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Recentemente, o Itamaraty criou regras que permitem sigilo eterno para documentos que não precisam passar por um processo formal de classificação para serem mantidos em sigilo indefinidamente. O Ministério das Relações Exteriores também ampliou o rol de informações que podem ser consideradas sigilosas, inclusive documentos que antes eram públicos, como notas técnicas, pareceres, relatórios e telegramas diplomáticos. Especialistas e organizações de transparência criticam a medida como um retrocesso grave, argumentando que ela viola os princípios da Lei de Acesso à Informação (LAI), que prevê sigilo apenas de forma excepcional, por prazo definido e com justificativa formal.
O ministro do STF Dias Toffoli decretou sigilo em um processo relacionado a Daniel Vorcaro, dono do Banco Master. A ação já estava em segredo de Justiça e agora teve o grau de confidencialidade aumentado, de forma que não ficam acessíveis ao público nem mesmo as iniciais das partes e os nomes dos advogados. Em julho de 2025, o STF estabeleceu cinco níveis de sigilo para processos (de Nível 0 a Nível 4, que corresponde ao sigilo máximo); compete ao ministro relator de cada caso definir o nível de sigilo no STF e, no caso de Vorcaro, Toffoli aplicou o nível 3 de sigilo.
O governo classificou ao menos nove telegramas diplomáticos trocados entre o Brasil e a embaixada brasileira em Washington como secretos (sigilo de 15 anos); outros 14 foram considerados reservados (sigilo de cinco anos). Os documentos tratam de temas sensíveis: as tarifas dos EUA sobre produtos brasileiros (o “tarifaço”), sanções e suspensão de vistos para autoridades brasileiras, cooperações internacionais e lobby de empresários, entre outros. Em outubro, o governo também impôs sigilo de cinco anos sobre dois telegramas diplomáticos relacionados aos negócios da JBS nos EUA. Quando o jornal O Globo solicitou seu conteúdo pela Lei de Acesso à Informação, o Itamaraty negou o acesso.
Do conteúdo de processos judiciais a telegramas e notas da diplomacia brasileira, o sigilo se tornou a regra entre os poderosos no Brasil
É tão óbvio que nem seria preciso explicar por que a transparência é boa. Mas vejamos o que diz a literatura cientifica.
Menos de metade dos pedidos no Brasil obtém resposta das agências, e mais de 50% dos pedidos ultrapassam os prazos estabelecidos na lei para a resposta. Evidências de fracos compromissos com o acesso à informação também são ilustradas pela escassez de vários indicadores-chave de conformidade, incluindo estatísticas sobre pedidos, compromissos declarados com o acesso à informação, plataformas específicas para realizar solicitações e instituições de supervisão designadas.
Estudos constatam que os países mais transparentes apresentam níveis significativamente mais altos de leis de acesso à informação, infraestrutura de telecomunicações, governo eletrônico, imprensa livre e renda.
A transparência não leva necessariamente a um melhor desempenho governamental nem à maior confiança no governo, mas tem sido relativamente bem-sucedida no combate à corrupção governamental. Sob certas condições e em determinadas situações, a transparência pode contribuir para a accountability: quando de fato representa um aumento significativo da informação disponível, quando existem atores capazes de processar essa informação e quando a exposição tem impacto direto ou indireto sobre o governo ou a agência pública.
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Afinal, maior acesso à informação governamental é condição sine qua non para maior accountability e melhor qualidade de governo no longo prazo.
Muitas vezes, os Estados até divulgam dados e informações, mas com demora, escondidos, com caminho difícil nos sites e bases de dados complexas que dificultam seu entendimento. As expectativas públicas e políticas quanto ao sucesso dessas estratégias são altas, mas elas enfrentam o desafio de tornar os dados governamentais “adequados para uso”.
Ao contrário, para nós, os súditos, vige a transparência total; sigilos são quebrados inúmeras vezes. E, quando a população reclama, os xerifes do Leviatã respondem sempre que “quem não deve não teme”. Então, o que as autoridades que colocam tudo sob sigilo têm a esconder?
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




