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Assistimos cotidianamente a juízes que soltam criminosos por motivos ideológicos e a outros que interferem nas competências do Legislativo e do Executivo – até mesmo da Presidência da República! As causas são muitas. Uma delas é a forma como o direito é ensinado nas universidades.
Do Acre ao Rio Grande do Sul, em todas as faculdades de Direito (que por aqui são mais numerosas que em qualquer outro país deste planeta Terra), todos os professores de Direito repetem em síncrono o mantra do “direito como ferramenta de mudança social”. Todos os alunos de Direito do Brasil ouvem isso desde o primeiro período.
É normal? Não. É correto? Não.
No resto do mundo democrático, o direito não é concebido dessa forma. Os alunos de Direito são futuros advogados, juízes, desembargadores, magistrados, membros do Ministério Público, legisladores e concursados de forma geral, que decidirão vários aspectos importantes da nossa vida. E não é isso que se lhes ensina. No resto do mundo democrático, o direito é concebido como um método de resolução de conflitos. A diferença é abissal.
A advocacia cresce por vários motivos. Um deles é a enorme e sempre crescente “judicialização das relações sociais”, que é ensinada nas universidades como algo positivo
Pensar “o direito como ferramenta de mudança social” significa enxergar algum problema na sociedade – e é a própria pessoa que o define como um problema, porque ele pode não ser um problema para os demais – e tentar resolvê-lo por meio do direito. Uma visão política e “Estadocêntrica” do direito. E, como (felizmente!) temos ideias diferentes, alguém vai tentar mudar a sociedade em um sentido e outros o farão em outro sentido. E, quando um puxa de cá e outro puxa de lá, a corda se rasga! Cria-se, assim, um inevitável conflito. É matemático. É o desgosto pela sociedade assim como é. Filosoficamente falando, essa visão coincide com o positivismo científico de Auguste Comte (mas não o positivismo jurídico de Hans Kelsen).
Além disso, cada juiz interpreta a legislação de forma diferente. É a exegese do texto, a hermenêutica, a Constituição free style, a cultura de não ser literal. O resultado? Arbítrio e insegurança jurídica.
Por que tanta gente quer estudar Direito? Para fazer concurso! É “qualidade de vida”, dizem (como sinônimo de salário alto, estabilidade e trabalho tranquilo). No entanto, obviamente, só uma minoria passa; os demais acabam advogando ou fazendo outras coisas (embora a ambição ainda seja o concurso). Quando o direito é usado como arma política, há o incentivo a estudá-lo para se defender, para defender outros e para atacar. O direito é visto como instrumento para exercer poder e se defender, para “dar carteiradas”.
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A advocacia cresce por vários motivos. Um deles é a enorme e sempre crescente “judicialização das relações sociais”, que é ensinada nas universidades como algo positivo! Em outras palavras: é bom que sobrecarreguem o Estado com processos custosos e demorados; é bom que se processe seguidamente empresas até por besteiras; é bom que adultos sejam incapazes de resolver seus problemas por própria conta e precisem recorrer à autoridade! Consequências concretas? As empresas têm custos judiciais enormes, algumas os repassam em seus preços, e outras simplesmente fogem do país; o Estado é onerado, a sociedade se torna mais dependente e os advogados têm mais processos.
No resto do mundo é o contrário: a maioria dos jovens que estudam Direito o faz para advogar. Depois, quem não consegue e quem quer uma vida mais mansa faz concurso. Lá, o direito é ensinado como um método de resolução de conflitos essencialmente privados. Significa que a coisa começa com um caso concreto entre duas ou mais partes, de baixo para cima, e tenta-se resolver aquele conflito específico. Não se tenta mudar a sociedade de acordo com os próprios gostos, não há esse desgosto pela sociedade assim como é, não há a “arrogância fatal” de pensar que se sabe como deveria ser todo um país. É uma visão (e uma prática) do direito menos centralizada e mais pacificadora.
Nos países anglo-saxões da common law, é ainda melhor. Ali o direito é consuetudinário, nasce entre as pessoas e não na mente do Leviatã, e não se aplica sempre erga omnes. Mas, nos últimos tempos, a codificação central vem avançando também por lá. Infelizmente.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




