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Adriano Gianturco

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Segurança pública

O Plano Pena Justa e o absurdo da impunidade brasileira

Plano Pena Justa
Plano Pena Justa cai como uma luva para os militantes do desencarceramento. (Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney)

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O Brasil teve, em 2024, 39 mil homicídios, segundo o Ministério da Justiça – o número vem caindo lentamente desde 2020. Ainda assim, nossa taxa de homicídios é tão alta que nos coloca na 12.ª posição mundial, de acordo com dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e do site World Population Review. Para piorar, a autoria dos assassinatos só é esclarecida em 39% dos casos, segundo dados de 2022 do Instituto Sou da Paz. E o esclarecimento do crime não é garantia de que o assassino cumpra toda a pena – nem sequer é garantia de que ele será preso! Por fim, também de acordo com o World Population Review, estamos na 15.ª posição por taxa de criminalidade geral e na 24.ª em casos de estupro.

A Lei de Execução Penal prevê várias formas pelas quais um detento pode aliviar a pena: bom comportamento, leitura de livros, trabalho etc. Além disso, o Brasil tem regime semiaberto até para homicidas, “saidinha”, visita íntima, audiência de custódia... em resumo, as penas são brandas e a probabilidade de ser preso, condenado e cumprir toda a pena é baixíssima – basta ver que, pelas ruas do país, andam milhares de pluri-homicidas soltos; não raro, quando um homicida é preso, descobre-se que ele tem vários outros assassinatos na ficha. A taxa de reincidência depende do tipo de cálculo e do estudo, mas é estimada entre 32% e 42,5%, respectivamente segundo o Instituto Igarapé e o Depen.

Quase todos os países do mundo têm prisão perpétua, mas o Brasil faz parte do pequeno grupo de países que não têm esse instrumento. Sua proibição é até cláusula pétrea! A maioria dos países sem prisão perpétua está na América Latina, exatamente o continente com mais homicídios. Em um recente estudo, o professor Pery Shikida perguntou a presos o que funcionaria para dissuadir os crimes. 40% deles responderam “prisão perpétua” (42% também falaram em pena de morte). Eles mesmos dão a solução; é tão difícil assim?

O Pena Justa fala explicitamente em “número de pessoas presas igual ao número de vagas”. Deveria ser exatamente o contrário: se há muitos criminosos e não há vagas para todos eles, o correto seria criar mais vagas

O jornal O Globo estimou que, em outubro de 2023, a superlotação dos presídios era de 25%. Repete-se a torto e a direito que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, mas, quando se analisa o melhor dado, que é o encarceramento per capita, caímos para a 14.ª posição, segundo o World Population Review – e este cálculo ainda considera cerca de 220 mil pessoas que cumprem a pena em regime domiciliar, como lembrou o ex-juiz Sergio Moro recentemente, na Gazeta do Povo. Por fim, temos, também, a oitava polícia mais letal do mundo em proporção à população, segundo o World Population Review.

A percepção de insegurança está nas alturas, e é uma das principais preocupações de todos. Mas a novidade nessa área é o Plano Pena Justa, para melhorar a condição dos presos. O programa foca nos seguintes pilares: combate ao racismo estrutural (que na verdade é uma teoria), desencarceramento em massa, aumento de medidas alternativas à prisão, redução dos abusos contra os detentos, e melhora da infraestrutura prisional.

O plano começa com um capítulo sobre escravidão e racismo. O termo “racismo” aparece 99 vezes; “racial”, 117 vezes; “raça”, 31 vezes. A palavra “mulher” aparece 97 vezes e a palavra “vítima”, 10 vezes – quase sempre para se referir aos presos abusados nos cárceres.

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A redução dos abusos contra os detentos e a melhora da infraestrutura são objetivos justíssimos, tanto por questões éticas quanto para reduzir a reincidência (o que já está cientificamente comprovado). O racismo também é um problema real e sério, e a intersecção com o aprisionamento é um efeito de problemas seculares, mais que uma causa. Mesmo assim, não se resolve os problemas de segurança pública soltando eventuais criminosos ou dando-lhes tratamento privilegiado (que é inconstitucional, pois vai contra a isonomia). Muito pelo contrário: isso geraria ainda mais conflitos sociais. A solução exige agir nas causas.

O discurso do desencarceramento também é bastante problemático. É simplesmente uma enorme mentira que o Brasil tenha excesso de encarceramento. Sim, o país tem cerca de 200 mil pessoas em prisão provisória, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública – não há dados sobre o número de pessoas com alvará de soltura –, mas também é preciso lembrar as cerca de 220 mil pessoas em prisão domiciliar. E, se os autores dos homicídios são conhecidos em apenas 39% dos casos (e nem todos eles são presos), isso significa que os responsáveis por 61% dos assassinatos estão livres, ou seja, cerca de 24 mil assassinos - por ano! Não deveriam estar todos presos?

O sistema prisional brasileiro tem um pecado original: ele prevê que todos os presos tenham de voltar para a sociedade, daí todos os descontos de pena e benefícios

O plano fala explicitamente em “número de pessoas presas igual ao número de vagas”. Deveria ser exatamente o contrário: se há muitos criminosos e não há vagas para todos eles, o correto seria criar mais vagas. Em 2023, o déficit era de 166 mil vagas, de acordo com a Secretaria Nacional de Políticas Penais.

O sistema prisional brasileiro tem um pecado original: ele prevê que todos os presos tenham de voltar para a sociedade, daí todos os descontos de pena e benefícios na tentativa de ressocializá-los. Mas quem cometeu homicídios intencionais não deveria poder voltar nunca! Já demonstrou claramente que não é capaz de viver em sociedade. Não há como ressocializar todo mundo; a natureza humana não é rousseauniana.

Os dados mostram que os problemas do Brasil são a criminalidade, a superlotação, a letalidade policial, a reincidência, a incapacidade de conseguir prender criminosos, o déficit de vagas, as penas brandas que nem são cumpridas até o fim – em resumo, a impunidade. É uma questão de prioridades.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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