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Em 1812, o então governador do Massachussets, Elbridge Gerry, redesenhou os distritos de forma estranha e com pouca proximidade para favorecer o próprio partido. A mídia apelidou esse fenômeno de “Gerrymandering” porque os mapas dos novos distritos pareciam uma salamandra. Isso acontece porque nos Estados Unidos os distritos são “monovaga”, ou seja, é eleito apenas um congressista por distrito. Como a população muda, devido a nascimentos, mortes, e migração, as fronteiras dos distritos podem ser alteradas para se manter uma certa igualdade de representatividade. Hoje, os partidos estão de acordo e pressionam as comissões eleitorais para recortar as fronteiras dos distritos, incluindo ou eliminando algumas regiões especificas para terem eleições seguras, sem surpresas; por isso muitos distritos continuam a ter formatos bizarros.
No Brasil, isso não acontece porque as fronteiras dos distritos são fixas, o que é uma vantagem. Na prática, não é verdade que o Brasil não tenha distritos ou circunscrições; o ponto é que aqui os distritos são “multivagas” (há vários eleitos) e são fixos, coincidindo com os territórios dos estados. O número de eleitos varia de distrito para distrito, e depende da população.
O corporativismo vence. O país perde. Do ponto de vista político, não obstante a oposição da população a aumentos de gastos, ninguém está prestando atenção
Por aqui, para se manter a igualdade de representatividade com as mudanças populacionais, seria preciso mudar o número de eleitos, com alguns estados perdendo e outros ganhando deputados na Câmara. Mas não foi o que aconteceu. A última revisão foi feita em 1994, usando o Censo de 1985. Sem novas atualizações, o governo do Pará acionou o STF, que obrigou o Congresso a decidir até o dia 30 de junho. Pois o Congresso acelerou e aprovou; o que demorou 31 anos foi feito em um mês. Uma proposta de redistribuição das vagas que enfrentou resistência dos estados que teriam perdido deputados foi alterada, para que nenhum estado ficasse com menos parlamentares. Assim, nove estados – Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina – ganhariam deputados, mas ninguém perderia. A Câmara passaria a ter 531 deputados, em vez de 513. Gambiarra total contra o espirito da lei.
Alguns senadores se manifestaram publicamente contra o projeto, mas Davi Alcolumbre fez um acordo com Hugo Motta e os senadores passaram a apoiar o texto, e a ter pressa de aprová-lo. Até porque a mudança é útil para os próprios senadores; há quem deixe o Senado, por diversos motivos, e acaba voltando ao Congresso elegendo-se deputado.
O Senado aprovou o projeto, que em breve será sancionado pelo presidente da República. Parafraseando o famoso ditado “para rir, tem de fazer rir”, podemos dizer que “para não chorar, não tem de fazer chorar”. O corporativismo vence. O país perde. Do ponto de vista político, não obstante a oposição da população a aumentos de gastos, ninguém está prestando atenção. Outras pautas estão dominando o Congresso, como o IOF e a CPMI do INSS, e a população está distraída com muitas outras coisas, do Mundial de Clubes à guerra no Irã, passando pelas festas juninas.
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Diversos estudos apontam um impacto econômico que vai de R$ 64,9 milhões a R$ 150 milhões. Já temos o segundo parlamento mais caro do mundo, depois do norte-americano; quem sabe agora vamos chegar à pole position! Além disso, o aumento do número de deputados terá um efeito cascata nas Assembleias Legislativas dos estados que ganharão congressistas. O projeto admite que haverá mais custos, mas não é obrigado a indicar de onde virão os recursos, pois começa a valer na próxima legislatura (uma questão que deveria ser aprimorada). Nem precisamos comentar que, obviamente, não o benefício para a população é nulo.
Na Câmara dos Deputados a representatividade é por habitante; no Senado, é por estado. É assim no mundo inteiro. O Brasil já tem uma distorção forte, porque na Câmara há “pisos” e “tetos” de deputados: o número mínimo (aplicado a 11 estados) é de oito parlamentares; São Paulo tem o máximo permitido, 70 deputados. Consequentemente, São Paulo tem um deputado para cada 628 mil habitantes; Roraima tem um deputado a cada 79 mil habitantes. Esses limites deveriam ser eliminados e deveria haver uma atualização automática, a cada dez anos, sem aumentar nem o número total de deputados, nem o seu custo. Mas, em lugar disso, teremos mais deputados, mais gambiarras e mais gastança.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




