

Fundamental destacar que o mercado livre de energia elétrica é muito parecido com o mercado monetário. Dessa maneira, é necessária uma legislação que garanta um emprestador de última instância, requisitos mínimos de capital, regras sobre alavancagem; enfim, todo aparato necessário para dar segurança ao sistema financeiro precisa ser implementado, para dar segurança e previsibilidade ao mercado livre de energia elétrica.

Finalizo fazendo um alerta: goste-se ou não, o fato é que o crescimento exponencial da geração distribuída de energia elétrica é uma realidade, e trouxe uma disrupção para o sistema atual. A longo prazo, o sistema atual não é mais viável, e os consumidores do mercado regulado serão obrigados a bancar uma conta de luz cada vez mais onerosa. Melhor é nos prepararmos para fazermos a transição para o mercado livre enquanto ainda há tempo. Dessa forma os ajustes podem ser feitos com calma e previsibilidade. São vários os desafios para o mercado de energia elétrica no Brasil, mas, sem um firme compromisso com o norte de abertura de mercado, creio que o setor de energia elétrica continuará a seguir um modelo soviético de produção e distribuição. O resultado todos nós já conhecemos.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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